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PALAVRAS SOLTAS - O Destino



O Destino



EPILOGO 1
Passado o momento de nostalgia avanço. Fundo-me com a penumbra das ruas por onde sigo cambaleando. O olhar dos raros transeuntes com que me cruzo ignora-me ou veta-me à invisibilidade, tal é o desprezo com que me flameja. A noite e o silêncio caminham de mãos dadas e contrastam com a intensidade dos odores que se espalham pelo ar. O choro de uma criança, a voz áspera de uma mãe ou o riso dos miúdos em correrias, enquanto aguardam pelo jantar, são pontes que me ligam à realidade. Obcecado pelo número 13 arrasto-me, cada vez mais penosamente, em direção ao meu destino… A mão aperta o cabo do punhal e a sede de vingança dá-me força para continuar! O número da porta surge como um clarão, os olhos arregalam-se e o corpo ganha uma energia que há muito parecia ter perdido. Atravesso a rua o mais depressa que posso, com o coração a bater desalmadamente. No instante em que levanto a mão para bater à porta esta abre-se e eu lanço-me no interior do espaço, tropeçando e sujando o chão com o sangue que escorria da perna entrapada.

- Pedro! Meu Deus… Estás ferido!

Finalmente estou em casa. A Isabel sabe o que fazer… Desmaio.



EPILOGO 2
Ultrapassado o momento de nostalgia dirijo-me para a porta. Caminho furtivamente, fundido com as sombras, querendo parecer invisível… Olho em frente, fingindo absorto nos meus pensamentos, enquanto pelo canto do olho perscruto todos os recantos, sobretudo os menos iluminados, à procura de alguma sombra suspeita. Os sentidos, em alerta, experimentam o choro de uma criança, a voz áspera de uma mãe ou o pútrido cheiro dos caixotes do lixo, da mesma forma que farejam o perigo. A porta está entreaberta, mas espreito pela janela, de lado, procurando não ser visto. A receção está vazia. De um salto atravesso o mal iluminado hall, com o corpo tenso, a mão cerrada no cabo do punhal e o coração acelerado pelo medo. O quarto número 13 encontra-se ao fundo do corredor, percorro-o com cautela, relaxando um pouco a tensão. O cheiro bafiento é tão intenso que me faz arder a garganta. Após suaves pancadas a porta abre-se e o hóspede arregala os olhos incrédulos, ao mesmo tempo que lhe tapo a boca e o trespasso com o punhal. Missão cumprida. Desapareço na penumbra.




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