A JORNALISTA | PARTE V | CAPÍTULO 6 – O luto
Perestrelo tinha acabado de jantar e sentou-se para ler um
pouco. O pensamento voou para Anabela. Teve de fazer algum esforço para não lhe
ligar. Tinha que a esquecer. Concentrou-se no livro. O toque do telefone
interrompeu-lhe a leitura. «Será a Anabela?» Pensou. O coração bateu acelerado enquanto
se dobrava para pegar no aparelho que estava em cima da mesa do centro, ao lado
de uma pilha de revistas. Era a Mónica Fonseca.
«Já tenho o acordo preparado para ser assinado. Tentei ligar à Anabela,
mas o telefone está desligado. Podemos combinar a assinatura para amanhã às
doze horas?»
«Apenas posso falar por mim, por isso terá de contactar a
Anabela amanhã de manhã. A hora parece-me bem, mas só irei se a Anabela
concordar em ir também.»
«De acordo.» Respondeu Mónica, desligando em seguida.
Perestrelo fechou o livro e foi deitar-se.
Acordou às seis e meia da manhã com um pesadelo. Tinha brigado
com a Anabela e o desfecho tinha sido à facada: ela não tinha sobrevivido. O
sonho tinha sido tão intenso que parecia realidade. Levantou-se e foi passar água
pelo rosto. Pegou no telefone e ligou à Anabela. Nada. Apenas o silêncio
respondeu às suas preces. Não tinha outra solução senão esquecê-la. Estava
decidido: Esperaria que ela respondesse à mensagem que lhe tinha deixado. Saiu
para o seu treino, prolongando-o um pouco mais do que o costume. Depois do
banho arranjou-se para trabalhar. Apesar da decisão tomada, não conseguiu
evitar de passar pelo escritório dela. Não teve coragem para entrar, deu duas
voltas ao quarteirão e foi para o escritório, onde trabalhou o resto da manhã. Como
não lhe apetecia vestir o avental, decidiu ir almoçar fora. Foi ao Chez Acácio, que ficava mesmo do outro
lado da rua. O carro parou em segunda fila e lá de dentro saíram três homens e
uma mulher. Perestrelo notou a forma ostensiva como olhavam à sua volta.
Pareciam polícias. Quando o último homem se virou reconheceu-o de imediato. «O
que faz o inspetor chefe Martins, por estas bandas?» Interrogou-se.
A equipa da PJ estava sob pressão. Já existiam demasiados crimes
por resolver. O local do crime foi processado e ao fim da manhã já tinham
resultados. As impressões digitais mais abundantes eram as da Anabela e de
Perestrelo. Isso era normal dado que ele era o investigador da advogada e seu
namorado.
«Penso que já encontramos o nosso suspeito.» Disse Martins.
A colega não se conteve.
«Chefe as provas parecem-me circunstanciais.»
«Abre os olhos! O punhal apenas tem as impressões digitais dele.
As mensagens no telemóvel são incriminadoras e, finalmente, o botão também tem
as impressões digitais dele.»
«Continuo a achar que não é suficiente.» Disse ela.
«É mais do que suficiente, mas vamos falar com ele. Se conseguirmos
provar que esteve por aqui na hora do crime e que o botão lhe pertence, como
creio, fechamos o círculo.»
O segurança confirmou que viu o carro de Perestrelo estacionado
à porta do edifício, entre as oito e quarenta e cinco e as nove e vinte, mas
que ele não viu entrar. O inspetor chefe Martins formou logo ali a sua
opinião. O comportamento do detetive era suficientemente suspeito para,
juntamente com as outras provas o incriminar. Era ele o seu suspeito.
Quando chegaram à morada dele Perestrelo estava a sair de casa.
Ficaram ali um pouco à espera da sua reação. Ele dirigiu-se calmamente para o
restaurante em frente e eles seguiram-no.
«Bom dia detetive.»
«Bom dia inspetor chefe Martins. E que posso ajudá-lo.»
A colega de Martins surpreendeu-se com a calma do detetive. Se
ele era o criminoso, então tinha nervos de aço. Observou-o mais atentamente.
Foi quando percebeu a falta do botão. Levou as mãos à boca abafando o grito. O
gesto não passou despercebido ao chefe que buscou o foco do olhar dela.
«Detetive Perestrelo. Está preso pelo assassinato de Anabela
Fonseca.»
«O que? A Anabela está morta?»
Foi um grito lancinante. A expressão de dor e desespero que lhe
cobriu o rosto era demasiado real para ser falsa. Por alguns instantes os
inspetores hesitaram. Perestrelo tinha coberto o rosto com as mãos e sentou-se.
As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto em profusão. Estava perfeitamente
inconsolável! Os inspetores aguardaram que ele se compusesse e levaram-no dali
para fora. Estavam todos um pouco consternados de tal forma que nem sequer o
algemaram. O interrogatório demorou duas horas e ao fim desse tempo era claro
para os inspetores que todas as provas apontavam para um só suspeito:
Perestrelo. Ele naturalmente protestava a sua inocência. A possibilidade de ter
morto Anabela era tão absurda que lhe custava a acreditar que alguém a pudesse
considerar de forma séria. Não tinha escondido nenhum facto e os factos eram
claros. A sua interpretação é que não podia ser feita da forma que a judiciária
insistia em fazer. Esclareceu vezes sem conta que o botão tinha saltado no
escritório de Anabela fazia mais de um mês, que tinha pensado ir ao escritório
dela mas que à última hora se arrependera, pois não queria pressioná-la e,
finalmente que o punhal tinha sido uma oferta dele e ele tinha estado a
praticar o seu lançamento, usando o quadro o jogo de setas, na semana anterior.
Era, pois, natural que as suas impressões digitais ali estivessem.
Mónica quando soube que ele estava preso procurou inteirar-se
dos factos. Não existia ninguém que a conseguisse convencer que Perestrelo era
um assassino, muito menos que pudesse ter morto Anabela. O colega aceitou de
bom grado que ela revisse os dados do caso o que se veio a revelar uma decisão
acertada. Ela acabou por descredibilizar os dois factos mais incriminadores: O
botão e a presença de Perestrelo no local do crime. Mónica tinha fotografias de
Perestrelo com o casaco sem o botão com mais de um mês e uma revisão da hora do
óbito permitiu concluir que Anabela fora morta uma hora antes de Perestrelo ter
estado no local. Tornou-se óbvio que o criminoso tinha tentado incriminar Perestrelo
para desviar as atenções. A judiciaria tinha em mão mais um crime por resolver, associado à morte da jornalista!
O funeral de Anabela realizou-se três dias depois. Foi
necessário esperar que o irmão, que estava nos Estados Unidos chegasse pois era
o único familiar, dado que já tinha perdido os pais e não tinha outros irmãos ou
primos. Apesar disso, o velório foi concorrido. Foram muitos os colegas de
profissão e amigos que compareceram a prestar a última homenagem. Os agentes da
autoridade que com ela se cruzaram também lá estavam. Era uma morte incomum e
ela era uma advogada com créditos no meio.
Depois do funeral Perestrelo desapareceu. O irmão dela pediu que
ele ficasse ao lado dele a receber os pêsames e isso tinha sido demais para
ele. A emoção e a dor tomaram conta dele e não tinha paciência para socializar.
Precisava de fazer o luto. Quando a cremação ficou concluída Mónica perguntou
por ele, mas ninguém soube dizer do seu paradeiro. Algures entre a saída da
igreja e o crematório ele tinha desaparecido. Mónica ficou desapontada mas, compreendia e respeitava a decisão dele. Iria ao seu encontro mais tarde.
Comentários
Enviar um comentário