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AMOR NÃO DESEJADO - TAKE 3




Pedro,
A tua carta chegou às minhas mãos ao final do dia. Estava exausta e aborrecida, depois de um dia de trabalho recheado de problemas. Quando a retirei da caixa do correio as minhas mãos tremiam. O teu nome, no remetente, saltou-me à vista e no silêncio do hall de entrada do edifício soou como um grito. Corri para o elevador e fiz o toque de chamada. O tempo de espera pareceu-me uma eternidade e a lentidão com que o elevador subiu foi desesperante. Joguei a mala de qualquer jeito e rasguei o envelope com sofreguidão.
A tua carta virou o meu mundo do avesso. Ela dizia tudo aquilo que eu tanto queria ouvir, mas depois de tantos meses a sofrer e a tentar esquecer-te, as palavras pareceram-me irreais. Dentro de mim cresceu um misto de esperança e de medo. Quero acreditar que me amas, mas isso deixa-me um desconforto que nunca pensei sentir. A nossa relação ainda nem sequer começou e eu já tenho medo que ela acabe. O tempo que passei como tua amiga e, sobretudo, aquele durante o qual procurei esquecer-te, deixou marcas demasiado profundas. Depois de muitas horas de um misto de sobressalto, ansiedade e felicidade, adormeço de exaustão. Sonho contigo. Sonho que fazes de mim a mulher mais feliz do mundo, mas o sonho transforma-se num pesadelo quando tu me abandonas. Acordo em sobressalto. Era apenas um sonho! Volto a adormecer e acordo já tarde. É sábado e não tenho de trabalhar. Dedico o resto da manhã a cuidar da casa e à tarde vou dar um passeio, depois de rejeitar todos os convites para sair.
Está uma linda tarde outonal e a luminosidade do rio Tejo ofusca-me. A torrente de luz invade-me a alma, iluminando-a. Apesar dos passantes, o local transmite uma calma que me liberta a mente. Finalmente, consegui colocar os pensamentos em ordem. Leio a tua carta novamente e todos os receios desapareceram. Acredito em ti, porque quero acreditar e porque não existe razão para não o fazer. Sento-me num banco e sonho acordada. Sonho que tu estás a meu lado e que, juntos, admiramos o por-do-sol. Deito a minha cabeça no teu ombro e fecho os olhos. Sinto-me tão feliz e tão leve que flutuo. A voz de uma criança chama-me à realidade. Uma menina toca-me no joelho e oferece-me uma flor. Os pais, dois jovens que empurram um carrinho com o irmão mais novo, sorriem para mim.
«É do teu namorado!» Diz a criança.
Emociono-me com o gesto e sobressalto-me com a coincidência. Era como se fosses tu a oferecer-me uma flor. Eu acredito que existe uma razão para tudo e esta oferta é para mim uma mensagem do divino. É Ele a abençoar o nosso amor.
Fecho novamente os olhos e vejo-nos, de mãos dadas, passeando numa praia no meio do bulício de um dia de estio. O sol queima-nos os ombros e a água gela-nos os pés. É uma combinação perfeita. Rodopio à tua volta enquanto tu seguras a minha mão de forma firme mas com um carinho extremo. Sinto que de ti emana um sentimento que me aquece. Algo que começa na minha mão e que rapidamente preenche todo o corpo, deixando-me num estado de torpor delicioso. «Amo-te.» Grito, embora os lábios não emitam qualquer som.
O crepúsculo cobria o Tejo quando regressei a casa. O céu no horizonte adquiriu um tom avermelhado e Lisboa cobriu-se de uma luz mágica que se extinguiu rapidamente. Tudo me parecia belo. Nunca tinha reparado como Lisboa estava cheia de turistas alegres e bem-dispostos e de jovens casais, que arrufavam em todos os cantos. Havia música no ar!
Á noite saí com umas amigas. Nessa noite parecia que os jovens de Lisboa tinham conjurado fazer-me a corte. Recusei de forma simpática e brincalhona. Tinha tomado uma decisão: O meu coração era teu e só teu. Na segunda-feira a carta segue pelo correio. Junto à minha morada o número de telefone. Podes ligar-me quando quiseres. Nada me daria mais prazer do que ver-te e estar contigo. Quiçá o resto a minha vida.
Com amor, Luísa.

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