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A CONJUGAÇÃO DO VERBO


A senhora idosa desceu do autocarro na paragem mais próxima de sua casa. Devagar, subindo a rua íngreme, puxava atrás de si o saco de rodas, utilizado para transportar os poucos artigos, que a sua parca reforma lhe permitiam comprar, semanalmente, no supermercado.
Na sua face estava estampada a expressão do esforço que fazia para transportar o saco, parando, várias vezes, antes de reiniciar o penoso esforço de percorrer o curto espaço, que a separava de sua casa.
- Como vai D. Ermelinda? Então o saco está pesado? Senão fossem estas malditas pernas… - disse o Sr. Joaquim, mantendo-se sentado no banco do jardim.
- Bom dia Sr. Joaquim, o que me pesa não é o saco nem a idade, é ausência de solidariedade. Que falta me faz o meu Manel! Deixe estar, obrigada! O Sr Joaquim já faz esforço suficiente para se arrastar a si próprio, com essas muletas….
O riso alegre e próprio da juventude chegava aos seus ouvidos, pois o casal de jovens aproximava-se a passos largos, passando por eles sem sequer os cumprimentar.
- Eu já sou campeão de pesos médios da escola na classe de menores de 18. - Dizia ele.
- Tu és o maior! – Dizia ela - E eu sou a mais bonita!
Esta conjugação da vaidade e do elogio tão presente nos nossos tempos deixa-me triste e pensativo.
Onde é que nós falhamos? (que conjugação é esta?)
Mas a história podia ter outro enredo…
- Eu já sou campeão de pesos da escola na classe de menores de 18. Olha para ajudar a manter a forma vou carregar as compras da D. Ermelinda. Disse ele.
- Boa ideia – disse ela –  e eu como menina bonita vou dar-lhe o meu braço para a ajudar a caminhar.
Assim, os três juntos seguiram até casa de D Ermelinda onde ela serviu um chá acompanhado daqueles biscoitos saborosos cuja receita provinha de tempos muitos antigos mas que provavelmente morreria com ela…

É assim, o Verbo pode sempre ser conjugado de várias formas. A escolha é de cada um.

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