A JORNALISTA | PARTE I | CAPÍTULO 2 - A Cela
Roger
sentia-se completamente perdido. Não tinha amigos em Portugal e as únicas duas
pessoas a quem podia recorrer tinham desaparecido: uma estava morta a outra em
parte incerta. Era um homem decidido e, normalmente, do cimo do seu metro e
noventa, olhava o mundo de frente. Nada o amedrontava, pelo menos até àquele
momento. A sua vida não tinha sido fácil e ele tinha seguido por alguns atalhos
que guardava no armário dos esqueletos. Apesar disso considerava-se um homem
bom. «Não sou nenhum anjinho, mas isso não faz de mim um criminoso!» Pensou,
deitado na cama e olhando o teto da pequena divisão a que se encontrava
confinado. Por mais que pensasse não conseguia descortinar o que havia acontecido na noite passada. Não tinha
a certeza se as imagens que lhe povoavam a mente eram reais ou pertenciam a um
sonho, mas quando fechava os olhos via as facas enterrarem-se no corpo de
Karen, apenas não conseguia visualizar quem o fazia. «Será que fui eu?»
Pensou. Não tardaria muito, começaria o primeiro interrogatório depois da sua
prisão e era fundamental que tivesse as suas ideias bem ordenadas. Os
inspetores iriam querer perceber se a sua história era ou não verdadeira e qual
a sua ligação àquele grupo. «Onde estará Anne?» Interrogou-se.
Tudo
tinha começado oito anos atrás, com o escândalo de exploração sexual de
turistas. Roger tinha vinte e oito anos e era instrutor de surf em Byron Bay.
Era um jovem despreocupado, honesto e ingénuo e com muito sucesso junto das
mulheres. A elevada estatura, compleição física e o rosto másculo, emoldurado
por cabelos escuros e olhos azuis, davam um contributo considerável para isso. Tinha
abandonado o curso de Exercise and Sport
Science aos poucos, faltando-lhe meia dúzia de disciplinas para o terminar.
Tinha conhecido um casal de irmãos que se dedicavam ao surf e que o convenceram
a juntar-se a eles. Não existia nada que se comparasse com a vida de instrutor
de surf. A instabilidade da prancha era o seu porto seguro. Era aí que ele se
sentia em casa. Quando o dia terminava ele ficava horas a fio, sentado na
praia, absorvendo a energia da natureza. Aquela paisagem imutável era diferente
todos os dias. Cada dia ele descobria um som, uma cor, um cheiro, algo que a
tornava, não apenas diferente do dia anterior, mas única. Cada dia era uma
autêntica descoberta. Era um novo por do sol. Era o seu por do sol!
A
escola de surf era um sucesso. O sócio cuidava das contas e ele e a irmã do
sócio, por quem se tinha apaixonado e que lhe fazia algumas cedências, sem corresponder ao seu amor, tantas vezes declarado,
cuidavam das aulas. Todas as sextas e sábados eram organizadas grandes festas,
para as quais convidavam as alunas de surf e um grupo de homens importantes de
Brisbane. A maioria das mulheres acabava por beber demais e sair em braços,
carregadas pelos homens. Aquilo parecia-lhe um pouco estranho, mas a sócia
calava as suas dúvidas, com beijos ardentes e sexo caloroso.
Quando
o escândalo estalou ele foi apanhado no turbilhão e viu o seu negócio
evaporar-se de um dia para o outro. Os sócios desapareceram e ele por pouco não
tinha sido condenado a uma pena pesada. Ficou em liberdade condicional, mas com
o futuro hipotecado, sobretudo se continuasse em Brisbane. A sua vida como
instrutor de surf, na Golden Coast,
tinha acabado. Decidiu mudar de vida. Acabou o curso, sem grande entusiasmo,
mas pelo caminho descobriu a sua grande paixão. O emprego de ajudante de
cozinheiro, num restaurante de Sydney, necessário para sobreviver, tornou evidente
que o seu futuro era a culinária. A sua amiga de ocasião disse-lhe que ele
devia concorrer e ele conseguiu entrar no concurso de Master Chefe da Austrália.
Os conhecimentos adquiridos nos últimos anos, combinados com o seu génio
inventivo e a paixão pela cozinha ficaram evidentes desde o início do concurso.
O facto de não ter vencido o mesmo, no ano 2011, não o impediu de se tornar Chefe. Nesse mesmo ano abriu o seu primeiro restaurante e, em 2013, era já um
nome de referência entre os Chefes australianos, com projeção mundial. O
convite para chefiar a cozinha do evento surgiu de forma natural e foi encarado
por Roger, como uma experiência enriquecedora e ótima para o seu curriculum. A
reunião iria durar três dias e seriam servidas seis refeições temáticas. Entre
os convidados encontravam-se os investidores: gestores de grandes grupos
económicos mundiais, os acionistas: cinco famílias dos quatro cantos do mundo,
com uma fortuna considerável, e um conjunto de conhecidas individualidades da
política e das artes. Era a oportunidade perfeita para divulgar o seu tipo de
cozinha e os conhecimentos como Chefe. A reunião tinha lugar em Portugal, o que
era a cereja no topo do bolo. Portugal estava na moda e fazia algum tempo que
ele queria conhecer o país. Talvez até pudesse ir apanhar umas ondas no Guincho
ou na Ericeira. Apenas conhecia os locais de nome, mas gostaria muito de os
surfar. Não era a sua primeira experiência internacional, mas seria seguramente
a mais visível.
Virou-se
de lado. Estar fechado entre aquelas quatro paredes, num espaço tão exíguo,
deixava-o desconfortável. Ele gostava de espaços abertos, do som do mar, de
música, enfim de tudo o que não podia usufruir naquele lugar! A noite anterior
tinha sido passada, sem dormir, nos calaboiços da polícia. Depois de ter ido ao
tribunal e de ter sido informado dos seus direitos, foi-lhe transmitido que lhe
seria atribuído um advogado oficioso para o acompanhar no processo, a não ser
que quisesse nomear o seu próprio advogado. Roger não deu uma resposta
definitiva e contactou a embaixada australiana. O som de passos ao fundo do corredor
colocaram-no em alerta. A porta da cela foi aberta e deixaram-lhe uma bandeja
com o pequeno almoço. Olhou para a comida com desdém, mas conteve-se. «É melhor
comer tudo. Preciso de força para enfrentar o que se segue!» Pensou.
«Tem trinta minutos para
comer e fazer a sua higiene. Depois disso virei buscá-lo.» Disse o Guarda.
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