O
PASSAGEIRO
Sentada na coxia da fila nove ela viu-o assim que ele
entrou no avião. Não era um homem bonito mas algo despertou nela um interesse
que não conseguia definir. Tratava-se de um jovem alto e musculado, com ar
duro e aparência robusta. Apenas a ligeira proeminência abdominal destoava na
figura atlética. «Partilhamos os prazeres da mesa!» Pensou ela. O seu coração
bateu ligeiramente mais acelerado quando percebeu que ele se iria sentar a seu
lado.
- Dá-me
licença por favor?
A voz dele era máscula, mas suave como uma carícia.
Ela levantou-se para ele se sentar junto à janela. Ao
rodar para lhe dar passagem não se afastou o suficiente e o braço dele
roçou-lhe o mamilo direito. Uma descarga elétrica percorreu-lhe o corpo.
- Desculpe!
Disse ele com um sorriso.
Ela corou. Assentiu com a cabeça esboçando também um
sorriso. A viagem para São Paulo iria demorar dez horas pelo que se ajeitou no
assento tentando ignorar o companheiro de viagem e dormir.
Tudo tinha começado há algum tempo atrás...
Patrícia tinha acabado o curso de gestão, no ISCTE, fazia
oito anos e tinha ido para os Estados Unidos fazer o mestrado.
Depois acabou por ficar por lá e apenas no fim do verão do oitavo ano tinha
regressado a Portugal. Desde então que trabalhava na BCG tendo sob a
sua responsabilidade duas equipas de trabalho. Aos vinte e oito anos de idade
ela era uma jovem roliça, com um rosto bonito, emoldurado por uns cabelos
castanhos claros e onde resplandeciam uns lindos olhos azuis. A sua grande
perdição eram os homens, o que aliado ao seu grande apetite sexual, faziam dela
uma mulher perigosa.
A prolongada ausência tinha posto fim, ou pelo menos
arrefecido, a maior parte das amizades pelo que foi o irmão que lhe mostrou os
sítios da moda na noite de Lisboa. Depois de algumas imperiais e duas horas
tresloucadas, na pista de dança, o seu equilíbrio e coordenação motora estavam
claramente diminuídos. Rodopiou, num passo mais arrojado e sentiu que ia
estatelar-se no chão. No último instante ele impediu-a de cair, segurando-a com
firmeza. Ligeiramente dobrada para trás, levantou a cabeça e olhou nos olhos o
seu salvador. Era um homem moreno e alto no qual já tinha reparado, mas que
tinha ignorado porque este estava bem acompanhado. Soube mais tarde que era um
ex-jogador de ragby, o que era evidenciado pelo seu físico. Tinha um rosto
comum e banal, mas um sorriso encantador. Passaram o resto da noite na conversa
e de madrugada, quando o irmão a veio chamar, já conheciam a história um do
outro.
Ela tinha um programa qualquer no dia
seguinte, sábado, com umas amigas que entretanto tinham casado, mas
cancelou tudo. Patrícia ia encontrar-se com Carlos, o rapaz que conhecera na
noite anterior. Foi sexo à primeira vista! Ele foi buscá-la ao apartamento
dela. O programa era um passeio à beira rio, aproveitando o fim de tarde de
outono quente, que o mês de Outubro ainda proporcionava. Ela mandou-o entrar e
sem que nenhum dos dois o tivesse planeado, passados dois minutos, estavam nus,
no chão da sala, em cima do tapete. A maratona de sexo começou às quatro da
tarde e terminou por volta das oito, quando decidiram arranjar-se para jantar.
Ele levou-a ao restaurante Panorama, que fica no topo do hotel Sheraton. Foi um
jantar romântico com a baixa de Lisboa aos pés e com o Tejo como pano de fundo.
Depois desse dia foram muitos os dias e as noites em que eles buscaram o corpo
um do outro. À medida que saciaram a paixão esta deu lugar ao amor e passados
seis meses estavam verdadeiramente apaixonados.
- Fui
destacado para um trabalho e vou passar três meses em Angola. Disse Carlos.
- Vou morrer
de saudade tuas. Disse ela.
- Amo-te.
Sabes? Disse ele.
- Eu espero
por ti, não te preocupes. Já não sei viver sem o teu amor. Disse ela.
Selaram as declarações de amor com um beijo. Foi um beijo
intenso, profundo, vibrante como o desejo que lhes sacudia os corpos.
Patrícia não ficou muito feliz pois amava verdadeiramente
Carlos e a sua ausência iria ser difícil de suportar, mas aquilo que iria ser
mesmo difícil de suportar eram três meses sem sexo. Passados dois meses foi a
vez de Patrícia se ausentar de Portugal. Iria passar um mês num projeto, no
Brasil, o que seria perfeito pois regressaria a Portugal na mesma altura que
Carlos e a tempo de passarem as férias de verão juntos.
Sentada no avião ela deixou que o pensamento voasse para
Carlos. Tinha saudades do namorado. O coração ansiava pela presença dele,
enquanto o corpo gritava exigindo a satisfação daquela sede que a devorava.
Sede de amor, sede de sexo. Incapaz de se conter olhou o seu companheiro de
viagem de soslaio. Ele estava concentrado na leitura de um documento qualquer.
O sol que incidia na janela do avião definia as linhas do perfil dele de uma
forma que realçava a sua masculinidade. Sentiu um arrepio e os mamilos
pressionaram a blusa branca, sobressaindo de forma visível. Fechou os olhos e
adormeceu, depois de algumas deambulações mentais.
Não tardou muito e foi acordada para jantar. Tinha
anoitecido e o ambiente no avião tinha mudado. O lugar entre eles estava vazio
pelo que podiam falar à vontade. Durante o jantar trocaram algumas palavras e
depois ambos fecharam os olhos e adormeceram. Ela, sem se aperceber, tombou
para o lado, ocupando o lugar vazio e ele levantou os apoios de braços para ela
ficar mais confortável e tapou-a com a manta. Depois de duas horas de sono ela
acordou sentindo-se um pouco confusa por estar naquela posição.
- A bela
adormecida já acordou. Disse ele.
Patrícia olhou para ele com um sorriso.
- Obrigada.
Disse ela.
- Sempre às
ordens. Nem foi preciso um beijo do príncipe para acordar a princesa! Disse ele.
- O Príncipe
está demasiado longe para beijos. Disse ela.
Carlos
sorriu e assentiu com a cabeça.
A conversa tomou um caminho mais inocente e eles
expuseram a sua essência e as suas experiências um ao outro. O conhecimento
mútuo, num primeiro encontro, tem sempre algo de encantador e excitante. Para
Patrícia esses sentimentos eram multiplicados pela sua lascívia. A conversa
deixou-a excitada de tal forma que ela, quase sem se aperceber do gesto, acariciou-lhe a mão. Ele aproveitou o ensejo para lhe segurar o rosto e
beijá-la. Foi um momento mágico. Estavam os dois tão excitados que não
conseguiram controlar o desejo e exploraram o corpo do parceiro sem pudor.
Patrícia começou a contorcer-se e a gemer de forma descontrolada.
- Vamos para
a casa de banho. Segredou-lhe ela ao ouvido.
Foi uma experiência inesquecível. A casa de banho era um
cubículo não permitindo grandes movimentos, mas isso não foi importante. A
penetração aconteceu quase de imediato, uma e outra vez. Ele experimentou todos
os orifícios do corpo dela com paixão e ela correspondeu-lhe com o mesmo
entusiasmo. Extenuados e doloridos, devido as estranhas posições em que tinham
que se colocar, abandonaram a casa de banho e regressaram aos seus lugares.
Adormeceram.
Quis o destino que ficassem os dois hospedados no mesmo
hotel. Pedro era arquiteto e iria ficar três anos no Brasil a trabalhar num
projeto de grande dimensão. Durante o mês que se seguiu os encontros foram
diários e ele mostrou-lhe caminhos onde ela sempre havia desejado perder-se e
levou-a por outros que ela nunca havia imaginado percorrer. Ser a escrava
sexual dele era excitante e satisfazer todos os seus desejos dava-lhe um prazer
indescritível. O que nunca tinha imaginado era que experimentar a dor fosse tão
excitante. Pedro sabia castigá-la física e psicologicamente, provocando-lhe dor
física e excitando-a ao mesmo tempo que a privava daquilo que ela
mais queria. Depois, de uma ou duas horas de tortura, ele satisfazia-a e
a sensação de prazer era tão grande que ela gemia, gritava e
chorava, tudo em simultâneo. O seu corpo ganhava vida própria e, num espaço de
tempo curto, atingia meia dúzia de orgasmos. Depois caía para o lado e
adormecia profundamente. Pedro deitava-se a seu lado, também ele cansado e
olhava para ela com um sorriso de satisfação. «Amanhã tenho que te levar ainda
mais longe» Pensava. Jogavam um jogo perigoso. Um jogo do qual poderiam sair
magoados mas ainda que isso não acontecesse seriam sempre profundas as marcas que iria
deixar.
Ao fim de um mês ela regressou a Portugal. A separação
foi ao mesmo tempo dolorosa e deliciosa. Ela sabia que, com
Pedro, tinha experimentado sensações que provavelmente não
experimentaria com mais ninguém. Mas ao mesmo tempo libertava-se de um jugo que
começava a sufocá-la. Tinha saudades de sexo com amor, de carinho e de ternura.
Aquele mês permitira-lhe satisfazer todos os sonhos e desejos secretos que
tinha e muito mais. Apesar disso, não deixava saudades. Ela sabia agora que o
prazer que havia experimentado era incompleto, frio e devorador. Quase perdera a
sua alma e se perdera naquele mundo mórbido, de paixão selvagem. Um mundo de
vertigem, sensacional, em que cada dia vivia uma nova experiência. Para bem da
sua sanidade mental, tinha terminado. Tinha chegado ao fim
aquela etapa da sua vida. Ainda bem que assim era. Agora
apenas queria regressar para os braços de Carlos.
Foi uma sensação um tanto peculiar deitar-se ao lado
daquele homem, que agora lhe parecia quase um estranho. A forma como Carlos a amou
tornou óbvio que ele também não lhe tinha sido fiel. Ele tinha novos
movimentos. A primeira noite não foi tão especial como tinha esperado. Passaram
o segundo dia juntos a passear e a falar sobre os últimos três meses e, pela
primeira vez, a falar do futuro. Ao fim do dia fizeram amor. Foi uma experiência
do outro mundo. Para além do prazer da fusão dos corpos ela sentiu um
sentimento tão profundo, tão envolvente e tão deliciosamente doce, que ficou
completamente rendida. Pela primeira vez ela sentiu que não tinha feito sexo,
mas antes tinha amado um homem. Ele confessou o mesmo sentimento e, abraçados
na cama, decidiram, naquele instante, que queriam passar o resto da vida juntos.
Manuel Mota
Algures nos céus da Europa 25.09.2018
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