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GIL VICENTE VERSUS TROIKA


Gil Vicente, quando escreveu a Farsa de Inês Pereira, não pensou na intemporalidade da sua obra, mas a verdade é que foi esse texto maravilhoso, que gerou em mim a ideia de vos falar da Farsa da Actual Vida Política.
Tudo começa com a vinda da Troika… Esqueçam, tudo começou há demasiado tempo e muitos foram os culpados, mas não responsabilizados, que ficaram pelo caminho, ou melhor, que continuam no caminho, enchendo-o de escolhos, para que o Zé Povinho continue a tropeçar, sem conseguir atingir a meta. Mas afinal o que é que a Troika e o Gil Vicente têm a ver com isto tudo? Tudo isto está relacionado com quadrúpedes! A personagem principal da Farsa de Inês Pereira, deu voz ao ditado popular que diz; “antes quero asno que me carregue, que cavalo que me derrube”. Fê-lo por outras palavras, bem sei, mas foi esse o sentido com que falou. Por seu lado, a Troika, na sua origem, não passava de uma nobre carruagem, puxada por três cavalos.
Mas, na Farsa de Inês Pereira, como na utilização da Troika, como meio de transporte, sabíamos perfeitamente o papel e responsabilidade de cada um. Infelizmente, na farsa que é a vida política actual, ninguém é responsável por nada e os papéis desempenhados são muito confusos. A Troika deixou de ser um meio de transporte, pois as carruagens só existem nos museus, os cavalos são escassos e utilizados apenas em desportos e aquilo que existe, cada vez em maior abundância, são asnos. Claro que, ao tempo de Gil Vicente, os asnos eram de quatro patas e carregavam, literalmente, mercadorias ou pessoas. Entretanto, esses asnos estão em extinção e passamos a ter asnos bípedes, que se multiplicaram e deram origem a diferentes tipos e castas de asnos.
Assim, na base da pirâmide, temos o povo que não sendo constituído por asnos, faz papel disso, tal como o Pêro Marques, na obra de Gil Vicente, ao continuar a carregar (eleger) os asnos que nos governam (casta intermédia de asnos!). Mas se de um lado da bancada estão asnos, o zurrar que se houve do outro lado, não eleva o nível do monólogo, que é a conversa entre governos e oposições, pois estão sempre sintonizados em comprimentos de onda diferentes (um comprimento igual à medida do interesse pessoal ou do partido). Para adensar mais a trama, temos uma Troika europeia, que não nos puxa, mas antes nos empurra e tendo em consideração o abismo para onde nos quer levar, não se trata de uma “Troika” puxada por cavalos, mas antes por asnos. Claro que estamos a falar de asnos de uma casta superior, sobretudo pelo valor que nos cobram pelo serviço de “atrelagem e condução” ao abismo. Talvez em vez de Troika lhe devêssemos chamar antes “Barca do Inferno” e situar a acção no auto, com o mesmo nome, da autoria de Gil Vicente (nesse caso, o papel de capitão caberia à chanceler alemã!).
Falando ainda de asnos, não sei porquê, vem-me à memória a lenda do Burro e da Novena. Quem não se lembra do dono do Burro que pensava que este, apesar de ser um “burro de trabalho”, ficava muito caro a alimentar e decidiu desabituá-lo de comer. Foi então aconselhado (talvez pelos asnos de uma Troika!) a deixar o burro sem comer nove dias. Supostamente, ao fim desse período o burro estaria desabituado de comer e passaria a viver sem necessidade de se alimentar. Naturalmente, que o burro morreu antes de decorridos os nove dias! Tenho receio que a receita que estão a aplicar a Portugal conduza ao mesmo resultado! No entanto, ainda não é tarde para pensarmos melhor e decidirmos alterar a “dieta”. Entretanto, caminhamos para o abismo, não com Passos de Coelho, mas com saltos de lebre, enquanto do outro lado da bancada, se joga pelo Seguro, esperando, impacientemente, que o Coelho dê uns Passos em falso e fique, definitivamente, preso numa armadilha!

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