A propósito do
orçamento para 2015 e do facto do governo estar a usar uma estratégia de
combate à evasão fiscal, que transforma cada um dos contribuintes num fiscal do
seu semelhante, pus-me a pensar na quantidade e na qualidade da informação que
a autoridade tributária recolhe e na possibilidade de a sua má utilização
permitir uma devassidão total da privacidade dos contribuintes. Para
exemplificar isso deixo-vos uma pequena história.
A Maria e o
Joaquim são um casal de funcionários públicos, que trabalham para a autoridade
tributária. Ele é diretor de uma repartição de finanças e ela uma técnica
superior, responsável pela equipa nacional que fiscaliza a atividade das Sociedades
Gestoras de Participações Sociais.
Apesar de
estarem casados há seis anos, eles tinham decidido dar prioridade às suas
carreiras, pelo que não tinham filhos. Isso, ao contrário de os ter unido como
casal, tinha feito com que levassem uma vida independente que os tinha afastado
de forma progressiva um do outro.
Maria era possuidora
de uma beleza extraordinária e de um corpo escultural que a tinha levado, na
sua adolescência, a ser modelo fotográfico de algumas marcas. Joaquim, apesar
de ser alto e bem constituído, era um homem muito inseguro pelo que morria de
ciúmes sempre que algum homem se aproximava dela e as noites em que Maria saía,
com os seus amigos, eram para ele uma autêntica tortura.
Desde que o governo
tinha lançado o incentivo à colocação do número de contribuinte em determinadas
faturas, através do sorteio de automóveis, que eles tinham decidido colocar o
mesmo em todas as faturas. No entanto, com a entrada em vigor do orçamento para
2015 isso tornou-se mais evidente, porque este criava a possibilidade de, não
só deduzir os gastos em determinado tipo de despesa, como potenciava o
recebimento futuro do valor descontado a título de sobretaxa, desde que o
combate à evasão fiscal permitisse cobrar uma receita equivalente ao
proporcionado por esta.
Apesar de ser
ilegal, ambos tinham conseguido aceder ao sistema que guardava os dados da
e-fatura, embora cada um deles ignorasse que o outro tinha essa possibilidade. Isso
permitiu ao Joaquim controlar os locais onde a sua esposa andava, quando ele
não estava com ela e saber onde ela gastava a parte do ordenado que ambos
tinham decidido guardar apenas para si. A forma descontrolada como ele
evidenciava o seu ciúme fez com que Maria se afastasse dele de forma
progressiva, abrindo a porta ao aparecimento de uma terceira pessoa. Joaquim
pôde constatar isso quando percebeu que ela fazia pagamentos de estadas em motéis,
a meio do dia, quando era suposto estar a conduzir inspeções. A primeira vez
que ele constatou isso foi numa sexta feira e, para seu espanto, ela tinha estado
todos os dias da semana no motel, entre as treze e a dezassete horas.
Nesse dia,
quando ela chegou a casa, ele confrontou-a com a situação.
- Quem é o
homem com quem tens estado no motel Dlirius Azuis, todos os dias desta semana? –
Perguntou ele, com raiva na voz e os olhos injetados de sangue.
Maria percebeu
logo o que tinha acontecido, pois ela própria tinha visitado o e-factura e um dos
produtos em que o marido gastava o seu dinheiro, nos últimos tempos, tinha-lhe
causado alguma surpresa.
- Não interessa
quem é, o que importa é que tenho outro homem, mas isso não te deve incomodar
muito, pois da forma que tens consumido viagra, sem ter relações comigo, apenas
pode significar que tens uma relação extra conjugal. – Respondeu Maria.
A afirmação
dela apanhou-o completamente de surpresa, emudecendo-o e quando recuperou do
choque balbuciou:
- Como é que tu…
Não me digas que também conseguiste aceder ao e-fatura!
Maria
limitou-se a sorrir e a acenar com a cabeça de forma afirmativa. Depois de uma
violenta discussão ele propôs que eles dessem uma segunda oportunidade ao
casamento, pois o seu orgulho machista não lhe permitia conceber a ideia de ser
abandonado pela mulher, ainda que ele também a tivesse traído. Quando ela se mostrou
intransigente, dizendo que iria sair de casa e que o melhor para eles era
divorciarem-se, ele perdeu as estribeiras e agrediu-a. Ela acabou por ser
socorrida pelos vizinhos e ele acabou numa esquadra da polícia, tendo o caso
ido parar ao tribunal. A juíza que julgou o caso decretou que ele não podia
aproximar-se da casa onde ela passara a viver, nem do seu local de trabalho,
para evitar novas agressões.
Joaquim
continuou a controlar a vida dela pelas faturas onde ela colocava o número de contribuinte,
tendo percebido que os gastos com os motéis tinham terminado. Provavelmente ela
encontrava-se com o seu namorado na sua casa ou na dele. No entanto, começou a
perceber que dois dias por semana ela almoçava no mesmo restaurante e, pelo
descritivo da fatura, era percetível que não almoçava sozinha. Não conseguindo conter
a curiosidade ele decidiu ir verificar quem era a sua companhia para o almoço.
Quando chegou a
restaurante verificou que ela almoçava com um homem e que pela forma como ela
segurava a mão dele e como ela o acariciava, só podia tratar-se do seu novo
namorado. A cena que presenciou através da vitrina do restaurante, deixou-o
louco de ciúme e de raiva, tendo esperado, à porta do restaurante, que eles saíssem
para satisfazer o seu desejo de vingança. Joaquim apanhou-os de surpresa e
agrediu os dois violentamente, deixando-os em estado crítico.
Esta é uma
história fictícia, mas pode muito bem vir a ser verdadeira se o estado não
acautelou devidamente o acesso à informação que os contribuintes, de forma
voluntária e confiável, colocam à disposição da autoridade tributária.
A autoridade
tributária, com a estratégia utilizada para o combate à evasão fiscal, está a
criar um Big Brother, disso ninguém tem dúvidas. A dúvida é se este (O Big Brother)
está de olhos abertos ou se os mesmos foram devidamente vendados.
Perante esta
dúvida os contribuintes têm não só o direito, mas também o dever, de escrutinar
a forma como o estado usa esta e outras informações que obtém sobre os
cidadãos! Para além do potencial uso indevido pelo estado, devem ser também
questionados os níveis de segurança das bases de dados onde constam essas
informações, pois a sua violação por terceiros pode ser igualmente perigosa
para a saúde e o bem estar de todos e cada um dos cidadãos.
É tempo de
sermos responsáveis, mas é sobretudo tempo de exigirmos responsabilidade!
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