Vinte e sete.
O Sol conduz-nos pelas ruas
Ao dobrarmos a esquina da 17 com a Dom Carlos, Paulina
perdeu-se-me do braço por um momento. Ao passar a mão pelo cabelo,
os dedos roçaram
ao de leve a testa
e um calafrio arrefeceu-me os pulmões e dilataram-se-me as narinas. Acima
do sobrolho esquerdo a pele estava dura e áspera.
Olhei-me nos vidros de um carro e as veias nas têmporas encheram-se de
pânico. Compus a gravata e fechei o
casaco. O Sol varria a avenida
e a luz era de sábado de manhã. Eu não podia
querer que tudo não
passasse de um sonho. Estou calmo. Olho em volta. Isto é a minha vida. A cidade não me vira as costas. Quem me passa na rua, passa, passa - apenas. Paulina e Pol trocam um abraço. Estamos a chegar à esplanada do Papa-Açorda. Recupero-me. Estou a racionalizar as coisas. Estou a traçar o mapa da minha vida para os próximos vinte anos, aproveito e abraço os meus fantasmas mais próximos. Volto a tocar
no sobrolho. Nada me diz que eu deva desistir, que eu deva iludir o desafio. Do que
eu não era agora sou isto. A Paulina toma-me
o braço.
Ter medo é bom. Faz-nos
correr. Não são as garras de combates
antigos marcadas no
dorso o que teme a presa; é a imagem do predador que a mantém
alerta e viva. Não, não
é o
sonho, nem o episódio,
é a adrenalina que corre nos limites esconsos dos dias sós.
Estou a sentar-me com um despropositado brilho nos olhos. Isto vai ser para sempre.
Para me obrigar aos dias. A vida não é bela, quem disse o contrário? Temos luta.
Pol olha-me e sorri. Duas pequenas na mesa do canto. Às cinco horas. Escrevo 10 num guardanapo e levanto-o como os júris dos concursos. Paulina reprova. O Sol
abraça-me como se fosse tudo o que eu precisasse até voltar, numa hora destas, a sentir
uma pontada no peito, e eu volto a iluminar-me com um ar sedutor, o sobrolho franzido à Erroll Flynn. O Sol não me abandona para já e sem que o Pol me pergunte nada eu digo-lhe, enquanto
pedimos o melhor de uma reserva de trincadeira, “Ou se é feliz ou não se é nada”. Pelo menos, por agora.
Nota sobre o autor:
Nasceu na latitude de Nova Iorque no século passado e foi criado próximo de uma mesa de matraquilhos, entre gente simples e menos simples. Com dois períodos de aprendizagem, a escola primária e a escola de sociologia do ISCTE, aproveita o tempo entre uma coisa e outra para ler, ver os velhos filmes de uma outra América, sorver pintura e coisas assim. Aos onze anos adopta o único ídolo de toda a vida, Ian Curtis. Entretanto, o judo é fascinante no seu tapete verde. A escrita aparece quando não devia e os contos acabam por adequar-se à impaciência das demasiadas histórias. Histórias que esticam a realidade até ao absurdo com regras. Gosta de Mahler, cerveja preta e Benfica; quando pequeno queria ser agricultor como o avô mas, infelizmente, a única coisa que sabe fazer é escrever
Nota sobre o autor:
Nasceu na latitude de Nova Iorque no século passado e foi criado próximo de uma mesa de matraquilhos, entre gente simples e menos simples. Com dois períodos de aprendizagem, a escola primária e a escola de sociologia do ISCTE, aproveita o tempo entre uma coisa e outra para ler, ver os velhos filmes de uma outra América, sorver pintura e coisas assim. Aos onze anos adopta o único ídolo de toda a vida, Ian Curtis. Entretanto, o judo é fascinante no seu tapete verde. A escrita aparece quando não devia e os contos acabam por adequar-se à impaciência das demasiadas histórias. Histórias que esticam a realidade até ao absurdo com regras. Gosta de Mahler, cerveja preta e Benfica; quando pequeno queria ser agricultor como o avô mas, infelizmente, a única coisa que sabe fazer é escrever
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