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O VENTO




Lentamente, gira a roda do moinho.
Num suave lamento ou será ladainha?
Tritura o milho, com ternura e com carinho.
Transformando o grão em macia farinha
Quem te faz rodar nesse ritmo lento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Vela enfunada, buscas conhecimentos.
Em alto mar, seguem as orgulhosas caravelas.
São ordens D’el-rei, fazer descobrimentos!
Gemem os mastros, sob a pressão das velas.
Quem te verga, fazendo-te gemer tanto?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Pás singelas, que no alto da torre giram.
Progresso, tecnologia! Grita o homem com vaidade!
Quais sentinelas, lá no alto, o horizonte vigiam.
Numa incessante azáfama, produzem electricidade.
Quem te faz girar nesse constante tormento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Retirada sem aviso, do regaço da tua mãe.
Voaste para longe, pela sua força sustentada.
Uma nova vida foste gerar mais além!
Ontem semente, hoje árvore enraizada.
Quem te fez voar, para que aqui mostres o teu talento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



O sol a pino, o calor aperta, que sufoco!
Nem à sombra este calor intenso se suporta.
A brisa que te acaricia o rosto, refresca-te um pouco.
Despido, gozas o momento, nada mais importa.
Quem te dá o supremo prazer desse efémero momento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Fustiga-te a chuva, árvore secular.
Vergam-se os ramos, caem as folhas.
Cobrem a superfície do lago, qual semear.
Espelho Outonal, no qual já não te olhas.
Quem te despe sem pudor, gerando o lamento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Caías silenciosa e lenta… lentamente!
Cobrindo a montanha de um branco manto.
Empurraram-te com força… violentamente!
Refugiaste-te, receosa, escondida num canto.
Quem te acossa, deixando-te assim em pranto?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Tombam as árvores, voam telhados.
Num violento cavalgar de destruição.
Ouvem-se choros de homens desesperados.
Pede-se ajuda, mas ignorou-se a prevenção.
Quem é o causador de tão singular evento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!



Erguem-se ondas alterosas e de poder descomunal.
Cavalgam o oceano, mas na costa a sua força vêm testar!
Revolta-se o mar contra quem lhe fez tanto mal
Sem justo critério, escolhe aqueles que vão pagar!
Quem te move, nesse cavalgar tão violento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!


Que progenitores iniciaram esta aventura?
Quem lhe deu tamanha força e imaginação?
O pai é, as diferenças de temperatura!
A mãe, as diferenças de pressão!
Quem é o filho de personagens com tal talento?
Não sei quem é, mas chamam-lhe vento!

Manuel Mota, Lisboa, 9 de Abril de 2014

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