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A JORNALISTA | PARTE 1 | CAPÍTULO 8






A JORNALISTA | PARTE 1 | CAPÍTULO 8 – O Médico Legista

O relatório da autópsia da vítima era profundo e detalhado, mas isso não foi considerado suficiente para Mónica Fonseca. Ela pretendia que fossem feitas várias análises ao sangue, às fezes, à urina e ao conteúdo do estômago. Solicitou ainda que fossem feito alguns testes às roupas de Karen. Ela queria ter todos os elementos sobre a mesa para fazer uma recomendação fundamentada e consciente. Isso implicava mais trabalho e mais tempo o que não satisfazia nem o seu colega de equipa, nem as chefias. A verdade é que o caso se tornou mediático devido às notícias da imprensa nacional e estrangeira, como consequência do facto de envolver a morte de uma cidadã norte-americana e um suspeito australiano. Em paralelo, o poderoso lobby da  LTCBK começava a fazer sentir o seu peso. Eles queriam que o processo fosse encerrado rapidamente e a condenação do Chefe Walker servia perfeitamente os seus interesses. Mónica Fonseca não se deixava influenciar por isso, mas ficou preocupada quando percebeu que eles conheciam alguns dos detalhes do crime que não era suposto serem públicos. Alguém, dentro da PJ, tinha dado com a língua nos dentes. Era altura de por em campo a "armadilha"!
Uma das coisas que tinha solicitado e que ainda não tinha recebido era uma série de análises do suspeito. Por precaução ela tinha solicitado à equipa responsável que tirasse cinco amostras de todas as substâncias a analisar. Duas tinham ficado na posse da advogada do arguido, uma tinha seguido para o laboratório e as duas restantes tinham sido guardadas à responsabilidade da equipa forense. Apesar das cinco amostras terem um registo oficial e terem sido lacradas, apenas ela e a advogada Anabela Correia sabiam da sua existência.
«Quero que vás hoje ao laboratório buscar as análise do chefe Walker.» Disse ela ao colega.
Quando ele regressou com as mãos vazias gerou-se a maior confusão. João Ribeiro tinha depositado, no processo, um documento de prova de entrega das análises no laboratório, mas estes alegavam nunca ter recebido as mesmas e quando confrontados com o documento do processo demonstraram que este era falso. A entrega tinha sido feita por uma empresa externa, e esta tinha utilizado um estafeta que entretanto tinha desaparecido. Tratava-se de um africano que tinha sido morto à facada numa rixa, à porta de uma discoteca.
«Dado que já passou mais de um mês, temos um problema. A repetição das análises à data de hoje não produz os resultados requeridos por isso ficam sem efeito.» Disse João Ribeiro.
Mónica não conseguiu interpretar o sentido do tom utilizado pelo colega. Ficou na dúvida se este estava preocupado ou aliviado com a situação. Olhou para ele durante alguns instantes antes de fazer algum comentário.
«Existem mais amostras, mas desta vez eu vou levá-las, pessoalmente, ao laboratório e vou ficar à espera até que estas sejam abertas e tratadas.» Disse ela.
João Ribeiro abriu a boca e arregalou os olhos.
«O que? Mais amostras! Eu não sabia de nada…»
Mónica Fonseca não se dignou a responder-lhe. As amostras foram levadas para o laboratório e a segurança do mesmo foi reforçada a pedido da CSIC.
Finalmente o relatório da equipa forense estava completo e foi convocada uma reunião para discussão do mesmo.
«A vítima foi morta com um golpe na garganta, dado com um bisturi e com as facas do Chefe Walker, embora o maior dano tenha sido provocado pelo bisturi.» Disse um dos membros da equipa.
«A vítima foi mantida inconsciente com a ingestão de Zolpidem, aliás a mesma substância que foi ingerida pelo Chefe Walker. A diferença é que na vítima o medicamento foi injetado.»
«Quer dizer que o Chefe Walker estava a dizer a verdade, quando testemunhou que tinha desmaiado?»
«Sim.» Respondeu a técnica.
«Qual a duração do efeito dessa substância?» Perguntou Mónica Fonseca.
«Aproximadamente duas horas. Durante esse período a vítima pode não estar totalmente desacordada e praticar atos de que não tem consciência ou ter alucinações.» Respondeu a técnica.
«As facas foram profundamente espetadas, num só golpe, o que implica uma grande força e destreza em manuseá-las.»
«Existiam alguns vestígios de clorofórmio nas roupas de algum deles?» Perguntou Mónica Fonseca.
«Sim. A vítima mortal deve ter sido imobilizada com clorofórmio, embora o tempo que permaneceu desacordada tenha sido graças ao Zolpidem.»
«Existe mais algum aspeto relevante?» Perguntou Mónica Fonseca.
«A vítima esteve atada e amordaçada durante algum tempo antes de ser injetada. Os detalhes estão no nosso relatório escrito.» Disse a chefe da equipa forense.
A reunião terminou e o Chefe da Mónica Fonseca quis fazer um ponto de situação da investigação. Com sempre João Ribeiro foi perentório afirmando que se deveria dar por encerrada a investigação pois era claro que o suspeito tinha os motivos para cometer o crime, a arma do crime existia e apontava para ele e a única testemunha ocular acusava-o.
«Isto não tem nada de circunstancial. São provas verdadeiras e sólidas!» disse João Ribeiro.
«O relatório forense valida o depoimento do suspeito suportando a tese do desmaio. Tenho dúvidas que tenha cometido o crime enquanto esteve desacordado.» Disse Mónica Fonseca.
«A própria técnica disse que ele pode ter praticado atos de que não se recorda.» Retorquiu João Ribeiro.
«Penso que devíamos fazer mais uma tentativa para encontrar o telemóvel da vítima. Os registos das chamadas suportam as declarações do arguido, mas não permitem identificar para quem são as mensagens de amor que ela trocava. Iam parar a um telemóvel descartável e não identificado. De acordo com o teor das mensagens essa pessoa possui informações muito reveladoras.»
Acabaram por concluir que o relatório médico-forense fragilizava um pouco a tese de que o Chefe Walker era o assassino, mas não a colocava em causa. De certa forma servia para encaixar todas as peças: o testemunho do Chefe, a tese da acusação e os elementos factuais identificados na cena do crime. Apesar disso, Mónica Fonseca alegou que ainda faltava muito tempo para se cumprir o prazo de seis meses para a investigação e que não existia razão nenhuma para se encerrar a mesma de forma apressada. João Ribeiro protestou de uma forma exaltada a ponto de ter de ser chamado a atenção. Finalmente foi decidido que a investigação seria encerrada ao fim de quatro meses após o início da prisão preventiva, que era o tempo que o arguido podia estar preso sem acusação.

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