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AMOR CANINO





AMOR CANINO

Os ganidos do cão eram chorosos, qual lamento humano e o ar triste com que este se sentava o lado do dono, que permanecia inanimado, denotava sentimentos humanos como a tristeza, a culpa ou o arrependimento. Apesar disso, a causa da morte permanecia um mistério.

O inspetor Gomes levou vários dias a reconstituir os factos mas finalmente estava em condições de fechar o seu relatório. A explicação foi-lhe fornecida pela mulher com quem o jovem se tinha encontrado, naquele dia e que tinha abandonado o local com receio de que o encontro se tornasse do conhecimento público; Porque é que todos os casos de mortes que investigava tinham que envolver uma mulher? Pensou o inspetor.

A imprensa tinha especulado muito à volta do assunto e haviam tecido as teorias mais diversas, todas elas risíveis quando comparadas com a simplicidade dos factos: O jovem e a sua amada sentaram-se no banco do jardim e, sem que ele largasse a trela da mão, envolveram os corpos com os braços, alimentando o fogo de uma paixão, quase animal, com ardentes beijos. O cão ao ver aproximar-se um gato, do outro lado da vala, saltou na tentativa de o apanhar. O jovem foi puxado e caiu ao chão, ficando com a trela enrolada à volta do pescoço e preso entre os pés do banco. O cão não tendo conseguido saltar a vala ficou pendurado na outra extremidade da trela e foi o seu peso que estrangulou o dono. A mulher era casada e ele perdeu a vida num encontro clandestino desse Amor Proibido!


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