Olá Américo,
Sinto que tenho de escrever esta
carta, embora o seu conteúdo nunca vá descobrir a luz do dia. Entre as amigas
sou conhecida como a gata borralheira. Existe uma razão para isso: A
resistência em sair de casa, graças à minha grande timidez. É ela que faz com
que esconda os olhos por detrás de uns óculos enormes, de aro grosso, ou o
corpo por detrás de roupas largas e sem graça. Detesto chamar à atenção sobre
mim.
Mas aquilo que preciso de exorcizar
não é a minha timidez, mas o grande amor que carrego dentro do peito. Quando
entraste na sala, no primeiro dia de aulas, com o teu ar descontraído, apesar
de já estares atrasado, o teu sorriso iluminou o espaço. Tu eras um íman, com
um poder de atração gigante e eu um pedaço de ferro velho que não conseguia
descolar de ti. Vi a forma como o teu olhar percorreu a sala e se deliciou com
as jovens exuberantes que ali se sentavam. Elas retribuíram. Senti-me ignorada
e com vergonha do sentimento que me arrebatou, baixei a cabeça quando me
olhaste. O meu coração bateu acelerado e senti um calor desconfortável invadir
a minha face. Assoei-me para disfarçar.
Quando me tocaste no ombro, na
biblioteca, dei um salto. O coração parecia querer sair-me pela boca. Quando
percebi que apenas querias a minha ajuda, com os exercícios de matemática,
ri-me de mim própria e da ilusão momentânea de que poderias querer algo mais
que isso. Fiquei um pouco confusa, pois tu não precisavas de ajuda, mas aceitei
a justificação que me deste. Afinal, discutir a solução de um problema pode ser
a melhor forma de o entender verdadeiramente. Disseste isso olhando-me nos
olhos de uma forma intensa. Isso intrigou-me ao mesmo tempo que me perturbava.
Baixei olhar. Foi nesse altura que percebi que os teus olhos castanhos mudavam
de cor e o calor que emanavam era tão doce e reconfortante, que, para evitar
render-me de forma incondicional, tive de afastar o meu, virando a cabeça.
O prazer de estar contigo, ainda que
fosse apenas para estudar, só era ultrapassado pelo sofrimento que a tua
ausência me causava. Deitada na cama, sem dormir, imaginava-te nos braços de
outra. A dor que sentia no peito sufocava-me, oprimia-me, mantendo-me desperta
uma parte da noite. Finalmente, vencida pelo cansaço, adormecia. Oficialmente
não tinhas namorada, mas, sempre que te via, estavas na companhia de uma jovem
bonita, que, sem pudor, se penduravam nos teus braços, beijando-te a face de
forma coquete. Cada beijo era como uma punhalada no meu coração. Pensei vezes
sem conta em afastar-me de ti, mas isso demonstrou ser um propósito impossível.
Amava-te demais para isso! A minha irmã e confidente, diz-me que devia
confessar-te o meu amor. Do topo dos seus catorze anos e sem qualquer
experiência, afirma que estás interessado em mim. Sozinha no meu quarto e, ao
escrever estas palavras, rio-me do risível deste pensamento.
Em desespero de causa, deposito neste
papel os meus sentimentos. Jogo fora as palavras, na vã esperança de me
esvaziar também deste sentimento sem futuro. Deste sentimento que me eleva aos
pícaros, nos momentos que estou contigo, para em seguida me carregar às
profundezas do inferno. Amo-te desesperadamente, mas guardo para mim o
sentimento, da mesma forma que a gaveta da secretária guardará esta carta. Por
vezes deixo-me levar pela ilusão e sonho. Sonho que tu também me amas. Sonho
com momentos de ternura eternos. Sonho com uma entrega mútua sem reservas nem
pudor. Sonho com um amor que nos faz tão felizes que flutuo. Viajo pelo mundo
nas nuvens, de mão dada contigo. Sinto o teu toque, sedoso, mas firme, segurando
a minha mão e conduzindo-me por um caminho macio e gostoso. Sinto-me invadida
por uma sensação deliciosa que me aquece. O teu olhar meigo acaricia o meu e sinto
que me amas verdadeiramente. Depois acordo e a realidade desmente tudo.
Mesmo sem te poder ter, velo por ti.
Que Deus te guarde meu amor.
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