A JORNALISTA | PARTE I | CAPITULO 3 - A Advogada
Roger
tomou o pequeno almoço sem pressas mas de forma a ter tempo para fazer a
higiene diária. A mala com a roupa estava num canto. Alguém a tinha ido buscar
ao seu hotel e feito o respetivo chek-out. Estava tudo lá. Usou o kit de
higiene e mudou de roupa. Depois disso, apesar das circunstâncias, sentiu-se
reconfortado. Olhou-se ao espelho e concluiu que estava apresentável. Sentou-se
na cama e aguardou. O som da fechadura
funcionou como um alarme. Aquele pensamento era um paradoxo, mas sentia que
enquanto estivesse ali fechado estava de certa forma imune. A cela protegia-o
de ser interrogado e formalmente acusado da morte de Karen. A porta abriu-se: a
barreira que o separava do mundo, que aparentemente o condenava, tinha sido
removida.
«Vamos!» Disse o guarda, de forma seca.
Foi
conduzido a uma pequena sala completamente vazia. Os equipamentos de gravação
áudio e vídeo impunham a sua presença de forma ostensiva. Eram um farol. Esperou. Ao fim de algum tempo começou a
ficar inquieto. A ansiedade que normalmente antecede os momentos decisivos na
vida tomou conta dele. Levantou-se e caminhou pela sala.
O
som da porta a ser aberta apanhou-o desprevenido. Virou-se de rompante e deu de
caras com dois desconhecidos.
«Bom dia Sr. Roger.» Disseram em simultâneo.
«Bom dia.»
«Eu sou o Joe e trabalho na embaixada
Australiana.» Disse o homem, mostrando a sua identificação.
Roger
conferiu os documento sem dizer nada. Devolveu-os e aguardou.
«Tal como nos solicitou, no contacto de
ontem, providenciamos-lhe um advogado. A Dra. Anabela Correia costuma
representar os cidadãos australianos, que se vêm a braços com a lei, em Portugal.
A nossa recomendação é que ela o represente, mas a opção é sua.»
Roger
ponderou a situação. O melhor era aceitar a recomendação da embaixada pois não
conhecia o meio. Com a ajuda do Joe acordou o valor dos honorários a pagar à
advogada. O homem da embaixada partiu e ele ficou a sós com ela.
Depois
de ouvir a versão dos factos, contada por Roger, a advogada ficou em silêncio.
«Como já deve ter percebido o Roger está
metido numa grande embrulhada.»
«Eu sei, mas também sei que estou inocente.»
«Isso é uma afirmação inconsistente. Como
explica as memórias que tem, de alguém a espetar as facas na Karen.»
«Existem muitas coisas que não consigo
explicar. No entanto, tenho a certeza que não faria mal à Karen.»
«A única saída que temos de demonstrar a
sua inocência, é provar que o crime foi cometido por outra pessoa. Recomendo
que contrate um investigador. Posso sugerir um nome se estiver interessado.»
A
advogada não perguntou e Roger não entendeu que era relevante mencionar o seu
passado. Tudo tinha acontecido há vários anos atrás e num local longínquo.
Ninguém iria descobrir!
«Preciso que o Roger me indique o nome de
todas as pessoas que trabalhavam ou frequentavam o palacete.»
«Não sei. Eu apenas conhecia a Governanta.
Os eventos embora fossem produzidos no palacete eram sempre feitos com recurso
a pessoal contratado para o efeito. A governanta, em conjunto com a empresa de
eventos, era quem o fazia, seguindo as minhas especificações.»
«Como foi contactado para produzir o
primeiro evento?»
«Foi a agência que recebeu a incumbência de
o produzir que me contactou. O meu nome terá sido imposto pelos clientes.»
«Chegou a conhecer os clientes?»
«No fim do primeiro evento alguns deles
vieram cumprimentar-me, elogiando o meu trabalho. O único nome que fixei foi o
do Brasileiro. Chama-se Jair de Lins.»
Depois
de várias horas de perguntas e respostas a advogada partiu informando-o que os
interrogatórios deveriam começar dentro de uma semana. Ela iria estar presente
durante os mesmos e nessa altura esperava que os esforços do detetive
particular tivessem dado frutos.
Roger
foi novamente conduzido à sua cela. O semblante desanimado transmitia aquilo
que lhe ia na alma. As provas estavam todas contra ele. A sua única defesa era
a convicção de que não seria capaz de fazer mal a Karen, mas mesmo essa era
minada pela malditas memórias daquelas duas horas fatídicas. Sentou-se na cama
e enterrou a cabeça entre as mãos. Estava sozinho. Não possuía família pois os
pais já haviam falecido e descendia de várias gerações de filhos únicos. Os
amigos de infância tinham-lhe virado as costas, na sequência do escândalo e,
nos últimos anos, não tinha feito muitos. Estava mais preocupado em construir
uma carreia e o seu caráter era propício a pisar alguns calos, quando isso lhe
convinha. Apenas lhe restava confiar na sua advogada.
O
pensamento voou para a Austrália. Reviveu alguns dos momentos passados, uns
mais agradáveis que os outros. Tinha saudades dos espaços abertos. Tinha
saudades do mar ou das vastas planícies. Recordou a viagem pelo interior com a
amiga que trabalhava na Network Ten, canal de televisão que emitia o concurso
de Master Chefe, na Austrália. Foi uma viagem tórrida em todos os aspectos. Os
dias quentes e secos da época de estio não eram mais amenos entre portas. A
amiga tinha uma imaginação fértil e ele não tinha especial orgulho de algumas
das coisas que tinha feito com ela, mas tinha de confessar que em todas
experimentou intenso prazer. Tinha sido uma relação intensa e atribulada, que
acabou com a mesma rapidez com que começou: Ela era insaciável e quando ele se
cansou de lhe satisfazer os caprichos sexuais, simplesmente afastou-se. Não
houve brigas nem amuos, mas também não houve despedidas.
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