A VIAGEM (Epílogo)
Finalmente tudo parece
estar no seu lugar. O percurso diário e rotineiro para o escritório foi
tranquilo, as pessoas com que me cruzo parecem sorrir-me, o céu está mais azul
e até a cadeira, onde me sento todos os dias, parece mais confortável. Todo o
drama, as mortes, a traição e o sofrimento ficaram no passado. É bom sentir que
não voltarei a viver aqueles momentos de angústia ou as noites de insónia,
fechado dentro daquelas quatro paredes.
Involuntariamente, volto
a reviver as imagens da noite em que morreu o meu melhor amigo. A verdade é que
nunca consegui explicar, nem a mim próprio nem a ninguém, as circunstâncias da
sua morte, nem as visões desconcertantes que me assombraram durante os últimos
anos sem saber se eram alucinação ou realidade.
Muitas vezes cheguei a pensar que era tudo um
jogo no qual eu era apenas um peão, mas a dura realidade da ausência do meu
amigo e aquele corpo sem cabeça e quase desfeito, colocou um ponto final no
assunto, sobretudo agora que o tribunal decidiu que tinha sido um acidente e eu
estava completamente livre. Tudo estava bem, com exceção daquela dúvida que,
como uma pequena semente, germinava dentro de mim, agora que a mente estava
livre de outras preocupações.
Absorto nestas cogitações
não me apercebi da sua aproximação. Inexplicavelmente ele está ali. Sim, o meu
amigo está, de pé, encostado à porta do meu escritório! Nos lábios tem o mesmo
sorriso trocista com que me olhou, pela última vez, na fatídica noite. Tento
falar mas a minha boca não emite qualquer som. Estou em estado de choque e levo
as mãos ao peito para tentar controlar-me, pois este parece que vai explodir.
Finalmente consigo falar.
- Tu? Tu estás morto! Não
é possível… Aquele cadáver…
Sinto a sua mão no meu
ombro e todas as dúvidas se desvanecem. Ele está vivo e bem vivo! Depois, antes
de desaparecer, oiço a sua voz.
- Obrigado. Tu foste
muito útil, na verdade foste um bom amigo. O cadáver era mesmo do meu sócio e
como os mortos não se podem defender, foi fácil fazer dele o culpado de tudo.
Eu e a Sofia vamos desaparecer.
Fico imóvel… Siderado
perante a revelação! Não daquilo que fiquei a saber, mas do que sempre soube.
Afinal eu sempre soube a verdade, mas a minha amizade por aquele homem
disfarçou-a com uma alucinação.
Agora sim, tudo terminou, até a minha fé nas
pessoas!
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