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VIDA



VIDA

Sobre o leito fino de uma folha do canavial,
Em madrugada fria, ainda tardava a aurora…
Para dar vida a um ser cristalino e angelical,
Fundem-se aos milhares as partículas, noite fora.
Que suave embalo, por doce folhear acompanhado!
Sonhas acordada, com um mundo belo e encantado.

Em harmonioso balanço, por entre laivos prateados,
Uma simples resposta ao brilho ofuscante do luar.
No topo das dunas, por muralha de canas rodeado,
Admiras o reflexo da lua que se espelha no mar.
Entre as ameias oscilantes, formadas pelo canavial,
Vives como uma princesa, refugiada no teu pedestal!

Esconde-se a lua, mergulha o teu mundo na escuridão!
Adormece a natureza, embala-te a brisa da madrugada.
Raia a aurora, entram os elementos em ebulição,
Acordas em sobressalto, abres os olhos apavorada.
Era perene a vida que desejavas, de desespero é o momento.
O fino leito que outrora idolatravas, é agora motivo de desalento.

Tremulam as canas, são momentos de grande agitação!
O embalo, outrora doce, ameaça do pedestal derrubar-te.
A esmo na fina folha, tremendo, cais no chão.
Secou-te o sol, que carinhosamente vem evaporar-te.
Efémera é a vida, à luz fria do luar gerada.
De uma gota de orvalho, em curta madrugada.

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