O
PAI NATAL É A MINHA AMIGA
O
ano letivo tinha começado. Isabel era nadadora profissional e foi chamada ao
reitor para compatibilizar a sua agenda de provas com as datas dos exames. Teve
de esperar um pouco porque o reitor tratava de uma emergência. Com ele estava a
mãe do Pedro, que tinha perdido o pai na semana anterior. Talvez por distração,
a porta ficou semiaberta e ela ouviu parte da conversa. Ficou com o coração
apertado, mas tomou ali mesmo uma decisão.
Pedro
era um excelente desportista e, embora não fosse profissional, dedicava, com
entusiasmo, parte do seu tempo à natação e ao basquete. Era um jovem simpático,
educado e muito inteligente. Era incapaz de recusar ajuda a quem quer que dela precisasse.
Apesar de ter um metro e noventa de altura nunca olhava ninguém de cima.
De
um dia para o outro a sua vida mudou radicalmente. O pai era o principal
sustento da família e, com a sua morte, ele ficou em dificuldades. Para ajudar
nas despesas de casa teve de começar trabalhar, o que fez com que deixasse de
ter tempo disponível para estar com os amigos. As saídas para almoçar ou para
jantar e as idas à discoteca terminaram. A maioria dos amigos não percebeu e
encarou a ausência como um afastamento. Pedro sofreu com o facto mas
recordou-se das palavras do pai. «É nos momentos difíceis que se conhecem os
verdadeiros amigos» Eles não conheciam os detalhes mas sabiam das suas
dificuldades, no entanto, apenas um deles ficou do seu lado. Ele conhecia a
Isabel desde o sétimo ano. Tratava-se de uma jovem muito bonita, simpática e
inteligente. Para Pedro ela era apenas uma boa colega. Nesse ano, enquanto os
amigos, de vários anos, se afastavam, Isabel, de forma surpreendente,
aproximou-se dele. Tal como Pedro, ela deixou de ir almoçar fora e passou a
almoçar na cantina do colégio e a fazer-lhe companhia quer no recreio, quer, à
tarde, na sala de estudo da escola, único momento que Pedro tinha para estudar.
Isso tornou-os grandes amigos.
No
último dia de aulas do primeiro período, Pedro chegou mais tarde do que o costume. Isabel esperava
por ele ao cimo do longo corredor que se seguia ao portão de entrada do Colégio
Nossa Senhora da Conceição. Ele vinha com cara de poucos amigos. Ao ver Isabel
o seu rosto iluminou-se mas ela percebeu que ele não estava bem.
«O que se passa Pedro?»
«Fui assaltado.»
«Mas não vens de carro, com a tua mãe?»
«A minha mãe não tem carro. Eu venho a pé.»
Isabel
só naquele momento percebeu a profundidade das dificuldades do amigo.
«O que foi que te roubaram?»
«O dinheiro do almoço a o telemóvel.»
«Eu pago-te o almoço.»
«Eu sabia que podia contar contigo. Depois
pago-te.»
A
intenção dela era oferecer-lhe o almoço, mas calou a informação pois não queria
que o amigo se sentisse desconfortável.
«Como vais fazer com o telemóvel?»
«Isso vai ser um problema. Eu não tenho
dinheiro para comprar outro.»
Ela
abraçou-o e deu-lhe um beijo carinhoso na face. Aquele gesto de carinho, num
momento tão frágil, tocou-lhe o coração e ele abriu as suas portas de par em
par.
«Eu nunca te disse mas desde que o meu pai
morreu que temos muitas dificuldades financeiras. Tivemos de vender a casa onde
vivíamos e o dinheiro foi quase todo para o banco. A minha mãe arrendou uma
casa mais pequena e agora durmo com os meus dois irmãos no mesmo quarto. Eles
não entendem e estão os dois muito revoltados. A minha mãe está muito frágil e
eu não sei como aguento. O dinheiro das explicações e do trabalho na loja do
Colombo, ajuda, mas, mesmo assim as coisas estão difíceis. A minha mãe
conseguiu que eu não pagasse a escola, nem os almoços o que é uma grande ajuda.
Mesmo com tudo isso é sempre à justa.»
Aquela
confissão enterneceu Isabel. Ela já sabia das dificuldades dele mas tinha decidido
guardar para si a informação e dedicar-se simplesmente a ajudar o colega, que acabou
por se tornar um grande amigo. À hora do jantar os pais quiseram saber a razão
de ela ter passado a almoçar na escola. Tinham falado com a diretora de turma e
ficaram surpreendidos com a informação. Para além disso, os professores não se cansavam
de elogiar a atitude dela para com o colega Pedro.
«Afinal o que se passa?» Perguntaram.
Ela
contou tudo aos pais.
«Eu ouvi a mãe do Pedro a falar com o diretor
em Setembro e decidi ajudá-lo.»
«Ele sabe que tu conheces as dificuldades
dele?»
«Sabe porque me contou hoje. Eu nunca lhe
disse que sabia. Não queria que ele se sentisse constrangido.»
Em
conjunto os pais abraçaram a filha. Estavam orgulhosos dela.
«Eu quero oferecer um telemóvel ao Pedro.»
Os
pais olharam um para o outro e sem necessidade de falarem entre si tiveram a
mesma ideia.
«Se quiseres podes convidar o Pedro e a
família para virem passar o natal connosco, uma vez que, tal como nós, não têm
mais família. Vê o que eles necessitam para lhe oferecermos como prenda de
Natal.»
Isabel
tinha combinado encontrar-se com Pedro para verem as notas. Foi um encontro
emotivo, apesar de terem estado separados apenas quatro dias. Aquilo que os
unia era uma verdadeira amizade. Como estavam perto da casa de Pedro ele lançou
o convite.
«Vamos lanchar a minha casa.»
Isabel
estava um pouco constrangida porque não conhecia a família dele e até preferia
pagar-lhe o lanche, mas entendia que ele, ainda que o quisesse fazer, não tinha essa possibilidade.
A
mãe de Pedro recebeu a amiga do filho de forma calorosa e, sem vergonha nem cerimónia,
mostrou-lhe a casa. Falaram um pouco de tudo pois todos sabiam que Isabel
conhecia a situação da família. Isabel fez o convite e surpreendentemente eles
aceitaram. Foi uma decisão unânime.
A
noite de Natal foi fantástica. As duas famílias tinham uma química
extraordinária. Os que davam faziam-no de forma desinteressada e simples e os
que recebiam faziam-no de coração aberto. Os irmãos de Pedro tiveram as prendas
que queriam, mas que a mãe não lhes podia comprar. A mãe recebeu o Sobretudo de
que necessitava. Só faltava Pedro.
«Eu comprei-te uma coisa.» Disse Isabel.
Pedro
ficou com os olhos rasos de água quando viu o telemóvel. Ele sabia que a
família de Isabel não tinha as dificuldades da dele, mas não eram ricos. Na
verdade, quando o pai era vivo a família dele vivia melhor que a dela. Era um
excelente telemóvel!
«Obrigado.» Disse ele simplesmente.
Foi
um obrigado tão sentido e tão humilde que ela ficou emocionada. Nunca se tinha
sentido tão bem por oferecer algo. Era como se tivesse sido ela a receber.
«O Pai Natal afinal é a minha melhor amiga»
Disse Pedro e todos desataram à gargalhada.
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