A JORNALISTA | PARTE 1 |CAPÍTULO 9 - A Jornalista
Anabela
Correia fechou o dossier e levantou os olhos. O detetive já tinha terminado a
leitura e aguardava expectante.
«Isto não é muito esclarecedor.»
«Tens razão mas dá-nos uma pista sobre o caminho a seguir.»
Anabela
não disse nada e aguardou que o detetive desse sequência à ideia antecipada.
«A nossa prioridade deve ser investigar os passos
da jornalista.» Disse o detetive.
«Tens razão. Os jornalistas, sobretudo quando estão
envolvidos neste tipo de investigação, têm sempre um local de segurança onde
guardam a informação, seja virtual ou seja físico.»
«O problema é que nós nem sabemos por onde
começar.» Disse ele.
«Se ao menos tivéssemos acesso às coisas
dela, tipo ao computador.»
«Espera aí! No interrogatório do chefe
Walker o inspetor chefe queria saber se ele sabia das bagagens e do computador.
Portanto, a polícia não os tem.»
Anabela Fonseca estava excitada com a
descoberta. Levantou-se e andou à volta da mesa. Perestrelo ficou suspenso nos
seus movimentos.
«Ou alguém tem esse material ou ela o
escondeu em algum lugar. É suposto ela ter ido jantar com uns amigos, não é verdade?» Disse Anabela virando-se pAra o
detetive.
«Eu vi o nome e a morada no teu relatório.
Vou tratar disso de imediato.»
Anabela
sentou-se e ficou a pensar no assunto. Quando a sua assistente bateu à porta
informando que ia almoçar, ela sobressaltou-se.
O
detetive teve de esperar pela noite para falar com os amigos de Anne e Karen.
Eles já tinham falado com a polícia e não queriam ser incomodados, mas acabaram
por o receber. Foi uma diligência infrutífera. Eles não faziam ideia onde
estavam as bagagens. A Anne apareceu por volta das dezasseis horas, não disse
nada sobre a viagem, às vinte saiu e não regressou. Às vinte e duas e trinta ligou
a dizer que estava no aeroporto e que iria embarcar às vinte e três e trinta.
«Não trazia bagagens nenhuma com ela?»
Perguntou o detetive.
«Não.» Respondeu o marido.
«Não disse nada sobre a Karen?»
«Ela mostrou-nos a mensagem da Karen. Dizia
que não sabia se viria ter connosco.»
Era
um beco sem saída. Karen não podia ter despachado a bagagem senão teria havido
um incidente com o avião, pois a bagagem de um passageiro ausente tem de ser retirada do avião e ele já tinha verificado essa situação. Talvez a Anne
soubesse responder, mas essa estava incontactável.
«Não existe mais nada que possam
acrescentar?»
«Não.» Respondeu o marido.
«Espere!» Disse a mulher.
Levantou-se,
foi buscar um livro e estendeu-lho.
Era
a edição comemorativa do lançamento da versão cinematográfica de “O Barão” do
Branquinho da Fonseca. O detetive pegou no livro sem entender o que se estava a
passar. Ela não demorou a responder à sua interrogação.
«Recebemos isso da Karen alguns dias depois
de ela ter sido assassinada.»
«Não vinha acompanhado de nenhum bilhete?»
«Não. Apenas a dedicatória»
Perestrelo
abriu o livro e leu.
“Achei a obra
interessantíssima. Fez-me pensar que quando não existe futuro a Chave da vida
está no passado. O passado é história. História escrita em Livros que ninguém
lê!” Karen.
«Fique com o livro espero que o ajude a
encontrar o assassino. Nós não acreditamos que tenha sido o Roger.» Disse o marido.
O detetive agradeceu a oferta e partiu. Não fazia ideia como o livro poderia ajudar a
ilibar o Chefe Walker mas colocou-o na pasta e dirigiu-se para o escritório da
advogada. Já era tarde e Anabela Correia
estava sozinha. O detetive subiu ao piso dela e resumiu os factos. A
advogada folheou o livro com lentidão. Estava
convencida que tinha na mão uma das peças do puzzle mas não conseguia perceber
onde se encaixava. Jogou o livro para cima da mesa.
«Parece irrelevante não é?» Disse o
detetive.
«Estou convencida que tem algum
significado, mas para o conseguir identificar falta aqui qualquer coisa.»
«Preciso de saber o que andou a fazer a
jornalista nos últimos tempos. A solução para o enigma pode estar algures no
passado dela.»
No
dia seguinte o detetive partiu em busca do passado da jornalista. A jornalista era
uma solitária. Não gostava de homens e as mulheres por quem se apaixonava ou a
traiam ou a abandonavam. O seu último grande amor tinha sido uma enfermeira que
a traiu com uma médica do hospital onde trabalhava, o Grady Memorial Hospital,
em Atlanta, há aproximadamente dez anos atrás. Mudou a sua relação profissional
com a CNN e tornou-se uma freelancer. As suas peças eram conhecidas pelo rigor
da informação em que eram suportadas, tendo um jeito natural, como ela dizia:
uma intuição, para fazer investigação e obter informação de que necessitava.
Perestrelo estava sentado na escrivaninha do seu hotel em Toronto, depois de
ter passado pela Ásia, Austrália, Europa e Estados Unidos. O percurso
aparentemente errático da jornalista tinha uma leitura completamente diferente
quando era visto à luz das peças da sua autoria, transmitidas pela CNN. Na
verdade, as viagens foram todas cuidadosamente planeadas em função dos locais
que tinha de visitar, no contexto de cada investigação. Isso tinha-a levado aos
sítios mais exóticos, mas também aos destinos mais comuns do mundo. Era uma
mulher muito viajada. Adorava o seu trabalho ao ponto de o fazer mesmo sabendo
que não suportava o seu estilo de vida. Esse era sustentado pela avultada
herança que tinha recebido, após o trágico falecimento dos pais, num acidente
aéreo. Comparado com os trabalhos anteriores a mera investigação das Offshore
utilizadas por dois dos sócios da LTCBK parecia ser uma coisa insignificante.
Terminou o relatório e regressou a Lisboa.
Quando
olhou para a porta do apartamento percebeu que alguém lá tinha entrado. O fio de nylon preso na aduela, numa das pontas, pendia na vertical. A ponta solta era suposto estar presa entre a porta e a aduela.
O corpo tenso e os braços arqueados eram os sinais visíveis do estado de alerta em que ficou. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Sentiu a
falta do aconchego da arma, mas como tinha ido para o estrangeiro não a trazia
consigo. Abriu a porta com cuidado e entrou no apartamento. Depois de
inspecionar todas as divisões percebeu que estava vazio. Não sabia quantos
visitantes tinham estado ali na sua ausência mas um deles era mulher e a visita
era recente. O seu perfume intenso ainda pairava no ar. Aquele cheiro era-lhe
familiar! Passou o espaço a pente fino. Não faltava nada. Quando passava pela
estante percebeu que um dos livros sobressaia. Era apenas uns milímetros mas
para ele era o suficiente. Era o livro que a Karen tinha enviado aos amigos. Os
seus visitantes estavam relacionados com a investigação que estava a fazer. Foi
imediatamente ter com a advogada.
«Isto só pode querer dizer que estamos no
caminho certo.» Dizia ele, andando de trás para a frente, no gabinete de
Anabela Correia.
«Senta-te. Está a pôr-me nervosa!» Exclamou
ela.
«Tens razão para te sentires nervosa.
Alguém está preocupado com o que eu sei sobre o caso. Como tu sabes o mesmo que
eu, podem perfeitamente assaltar o teu escritório e no processo fazer-te mal.»
«Estou com medo. Isto parece uma daquelas
situações que só acontece nos filmes! O que fazemos?»
«Temos de passar a guardar toda a
informação no cofre. Vais colocar os ficheiros todos fora da rede, numa pasta
pessoal e alterar a tua password. Escolhe uma bem forte.»
Calaram-se
alguns instantes. Anabela estava encolhida na cadeira e o detetive não
conseguiu evitar um arrepio. Parecia que uma nuvem negra, espessa e pesada,
pairava no ar, ameaçando desabar em cima deles.
O
toque do telefone fê-los saltar na cadeira. Era a CSIC Mónica Fonseca.
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