A JORNALISTA | PARTE I | CAPÍTULO 10 - O Procurador Público
Tinha
de ser tomada uma decisão. Ou era deduzida acusação ao arguido ou era aberto
processo de instrução, para esclarecimento das dúvidas que ainda existiam. A
equipa da polícia judiciária estava dividida. Mónica Fonseca achava que ainda
existiam questões por responder que fragilizavam a acusação. O chefe dela, secundado
pelo inspetor chefe João Ribeiro, entendiam que as provas eram mais do que
suficientes para suportar a acusação de assassínio premeditado. O procurador, que tinha convocado a reunião, conhecia bem o trabalho da polícia judiciária, em
especial o de Mónica Fonseca.
«Inspetor chefe João Ribeiro, diga-nos lá
qual é a sua leitura do caso.» Perguntou o procurador.
«Em relação a este crime, temos tudo de que
precisamos para avançar com a acusação. Temos uma testemunha ocular e temos a
arma do crime, com as impressões digitais do arguido. Para além disso, temos o testemunho
da equipa forense que nos permite concluir que o arguido, mesmo drogado, como
alega ter estado, podia ter cometido o crime.»
«O crime podia ter sido cometido por outra
pessoa?» Perguntou o procurador.
«Em teoria é possível. No entanto, como as
câmaras não registaram a entrada de mais ninguém no palacete, antes e depois do
crime, para além do arguido, então este é o único suspeito e o criminoso.»
«As provas são assim tão sólidas?» Perguntou
o procurador, dirigindo-se a Mónica Fonseca.
O
inspetor chefe tentou intervir mas foi silenciado pelo procurador.
«Não creio senhor procurador. Apesar dos
elementos indicados estarem corretos não o estão a cem cento. Falta uma das armas
do crime: o bisturi e é duvidoso que o arguido possa ter cometido o crime sob o
efeito da medicação.»
«Existem mais fraquezas no processo de
suporte da acusação?» Perguntou o procurador.
Mónica
Fonseca tomou a palavra e explicou que existam pelo menos quatro pessoas que
podiam ter ganho acesso ao palacete e ter obtido cópia da chave do portão de
homem: o administrador Jair de Lins, o chefe da segurança, a Anne Kodiat e a
governanta. Acrescia que por volta das vinte e duas horas tinha sido visto um
carro parado à porta do escritório, tendo arrancado a grande velocidade, quando o segurança tentou identificar o seu condutor. Aparentemente tratava-se de uma mulher, mas ninguém sabia nem quem era o proprietário, nem a
matrícula da viatura.
«Isso é um absurdo. A governanta! Como é
possível?» Gritou o inspetor chefe.
«A governanta pode ter chegado antes da
hora que disse ou nem sequer ter saído. Antes de sair podia ter imobilizado a
Karen e depois bastavam cinco minutos para colocar a droga no vodka e esperar que o Chefe
desmaiasse. Duas horas depois pode ter assassinado a Karen e voltado a sair
para entrar logo em seguida e apanhar o Chefe em “flagrante”.» Disse Mónica Fonseca.»
«E os outros?» Perguntou o inspetor chefe,
com ironia.
«A Anne saiu às vinte horas de casa dos
amigos e telefonou do aeroporto, assumindo que estava lá, às vinte e três e
trinta. No intervalo teve tempo para cometer o crime, dado que este teve lugar
entre as vinte e uma e cinquenta e as vinte e duas e cinco.»
«As outras cópias das chaves do portão de
homem não estavam no cofre?» Perguntou o procurador.
«Isso mesmo!» Reforçou o inspetor chefe
esganiçando o pescoço.
«O cofre é a coisa mais simples de abrir.
Qualquer um deles o poderia ter feito e arranjado forma de ter uma cópia.»
Respondeu Mónica Fonseca.
«Já agora como é que o segurança o poderia
ter feito?» Provocou o inspetor chefe.
«Quer o segurança, quer o senhor Lins, estavam nos escritórios quando o crime se deu. Qualquer um deles podia ter
passado para o lado do palacete e ter cometido o crime.» Disse Mónica Fonseca.
«As câmaras teriam filmado essa situação
não é verdade?» Perguntou o procurador.
«Admito que existe essa fragilidade, mas
também admito que eles teriam conseguido arranjar forma de a ultrapassar, pelo
menos no caso do segurança.» Respondeu Mónica Fonseca.
«Parece-me claro que existem algumas
debilidades na acusação. Desde logo porque não foi estabelecido um motivo mas
também porque existem possibilidades que não foram devidamente exploradas.»
Disse o Procurador.
João
ribeiro espumava de raiva e o chefe de divisão também não parecia muito feliz,
mas quem mandava era o procurador.
«Isto é uma perca de tempo total.» Exclamou
o inspetor chefe.
«Desde o início desta investigação que o
inspetor chefe, João Ribeiro, se mostra descontente com a estratégia adoptada e
tem remado contra a maré. Parece-me que se fosse mais diligente e não assumisse
o caso como concluído, desde o princípio, podíamos ter avançado bastante mais
na investigação.» Disse o procurador.
«Cuidado senhor procurador. Isso é uma
acusação muito grave!» Disse o chefe de divisão.
«O senhor pretende refutá-la?» Perguntou o
procurador.
O
silêncio foi total e absoluto durante alguns instantes.
«Eu pretendo usar o meu direito de defesa e
quero que o senhor procurador prove a acusação que fez.» Disse o inspetor.
«A sua posição foi clara durante toda a
reunião de hoje tal como nas anteriores. Vou pedir a sua remoção da equipa.»
Disse o procurador.
João
Ribeiro olhou para o chefe de divisão pedindo socorro. Eram velhos amigos e ele
sabia que o outro tinha um trunfo contra Mónica Fonseca.
«Eu não queria avançar já com este assunto,
pois preferia ter primeiro a investigação concluída. No entanto, como estamos
a falar da equipa, aqui vai. Entendo que quem deve ser afastado deve ser a
Mónica Fonseca, por ter retido informação relevante para o processo.» Disse o
chefe de divisão.
Mónica,
virou-se par ao chefe, arregalou os olhos e abriu a boca de espanto.
«A CSIC Mónica Ribeiro não reportou que o
telemóvel de Karen tinha sido recuperado e que este estabelecia o motivo do crime,
tendo telefonado para alguém da LTCBK a dar esta informação. Eu recebi um
telefonema de um membro do governo que por sua vez obteve a informação num
contacto com o senhor Lins.» Disse o chefe de divisão.
«Isso é efetivamente grave. O senhor tem
provas de que foi a CSIC que divulgou essa informação?» Perguntou o inspetor.
«Eu ouvi a Mónica Fonseca a fazer o
telefonema, ontem às dezoito e trinta e sete.» Disse o inspetor chefe, com ar
eufórico.
«CSIC Mónica Fonseca importa-se de
clarificar esta situação?» Perguntou o procurador.
«Com todo o gosto. Tal como eu já suspeitava existia uma fuga de informação relativa à nossa investigação. Como
acordado entre nós, eu inventei a história do telemóvel da Karen e, exatamente
à hora indicada pelo inspetor chefe, fiz o telefonema mencionado, mas para o
senhor procurador. Portanto, não foi através do meu telefonema que a LTCBK
soube da existência do telemóvel.»
«Continue por favor.» Disse o procurador.
«No seguimento do telefonema o inspetor
chefe foi seguido e o seu encontro com o senhor Lins, no Horta Café, na alta de
Lisboa, foi testemunhado e gravado.» Concluiu Mónica Fonseca.
«O senhor tem que passar a ter mais cuidado
com a forma como lida e avalia as suas equipas.» Disse o procurador,
dirigindo-se ao chefe de divisão.
O
procurador deu a reunião por concluída e pediu a Mónica Fonseca que
esclarecesse as dúvidas que existiam, nos trinta dias seguintes. Ele queria
fechar a instrução do processo e deduzir acusação nos trinta dias subsequentes.
Mónica teve liberdade para escolher o novo parceiro e pôs mãos à obra.
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