AMOR POR
CORRESPONDÊNCIA
O homem,
debruçado sobre o corpo da jovem, chorava copiosamente. As lágrimas
escorriam-lhe pela face, sem que este fizesse esforço algum para as reter,
caindo em torrente sobre a mulher, como se quisessem animar novamente aquele corpo
sem vida. Eram lágrimas de arrependimento, mas o mal estava feito! A causa de
tudo situava-se algures no passado, mas num passado recente, apesar de tudo. Um
passado de sofrimento, de mentira, de sedução mas também recheado de momentos
felizes.
Manuel José
tinha sofrido um grande desgosto, com a perca da sua mulher, do qual,
aparentemente, não conseguia recuperar. Os amigos tentavam em vão animá-lo com
os mais variados comentários.
- Vais ver que com o tempo tudo se torna mais relativo, a
dor diminui e tu seguirás com a tua vida – diziam uns.
- Um grande desgosto cura-se sempre com um novo amor –
diziam outros.
Apesar de ter
consciência das boas intenções dos amigos, os seus comentários, ao invés de o
ajudarem, causavam-lhe desconforto pois tinham sempre subjacente um sentimento
de pena que ele detestava. A verdade é que a sua vida estava num limbo e o
labirinto para sair dele parecia não ter uma saída.
Para tentar
esquecer Manuel José tinha enfiado, literalmente, a cabeça no trabalho
dedicando a este o mais tempo possível. Tinha decorrido um ano desde a morte de
Vanessa e, apesar de mais conformado com o facto, ele não tinha conseguido
encontrar rumo para a sua vida e lidar com os momentos em que não se encontrava
ocupado continuava a ser um problema, pelo que as três semanas de férias que se
aproximavam estavam a causar-lhe uma séria dor de cabeça.
Depois de um
almoço frugal e rápido ele descia a Avenida da Liberdade absorto nos seus
pensamentos e alheio à admiração das jovens que com ele se cruzavam. José
Manuel era um jovem de trinta e dois anos de idade, com um metro e oitenta de
altura, cabelos e olhos castanhos. Quando ele sorria parecia que iluminava o
mundo e o facto de ter praticado natação, durante muitos anos, dava-lhe uma
compleição física admirável, pelo que o impacto da sua presença, sobretudo no
sexo oposto era sempre devastador. Num primeiro olhar o anúncio passou-lhe
despercebido mas algo o fez voltar atrás e entrar na agência de viagens e,
seguindo o mesmo impulso, comprou a viagem para o nordeste brasileiro. Iria
passar três semanas num pequeno resort isolado o que aparentemente era uma
contradição, mas ele pretendia estar ocupado a maior parte do tempo.
Surpreendentemente
o tempo passou mais rápido do que o costume e quase sem dar por isso, Manuel
José estava a desembarcar em Natal. Talvez pelo facto de se encontrar num sítio
diferente ele estava bem disposto e pela primeira vez em muitos meses,
conseguia apreciar a beleza de tudo o que o rodeava. Assim, foi com agrado e simpatia
que retribuiu os sorrisos das jovens que consigo se cruzavam.
Talvez por ter
vivido fechado sobre si próprio, durante tanto tempo, ele sentia que tinha
despertado para a vida e a forma jovial como a jovem guia da agência de viagens
o recebeu deixou-lhe uma impressão profunda. Quando esta o deixou no hotel já
tinham combinado encontrar-se, no fim do dia, para um mergulho nas águas
quentes daquele mar azul.
- Vais poder apreciar um pôr-do-sol sobre o mar, coisa
rara no Brasil e apenas possível pelo facto de estarmos numa ilha – disse ela,
quando a lancha que o tinha transportado fazia a manobra para se encostar ao
pequeno pontão de madeira que servia de ancoradouro.
- Promessas! – disse Manuel José – Uma mulher linda como
tu tem seguramente alguém à sua espera no final do dia. Se eu estivesse no
lugar dele não queria partilhar-te com ninguém.
- Pois é isso mesmo que vai acontecer, não vais ter de me
partilhar com ninguém. Serei toda tua, até porque não existe mais ninguém.
Manuel José
tinha feito um voo noturno, mas como viajou em primeira classe, pôde dormir
toda a noite e às onze horas tinha feito o registo no hotel e caminhava em
direção à praia, de toalha ao ombro, em busca de uma sombra. A zona explorada
da praia estava cheia, mas o seu estatuto VIP tinha-lhe garantido um lugar num
dos chapéus da primeira linha, que estava reservado com o número do seu quarto.
Os chapéus ao lado estavam ocupados por famílias e a sua chegada não passou
despercebida a ninguém. Manuel José aproveitou a curiosidade e a admiração
provocada nos seus vizinhos ocasionais para se relacionar com estes e o dia
passou muito rapidamente entre mergulhos e jogos. Apesar de rodeado de jovens
mulheres, que disputavam a sua atenção, ele não conseguiu esquecer a Neuza.
<Será que ela vem mesmo? Aquela mulher não é para os meus dentes – pensou
ele>.
Eram quatro e
meia da tarde. Manuel José acabava de sair do mar e dirigiu-se para a sua
toalha. Quando levantou a cabeça viu-a de imediato. Neuza caminhava em direção
a ele, envergando um fato de banho vermelho, que realçava as formas bem
delineadas do seu corpo, movimentando-se de forma harmoniosa. O seu corpo
esbelto, conjugado com uma beleza extraordinária, fizeram dela o alvo das
atenções. Neuza e Manuel José encontraram-se um pouco antes do local onde este
tinha a toalha e ficaram uns instantes a olhar um para o outro após o que se
beijaram de forma intensa, como dois jovens apaixonados.
Os dias sucederam-se
de forma algo confusa dado que Neuza assumiu o controlo do programa levando-o a
todo o lado. Manuel José fazia questão de pagar todas as despesas e ela não se
incomodava com o facto, chegando, nalguns casos, a receber pelo serviço de
guia. Manuel José sentia que cada dia que passava o aproximava mais daquela
mulher. No início a sua companhia era algo que ele aceitava como um bálsamo
para a sua dor, mas à medida que o tempo foi passando começou a desejá-la
intensamente, querendo sempre mais. Assim, foi de forma mais ou menos natural
que ao fim de uma semana a sua relação evoluiu e eles passaram a sua primeira
noite juntos.
Manuel José não
estava, intimamente, com uma mulher desde que a sua esposa tinha falecido. A
sua apreensão inicial, por esse facto, rapidamente foi substituída por uma
sensação de bem-estar e prazer incomensuráveis. Neuza era uma mulher vivida que
encarava as várias formas de satisfazer uma necessidade sexual com uma
naturalidade fora do comum. Numa só noite eles experimentaram tantas posições e
ela levou-o a penetrá-la de tantas formas que parecia que estavam a fazer uma
revisão experimental da Kama Sutra.
Depois da
primeira noite de amor, Manuel José ficou completamente apanhado. Ele já só
conseguia pensar nela e ao fim da segunda semana declarou a sua paixão.
- Eu estou completamente apaixonado por ti e já não
consigo imaginar a minha vida sem ti a meu lado.
Ela sorriu e
respondeu acariciando-lhe o rosto.
- Dizes isso apenas para garantires que eu estou contigo
até ao fim das férias. Os homens são todos iguais. Daqui uma semana vais-te
embora e eu nunca mais te vejo, o que é uma pena, porque a verdade é que eu
gosto de ti.
- Mas eu não estou apenas apaixonado por ti. Eu amo-te. Eu
nunca senti isto por ninguém e olha que eu amava a minha mulher, mas não com
esta intensidade.
- É como eu te digo. Daqui a uma semana vais-te embora e
nunca mais me vez. Nessa altura onde fica esse amor?
- Esse é o problema. Eu não quero viver sem ti. – Disse
Manuel José, com uma voz pausada e uma firmeza quase assustadora.
Por alguns
instantes ficaram os dois calados avaliando o impacto das palavras dele.
<Ele está mesmo a falar a sério. Pensou Neuza>.
- O que é que tu queres dizer com isso? – perguntou ela.
- Quero dizer que mesmo que possamos estar temporariamente
distantes um do outro eu quero manter o nosso relacionamento, pois já não posso
viver sem ti. – disse ele com sinceridade.
- Isso é uma história muito bonita, mas a nossa relação
acaba no momento em que tu partires. - disse ela.
- Porque dizes uma coisa dessas? Eu amo-te! – protestou
ele.
- É muito fácil tu dizeres isso a uma mulher simples como
eu, que está completamente apaixonada por ti. A verdade é que tu vais embora,
seguindo com a tua vida. Provavelmente tens em Portugal uma namorada ou mesmo
uma mulher e queres que eu fique aqui à tua espera. Que raio de relação é essa?
– Disse ela em tom desolado.
Manuel José, embora
lhe custasse ouvir aquelas palavras, pois amava verdadeiramente Neuza, tinha de
reconhecer que havia alguma razão nas mesmas, mas que outra coisa podia ele
fazer. Ele não podia ficar no Brasil pois isso significaria abandonar tudo o que
tinha em Portugal e era muito. A opção que restava era ela ir com ele para
Portugal, mas como podia ele pedir-lhe isso a não ser assumindo uma relação
definitiva? Isto partindo do princípio que ela iria com ele. E como podia ele
assumir tal relação conhecendo-a apenas há duas semanas? Eram demasiadas as
perguntas para as quais escasseavam as respostas.
Ao vê-lo tão
pensativo ela disse:
- Não te preocupes. Desde o princípio que eu sabia que a
nossa relação terminaria quando partisses, apenas não estava nos meus planos
apaixonar-me por ti. Talvez até seja melhor terminarmos já, pois daqui a uma
semana será seguramente mais dolorosa a separação
- Não! – disse ele, num grito.
Para Manuel
José estava fora de questão deixar de ver Neuza isso era de tal forma doloroso
que só de pensar tal coisa ficava doente.
- Eu levo-te comigo para Portugal. – disse ele.
- Estás doido! O que vou fazer para Portugal e como vou
viver lá?
- Eu tenho muitos contactos e posso arranjar-te um
emprego. – disse ele.
- Tudo isso é muito bonito mas, em Portugal, eu serei apenas
uma estrangeira. Se ficar sem emprego como vou sobreviver? – disse ela.
Manuel José
ficou calado durante alguns minutos depois tomou uma resolução.
- Quero que cases comigo. Isso vai dar-te o direito à
cidadania Portuguesa. Assim, se perderes o emprego não és obrigada a regressar
ao Brasil. Em todo o caso não precisas de te preocupar porque eu ganho o
suficiente para vivermos bem.
Neuza segurou
carinhosamente a sua face e deitando-se sobre ele beijou-o apaixonadamente.
Depois começou a acariciar-lho o peito descendo lentamente até ao abdómen. O
membro dele estava rijo e vermelho como uma cereja. Ela segurou-o, acariciou-o e beijou-o, ora com delicadeza,
ora com firmeza ou mesmo com violência. Ele movimentava-se de forma incessante,
mal conseguindo manter o controlo. Neuza não parava de o acariciar, ora com
movimentos circulares da mão, ora envolvendo-o com os lábios e fazendo-o
desaparecer dentro de si. Depois de vinte minutos de um misto de prazer e suplício
ele libertou a sua essência e ela saboreou-a com requinte. Em seguida, caminhou
sobre ele como uma gata, ronronando, beijando-o e acariciando-o, até atingir os
seus lábios. Ele segurou-lhe gentilmente a cabeça e trocaram beijos
apaixonados.
- Não achas isto do casamento um pouco apressado? – perguntou
ela, por entre beijos.
- Tu não queres casar comigo? – perguntou ele.
- Eu não tenho dúvidas nenhumas do meu amor por ti, mas
não quero que digas que te forcei a algo que não querias. – disse ela.
- A minha vida sem ti não faz sentido. Se tu aceitas
casar comigo então o assunto está encerrado.
- Sim. Eu aceito casar contigo. – respondeu ela.
Os dias que se
seguiram foram vividos com uma paixão intensa, mas também sob algum stress,
pois Neuza apenas vinha para Portugal depois de casada, o que só foi possível
graças ao envolvimento da embaixada Portuguesa e ao tio de Manuel José, que
trabalhava no SEF. Uma semana depois aterravam no aeroporto de Lisboa já
casados.
Terminada a lua-de-mel,que foi passada a viajar por Portugal, dando oportunidade a Neuza
de conhecer o país, Neuza começou a trabalhar por conta própria, depois de criar uma empresa
pertencente aos dois. Passados seis meses a empresa era um sucesso, atingido
resultados na ordem dos vinte e cinco mil euros por mês, com base numa
faturação de cem mil. Manuel José manteve-se sempre afastado dos negócios, assinando
todos os documentos que Neuza lhe colocava na frente.
Entretanto, Neuza
e o tio de Alberto, que trabalhava no SEF, tornaram-se grandes amigos, sendo
que ela recorria a este para resolver algumas situações cujos detalhes Manuel
José desconhecia.
Fazia um ano
que eram casados e desde algum tempo que Manuel José vinha sentindo que o relacionamento
com Neuza estava diferente. Era cada vez maior o número de dias que ela passava
a viajar dentro e fora do país e o número de dias em que ela chegava tarde a
casa, num estado visivelmente cansado e indisponível para estar intimamente com
o ele. Isso tinha-o tornado cauteloso!
Naquela noite
foi diferente. Neuza telefonou a meio da tarde ao marido e propôs-lhe irem
jantar a um restaurante e depois passar a noite fora de casa, sem identificar o
local, para comemorar o aniversário de casamento. Na verdade tinha feito uma
reserva no motel H2ON, em Frielas. Manuel José ficou surpreendido com o facto
da esposa se lembrar da data, mas não se fez rogado. Felizmente que ele tinha
comprado um presente com o objetivo de a surpreender, assim teria oportunidade
de lho entregar pessoalmente.
O jantar
decorreu em ambiente romântico e ela fez questão de demonstrar o quanto o amava,
sendo aquela noite uma espécie de pedido de desculpas pelo afastamento dos
últimos tempos. Depois do jantar eles foram para o motel e aquilo que se passou
ficou gravado na mente de Manuel José para o resto da vida.
Quando chegaram
Neuza atirou-se a Manuel José como quem tinha o diabo no corpo, ele que já
tinha bebido uns copos e estava estranhamente excitado, não ficou para trás e
em poucos segundos ficaram os dois nus. Quando ele estava naquele ponto em que
implorava para a penetrar ela fê-lo parar e foi buscar o saco que tinha trazido
consigo. Tirou lá de dentro uma lingerie
de renda vermelha, umas botas pretas, que chegavam até meio de coxa e uma
mascara. Depois de vestida a rigor vendou-o, pegou no cinto de couro dele e
ordenou-lhe que se colocasse de quatro. No início limitou-se a acariciá-lo com
o cinto, com uma mão, enquanto com a outra lhe apertava o membro, com uma
intensidade variável e movimentos ascendentes e descendentes, muito lentos.
Aquilo estava a deixá-lo completamente louco, pelo que quando sentiu a primeira
chicotada não reagiu negativamente e a após o choque inicial começou a gemer de
prazer. Ela movimentava as duas mãos com mestria e não tardou muito para que ele
explodisse de prazer.
Depois de
satisfeito e ao interiorizar que tinha sido alvo do sadismo dela, exigiu
dar-lhe o mesmo tratamento. Neuza ao invés de se negar incentivou-o a isso com
uma linguagem ordinária. Manuel José ficou completamente cego de prazer e não
estranhou que ela tenha pegado nas algemas e se tenha prendido à barra metálica
da cama. Começou a chicoteá-la e, a pedido dela, bateu-lhe com a parte
da fivela! Inicialmente devagar, depois de forma descontrolada. Ele estava tão
fora de si que, mesmo quando ela gritou para ele parar, continuou até cair para
o lado de exaustão.
Quando acordou
encontrava-se deitado na cama, coberto com um lençol e no quarto estavam dois
polícias, o tio Alberto e Neuza, todos a olhar para ele. Ele acordou muito
confuso e com uma dor de cabeça extraordinária. Quando abriu os olhos não
queria acreditar naquilo que viu e muito menos no que ouviu.
- O senhor está preso e vai ser apresentado a um juiz,
sendo acusado de agressão premeditada à sua esposa.
- Isso não é verdade! Diz-lhe por favor que tudo não
passou de um jogo, tu também me bateste! – protestou ele.
Um dos polícias
destapou as costas de Neuza, que estavam todas ensanguentadas e com marcas
profundas, enquanto Manuel José não apresentava nem sequer marcas ligeiras. Ele
estava tão aturdido que nem conseguia pensar. Sobretudo não conseguia perceber
como fora possível perder o controlo daquela forma. Baixou o olhar envergonhado
e chorou. Doía-lhe o corpo todo mas ainda lhe doía mais a alma. Ele não sabia o
que lhe custava mais, se era saber que tinha sido capaz de fazer aquilo à
mulher que amava ou o facto de ela, depois de ter provocado a situação, ter
chamado a polícia e estar a acusá-lo de agressão. Era o fim! Era o fim da sua
vida, mas era também o fim do seu relacionamento.
Manuel José
ficou com a sua vida completamente destroçada. Dada a sua notoriedade, como
empresário, os jornais falaram sobre o assunto, embora com alguma reserva, dado
o prestígio dele e o facto de se tratar de uma situação passional. Mas para ele
aquela sucessão de acontecimentos representava uma enorme humilhação e já tinha
pensado várias vezes em por fim à vida. As razões eram muitas e fortes! Para
além de ter perdido o amor da sua vida, tinha perdido a dignidade!
Sucederam-se
dias terríveis durante os quais Manuel José nem imaginava como conseguiu
sobreviver. A sua melhor amiga, que era advogada, recomendou-lhe um colega de
outro escritório que tinha sido excecional e graças a ele Manuel José estava em
liberdade, à espera de julgamento. Isso tinha sido conseguido à custa de uma
análise à urina e ao sangue que permitiu provar que ele, quando praticou os
atos de que era acusado, estava sobre o efeito de drogas, que fazem perder o
controlo durante um determinado período de tempo e depois provocam o apagamento
total. Foi exatamente isso que lhe aconteceu e dado que ele não era consumidor
habitual o juiz entendeu não existir risco associado à permanência em liberdade.
O advogado de Neuza ainda argumentou que a ingestão das drogas fora premeditada
e com o objetivo de, aproveitando-se do facto de se encontrarem num ambiente de
motel, ser capaz de a violentar do jeito que acabara por acontecer.
- Talvez ele precisasse de ganhar coragem. – declarou
Neuza, com uma candura fingida, quando foi ouvida – Eu nunca pensei que o Manel
fosse capaz de me magoar!
Entretanto, o
processo de investigação continuava o seu curso e as coisas não estavam nada
favoráveis para Manuel José que se via perante uma dupla acusação de violência
premeditada e ingestão de substâncias proibidas. Para agravar as coisas o tio
Alberto, numa declaração entre lágrimas e auto recriminações, revelou que o
sobrinho tinha alguma tendência para a violência.
- Ele é um rapaz muito temperamental e por isso já se
envolveu em várias brigas na noite de Lisboa.
O que era
inacreditável era que de todas as vezes em que esteve envolvido em brigas foi
porque não conseguiu evitar que o primo, filho do tio Alberto, provocasse as
brigas e apenas entrou nelas para o defender.
Os
interrogatórios de Manuel José foram rápidos e simples. Ficou estabelecido que
ele não sabia como tinha perdido o controlo e que tinha agredido a esposa sobre
o efeito de estupefacientes. No entanto, algumas das perguntas que lhe tinham
feito eram verdadeiramente estranhas.
- Foi o seu tio Alberto que lhe apresentou a sua mulher?
– perguntou o inspetor.
- Não, que ideia! O meu tio não fazia ideia quem ela era
e apenas a conheceu quando eu lha apresentei, já depois de casado, embora nos
tenha ajudado a obter os documentos para eu me casar no Brasil.
- Então ele ajudou-o a obter os documentos para se casar!
E de certeza que não conhecia a sua mulher? – perguntou o inspetor de forma
introspetiva.
- Já lhe disse que sim. E também já lhe disse que ele não
a conhecia. – respondeu com impaciência.
- Pois bem. Sim senhora… E qual era a relação deles? –
voltou o inspetor.
- Que raio de pergunta é essa? Ela é minha mulher e ele é
meu tio. – respondeu Manuel José.
- Referia-me à relação profissional. – especificou o
inspetor.
- Nenhuma.
- Mas ele ajudava-a nos negócios não é verdade?
- Na verdade não sei nada dos negócios da minha mulher,
mas acho que o tio Alberto a aconselhava. – respondeu ele.
- Como não sabe nada dos negócios se assinou quase todos
os documentos que suportam a maioria das decisões? – perguntou o inspetor.
- Então a minha mulher pedia-me para assinar os
documentos e eu nem os lia.
- Interessante. Sim senhora. Muito interessante. – disse
o inspetor, falando mais consigo próprio que com o Manuel José.
- O senhor sendo um pessoa experiente e conhecedora, como
de facto é, quer convencer-me que assinava tudo sem ler ou questionar? –
interpelou o inspetor.
- Já lhe disse que sim. – respondeu Manuel José.
- Pois bem. O senhor está metido numa grande alhada! –
concluiu o inspetor.
Ana Paula era a
melhor amiga de Manuel José e, como advogada de renome, que atuava na área
criminal, demonstrou desde o início algum interesse pelo caso do amigo,
conversando muito com este e com o seu advogado. Foi ela que apontou algumas
incoerências em todo o processo, nomeadamente o facto de a acusação pressupor
que Manuel José sabia que iam passar a noite no motel, o que não correspondia à
verdade, ou o facto de a judiciária pensar que tinha sido o tio a apresentar Neuza
a Manuel José. Foi também ela que contratou uns colegas no Brasil e, através
destes, começou a investigar a vida de Neuza, num processo que demonstrou ser demasiado lento e que apenas recentemente se traduziu no recebimento de um telefonema, indicando que brevemente teriam
informações muito concretas. Aparentemente Neuza não era quem dizia ser e, para
além de uma identidade diferente, teria um passado pouco recomendável. Mas
provas concretas e irrefutáveis ainda não existiam.
Entretanto,
quis o destino que Neuza e Manuel José se cruzassem à saída da polícia
judiciária, na presença de vários jornalistas. Ela humilhou-o e enxovalhou-o de
tal forma que ele comentou em voz baixa, mas o suficientemente alto para ser
escutado por um jornalista do correio da manhã.
- Se eu pudesse apertava-lhe o pescoço!
Esse comentário
foi capa de jornal e amplamente comentado pela imprensa.
O dia seguinte
foi marcado por dois factos, aparentemente não relacionados entre si, que
tiveram impacto direto na pessoa de Manuel José. Ana Paula recebeu a indicação de
que o investigador contratado pelos advogados, no Brasil, tinha desaparecido da
circulação com todos os documentos que tinha recolhido e Neuza apareceu morta.
Manuel José foi
imediatamente preso porque a descrição do homem que foi visto, debruçado sobre o
corpo de Neuza, após a sua morte, coincidia com a sua e as ameaças recentemente
preferidas tornavam-no no suspeito principal. Tomando em consideração o seu
passado de cidadão exemplar, o juiz, depois de o ouvir colocou-o com termo de
identidade e residência.
Manuel José era
uma sombra daquilo que fora no passado e parecia ter envelhecido vinte anos!
Andava com passos lentos e curvado sobre si próprio. O seu olhar tinha perdido
todo o brilho e a garra de outrora fora substituída pela auto comiseração. O
mundo condenava-o pelo seu comportamento, mas o que realmente o abalava era o
juízo que fazia de si próprio. Ao contrário do que era expectável, quando foi
acusado de matar Neuza, Manuel José reagiu com energia e protestou a sua
inocência, sem que isso valesse de muito. O que é facto é que isso o fez
despertar da letargia em que tinha vivido.
- Enquanto era acusado de maltratar a Neuza eu não reagi
porque sabia que era merecedor de castigo pelo que fiz. Mas ser acusado de um
crime que não cometi, isso nunca! – disse em tom de desafio.
Ana Paula
estava abismada com a reação do amigo. Ao invés de baixar os braços, perante
uma acusação tão séria como a de assassinato, ele reagiu e começou a procurar
formas de provar a sua inocência.
O seu novo
estado de espírito despertou-o para coisas que até aí lhe haviam passado
despercebidas, tais como a quantidade de correspondência que tinha no escritório
por abrir. Quando a agressão à sua mulher se tornou pública ele recebeu muitas
cartas e outros documentos desagradáveis pelo que acabou por não abrir muitos destes,
deixando-os jogados num caixote que tinha no escritório, para colocar revistas.
Decidiu fazer a
limpeza de forma criteriosa e, depois de já ter um saco de lixo de cinquenta
litros cheio de papel, encontrou um envelope, de formato médio, que continha um
CD e um DVD. Quando viu o seu conteúdo ligou de imediato a Ana Paula pois este
era explosivo. No dia seguinte, logo de manhã cedo, eles estavam no escritório
do seu advogado, a analisar os documentos recebidos. Manuel José não imaginava
quem lhe tinha enviado aquela informação mas tratava-se de uma ajuda
providencial.
Neuza e o tio Alberto
pertenciam a uma organização criminosa que organizava casamentos falsos em
Portugal e tráfego de mulheres por toda a Europa. O verdadeiro nome dela era
Tatiana e ela era procurada no Brasil por ter morto o irmão do marido. Sim,
Tatiana era uma mulher casada, que tinha fugido do marido, que jurara matá-la
como retaliação pela morte do seu irmão gémeo. Portanto o casamento de Manuel
José era um casamento falso! Fora o tio Alberto que lhe indicara Manuel José
como um alvo fácil de conquistar, chamando-lhe o seu “passaporte para a
liberdade”. Para além disso, ela e o tio Alberto eram amantes que se divertiam
em grandes orgias, onde o álcool e as drogas eram consumidas em quantidades
elevadas. Quando ela se cansou de Manuel José foi o tio que sugeriu que ela o
drogasse e o levasse a ser violento com ela, pois ele sabia que o sobrinho não se perdoaria e iria
estar tão ocupado a condenar-se a si próprio que não iria perceber nada do que
se estava a passar à sua volta. Entretanto, ela aproveitaria o processo de
divórcio para lhe extorquir metade do que ele tinha, o que faria dela uma mulher
rica. A única coisa que os documentos escritos, o vídeo e o áudio não esclareciam
era quem tinha morto Tatiana e por isso ele continuava a ser o principal
suspeito.
A polícia judiciária,
na posse da informação fornecida pelo advogado de Manuel José, iniciou uma nova
investigação centrada no tio Alberto e a acusação do crime de agressão agravada
caiu por terra. Manuel José continuava sob suspeita de assassinato tendo a sua vida por um
fio, mas a forma como ele encarava isso era agora totalmente diferente. Uma das
coisas que decidiu fazer foi convocar todos os colaboradores da empresa e
explicar detalhadamente a situação, propondo-lhes o seguinte:
- Se alguém não quiser continuar a trabalhar aqui eu
percebo e estou disponível para pagar uma indemnização equivalente a cinco anos
de salários.
Apesar da
oferta ser tentadora nem aqueles que estavam perto da reforma o abandonaram e
toda a empresa se uniu à sua volta, de uma forma admirável. A adversidade como
as doenças quando não nos matam tornam -nos mais fortes. Foi assim que aconteceu
com Manuel José.
Quinze dias
depois de ter sido ilibado Manuel José foi novamente levado pela polícia
judiciária para interrogatório.
- Queremos saber o que foi fazer a casa do seu tio ontem
à noite. - perguntou o inspetor de chofre.
- Fui a pedido da minha tia, mas foi um erro porque
acabamos a discutir e eu vim-me embora. Por mais que goste da irmã do meu pai
não consigo ter pena do tio Alberto. – respondeu ele.
- Tem tão pouca pena dele que o matou. – disse o inspetor,
olhando-o nos olhos.
- O que? Matou o que? – perguntou Manuel José,
completamente confuso.
- Não é matou o que. É matou quem. – disse o inspetor –
Matou o seu tio.
- Eu? Vocês devem estar loucos. – respondeu Manuel José.
- Onde esteve ontem à noite depois de sair de casa do seu
tio? – perguntou o inspetor.
- Fui dar uma volta para esfriar a cabeça. Ver o meu tio
foi mais difícil do que estava à espera. – respondeu.
- Tão difícil que decidiu vingar-se matando-o. – disse o
inspetor.
- Já disse que não matei ninguém. - respondeu ele – por
volta das onze horas fui ter ao escritório da Ana Paula e contei-lhe o que se tinha
passado.
O
interrogatório foi infrutífero e Manuel José não conseguiu apresentar um álibi,
pelo que, desta vez, não ficou em liberdade. Nesse mesmo dia o advogado de
Manuel José solicitou que fosse feita uma busca a casa do tio Alberto, que teve
lugar no dia seguinte. A busca permitiu encontrar provas que demonstraram que
quem tinha morto Tatiana foi o primeiro e verdadeiro marido.
No entanto, o
carrossel da vida continuava a atropela-lo! Agora que se via livre da acusação
de assassinar Tatiana estava preso sob a acusação de matar o tio. Apesar da sua
capacidade de resistência mental, ele começava a dar sinais de fraquejar. Era o
segundo dia que ele passava na prisão pelo que a notícia não podia ser mais
bem-vinda. Buscas mais cuidadas permitiram encontrar uma câmara escondida na
casa do tio. O filme da noite do assalto era esclarecedor. O assaltante que
matou o tio Alberto era do sexo feminino. No dia seguinte, ao fim da manhã,
Manuel José foi libertado. Finalmente tinha sido ilibado de todas as acusações,
embora apenas ele soubesse as culpas que tinha de carregar.
Nessa noite,
depois de um belo jantar e de algumas horas de sexo fogoso, Manuel José estava
deitado de costas, na cama, sentindo o peso do corpo de Ana Paula sobre o seu.
- A sensação que tenho é que fui um peão, jogado ao sabor
de interesses que desconheço, para me empurrar para um determinado fim, local ou mesmo pessoa.
- Foi o destino que te fez dar umas cabeçadas até vires
parar aos meus baços. - disse ela, em tom brincalhão.
- A sugestão da busca a casa do tio Alberto foi uma ideia
brilhante. Até parece que sabias o que os polícias lá iam encontrar – comentou
Manuel José.
- Isto teve um desfecho melhor do que esperávamos não foi
querido. – disse Ana Paula acariciando-o.
Ele sorriu de
satisfação sem tecer qualquer comentário.
- A sorte protege os audazes! – afirmou ela, comum ar enigmático.
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