Avançar para o conteúdo principal

O REGRESSO






O REGRESSO

A pequena vila piscatória estava em alvoroço! Os homens corriam para o velho porto com um entusiasmo pouco visto e as mulheres, que ignoravam o motivo da correria, seguiam atrás deles demandado saber a causa de tal agitação.

- Então os homens ainda há pouco estavam por aí jogados, de lágrima ao canto do olho, e agora é vê-los esfusiantes! Que é que se passa? – Perguntava uma das mulheres debruçada na janela.


- Olha Maria, não sei. Mas aqui parada é que não fico. Até morria de curiosidade se não fosse ver o que era!


A notícia tinha-se espalhado, ente os homens, com um rastilho. Atla estava viva. Tinha chegado a bordo da lancha de patrulha da marinha, que a tinha “pescado” junto ao rochedo onde ela tinha caído ao mar. 

Atla envergava um vestido verde, longo e cintado e, com os cabelos ao vento, acenava para terra. Os homens olhavam para ela de olhos arregalados e em êxtase. Era ela que lhes alimentava os sonhos e lhes aquecia os corpos quando regressavam do mar. Mesmo aos homens casados. A admiração que já nutriam pela sua beleza dera lugar a um endeusamento tolo e mundano!

- É um milagre. Nunca ninguém sobreviveu àquela queda! – Exclamou um, com os olhos húmidos.

As mulheres chegaram em chusma, esbaforidas e barafustando por terem sido deixadas para trás e na ignorância. Quando perceberam a razão do alvoroço dos homens a fúria tomou conta delas e os comentários surgiram em catadupa.

- Esta alma penada voltou para nos atazanar.

- Esta mulher é uma bruxa e se não morreu é porque tem o diabo no corpo!

- É o demónio. Trespassem-na com um arpão!

A situação ameaçava ficar fora de controlo e a barreira feita pelos homens para a proteger foi abalroada. 

Em vista do tumulto em terra a lancha afastou-se com Atla na proa, deixando homens e mulheres na incerteza sobre aquilo que tinham visto. O vulto na proa do barco era realmente Atla ou apenas uma visão?


Comentários

Mensagens populares deste blogue

O SEMÁFORO

O SEMÁFORO Na cidade do Porto, numa rua íngreme, como tantas outras, daquelas que parecem não ter fim, há-de encontrar-se um cruzamento de esquinas vincadas por serigrafias azuis, abertas sobre azulejos quadrados, encimadas por beirais negros de ardósias, que alinham, em escama, até ao cume e enfeitadas de peitoris de pedra, sobre os quais cai a guilhotina. Estreita e banal, sem razões para alguém perambular, esta rua, inaudita, é possuidora de um dispositivo extraordinário, mas conhecido de muito poucos: Um semáforo a pedal, que sobreviveu, ao contrário dos “primos”, tão em voga na década de sessenta, na América Latina. No início do século XX, o jovem engenheiro, François Mercier, de génio inventivo, mudou-se para o Porto. Apesar do fracasso em França e na capital, convenceu um autarca de que dispunha de um dispositivo elétrico e económico, bem capaz de regular o trânsito dos solípedes de carga, carroças, carros de bois a caleches, dos ilustres senhores. O autarca

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL As palavras não me ocorrem perante a imensidão do sentimento que me invade o peito. Digo-te aquilo que adivinhas pois os meus olhos e os meus gestos não o conseguem esconder. Amo-te! Amo-te desde o primeiro dia em que entrei na empresa e tu me abriste a porta. Os nossos olhares cruzaram-se e, por instantes, olhamo-nos sem pestanejar. Senti que tinha encontrado a minha alma gémea. O meu coração acelerou quando me estendeste a mão e te apresentas-te. Apenas uma semana depois soube que eras casada. Chorei a noite toda. Não conseguia aceitar que não fosses livre para poder aceitar o meu amor e retribuí-lo como eu tanto desejava. Desde esse dia vivo em conflito: amo-te e por isso quero estar a teu lado, mas não suporto estar a teu lado, sem poder manifestar-te o meu amor. Quero fugir dessa empresa, não quero mais ver-te se não te posso ter, mas não consigo suportar a ideia de não te ver todos os dias. Tu és o sol que ilumina o meu dia, mas és

O BILHETE

O BILHETE Com os cadernos debaixo do braço ele subiu a escadaria do Liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real. Vivia numa aldeia próxima e tinha vindo a pé. Tinha vários irmãos e como estavam todos a estudar, tinham de poupar em tudo o que era humanamente possível. Já estava com saudades das aulas! Era irónico que tal fosse possível pois os jovens preferem as férias. Não era o seu caso. Tinha vindo de Angola e, por falta de documentos, tinha ficado um ano sem estudar, trabalhando na quinta, ao lado do pai, enquanto os irmãos iam para as aulas. Estudar era, portanto, a parte fácil. Procurou a sala onde a sua turma tinha aulas: Ala este, piso zero, sala seis. Filipe era um aluno acima da média, mas a sua atitude era de grande humildade: esperava sempre encontrar alguém melhor que ele. Dado que tinha ficado um ano afastado da escola estava com alguma expectativa em relação à sua adaptação, mas confiante nas suas capacidades. Não tardou em destacar-se e no fim do primeiro tri