A JORNALISTA | PARTE IV | CAPÍTULO 1– A Abertura
Tinha chegado o grande dia. Para o Chef Walker significava a
possibilidade de se ver livre da cadeia e da acusação. No entanto, existiam
muitos outros atores com interesses diversos no assunto. O julgamento era um
grande espetáculo em que para além dos atores diretos intervinham um conjunto
de personagens com interesses, capacidades e abrangências distintas. A LTCBK, a
imprensa e o público em geral, estavam entre eles.
Anabela e o detetive tiveram de atravessar por meio do batalhão
de jornalistas, que eram na maioria estrangeiros, resistindo a responder às
dezenas de perguntas que lhe foram lançadas. Ele tinha sido arrolado como
testemunha da defesa por isso não assistiria ao julgamento.
Os procuradores públicos fizeram-se acompanhar de Mónica Fonseca
pois era uma das testemunhas do caso e como tal não teve acesso à sala de
audiências, mas aguardou numa sala separada. Algumas das testemunhas também lá
estavam, na sala de espera. Tinham sido convocadas para o primeiro dia, embora
não fosse certo que fossem todas ouvidas.
O julgamento seria feito por um coletivo que incluía jurados. A
defesa assim o tinha requerido pois entendia ser fácil demonstrar aos jurados
que o Chef Walker era inocente. O coletivo era constituído por três juízes e
quatro jurados. Os jurados, sorteados do caderno eleitoral, incluíam: um gestor
de conta bancário, um engenheiro civil, que era fiscal de obras, um
proprietário de um café e um chefe de equipa de uma empresa de segurança. Era fundamentalmente
para esses que Anabela tinha preparado o seu discurso e os seus argumentos.
Sendo a audiência pública, a sala estava repleta. O Chef Walker
causou uma excelente impressão, albergando um fato azul escuro e uma camisa branca,
mas tendo dispensado a gravata. O juiz presidente deu início à sessão e a sala
ficou em silêncio. O contraste com o ruído provocado por uma sala cheia era
avassalador. Sentia-se a tenção no ar. O juiz deu a palavra ao procurador
público, após algumas palavras introdutórias e isso esvaziou um pouco a tensão.
As alegações iniciais foram longas e detalhadas. Tratava-se de
um crime grave onde a prova que iria ser produzida não permitia uma margem para
a interpretação pelo que cada uma das partes entendeu fundamental vincar a sua
posição e alinhar os factos que lhes convinha fossem recordados no momento da
tomada de decisão. Foi nessa altura que a defesa deu entrada de um requerimento
para que existisse uma reconstituição do crime feita no local do mesmo.
A defesa apenas apresentava uma testemunha e a acusação tinha
arregimentado quatro: A governanta, o segurança, o polícia que tomou conta da
ocorrência e o senhor Lins. Era quase impossível que as testemunhas fossem
ouvidas todas num só dia. Numa sala própria estava também o perito forense apresentado
pela polícia judiciária.
O julgamento começou com a audição do réu. O juiz presidente fez
várias perguntas de forma a estabelecer a identificação dele e, perante a sua
declaração de que estava inocente, o julgamento prosseguiu. Walker apresentou
ao tribunal a sua versão dos acontecimentos, mantendo-se fiel à primeira e
única versão que tinha dado destes. As
perguntas da acusação reforçaram os factos que provavam a sua culpabilidade
tendo dado ênfase aos antecedentes. A acusação fez o inverso.
«A acusação mencionou que o Chef Walker esteve envolvido num processo
de exploração sexual na Austrália. Pode dizer ao tribunal qual foi a sentença
proferida pelo tribunal de Brisbane nesse processo?» Perguntou Anabela.
«Fui declarado inocente.»
Anabela tinha mais umas cartas na manga, mas estava a guardá-las
para o momento adequado. Para já apenas queria reforçar que o seu cliente tinha
um passado limpo.
O julgamento prosseguiu com a audição do senhor Lins, que não
trouxe qualquer novidade ao processo e em seguida com o segurança. A acusação
conseguiu que o segundo deixasse claro que o único acesso ao palacete era
através do portão deste ou da porta de homem, pois a ligação ao escritório era
exclusiva dos seguranças e do senhor Lins. De acordo com os registos das
câmaras nenhum deles tinha usado a passagem dos escritórios para o palacete na
altura do crime. Foi a vez da defesa.
«É verdade que existe uma zona em que é possível saltar o muro
do palacete sem ser visto pelas câmaras?»
O segurança ficou um pouco atrapalhado e o tribunal em suspenso.
O delegado do ministério público arregalou os olhos e aguardou.
«Sim.»
«Isso já alguma vez aconteceu?»
«Sim. O senhor Maud fez uma aposta com a Anne Kodiat em como
entrava no edifício sem ser visto e conseguiu.»
«O problema foi resolvido?»
«De certa forma sim.»
«Explique o que quer dizer.»
«O muro foi elevado em dois metros. O que torna a tarefa
praticamente impossível.»
«Mas se alguém o conseguisse fazer, entraria no palacete sem que
houvesse registos dessa entrada. Certo?»
«Sim.»
Um dos jurados decidiu intervir pedindo uma clarificação.
«Quer dizer que um alpinista experimentado podia ter entrado no
palacete sem ser visto?»
«Sim.»
O testemunho do segurança tinha sido a primeira machadada na
tese do ministério público. A pedido da defesa a governanta seria ouvida apenas
depois de feita a reconstituição que tinha sido marcada para a segunda feira
seguinte. Entretanto, foi ouvido o perito forense. A acusação esforçou-se por
demonstrar que todas as provas apontavam parta o Chef Walker e foi bem
convincente a fazê-lo.
A defesa adotou uma estratégia diferente. Como não podiam contra
argumentar sobre as provas apresentadas, focou a sua ação nas condições
requeridas para a execução do crime.
«É verdade que a droga que o Chef Walker ingeriu o incapacitava
de cometer o crime em causa?»
«Sim, durante o tempo em que esteve sob o seu efeito.» Disse o
perito.
«As facas estavam profundamente espetadas e os ferimentos
indicam que tal aconteceu num só golpe. Acha que, nas condições em que o Chef
Walker estava, ele teria capacidade para o fazer?»
O perito não respondeu de imediato.
«Não consigo avaliar corretamente as condições em que o Chef Walker
estava para responder à pergunta.»
A advogada
refez a pergunta.
«Na sua opinião a possibilidade, ainda que remota de ele não ter
condições para o fazer existe?»
«Sim.»
Anabela sorriu ligeiramente. Tinha conseguido mais uma vitória.
O testemunho de Perestrelo não acrescentou muito embora tenha contribuído para
limpar um pouco a leitura que tinha sido deixada pela acusação em relação ao
passado. A sessão foi encerrada e seria retomada após a reconstituição.
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