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O FATO DE BANHO






 O FATO DE BANHO

Quando tomava banho numa praia ocorreu à Srª. Isotta Barbarino um desagradável contratempo. Nadava ela ao largo, quando, parecendo-lhe altura de regressar, e já se dirigia para a margem, se apercebeu de que um facto irremediável acontecera. Perdera o fato de banho.

-            - Por Deus! Como perdi eu o fato de banho?
-            - Estou a ficar cansada! 

Tomou alguns segundos do seu tempo para ponderar como sair daquela situação. Se ao menos tivesse um corpo de modelo podia emergir da água, qual ninfa, e fazer da nudez a sua arma. Ao invés os seios vazios e caídos, os anéis com que a obesidade se manifestava à volta da cintura e a púbis coberta de um matagal escuro e denso, apenas serviriam de motivo de chacota. Sorriu do risível da sua própria imagem!

Talvez, se simulasse estar em perigo e afundar-se, os nadadores salvadores a socorressem e, nesse caso, cobririam a sua nudez, poupando os veraneantes de uma visão inesquecível. Se bem o pensou melhor o fez.

Começou a gritar ao mesmo tempo que esbracejava e esperneava. Fê-lo com tanta força e entusiasmo que ficou com cãibras nas pernas. A nudez deixou de ser uma preocupação e a sua prioridade passou a ser manter-se à tona da água.

O socorro estava a demorar uma eternidade, mas ao fim de algum tempo tudo se tornou irrelevante e o seu corpo deslizou suavemente para o fundo ao mesmo tempo que escutava, muito lá longe e de forma difusa, gritos e instruções. Estava em curso uma operação de salvamento. Alguém estava em risco?

Quando tomou consciência de si estava deitada, numa maca, na praia, tapada com uma manta e observada por várias pessoas, com ar preocupado. Desviou o olhar envergonhado para o mar, mas os olhos ficaram fixados no seu fato de banho que estava pousado, à altura da sua cintura, sobre a manta que a cobria.



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