A JORNALISTA | PARTE V | CAPÍTULO 7 – A Revelação
Maria Eduarda ficou em estado de choque. O aniversário do irmão
tinha sido pretexto para juntar toda a família, com a exceção dela que, por
estar em Portugal, não comparecera. O assalto correu mal e a família foi
chacinada. Os vizinhos foram o seu
suporte e confirmaram a vaga de assaltos. A grande diferença é que este tinha
sido o único que terminou de forma tão definitiva. A campainha da porta tocou.
«Boa tarde D. Maria
Eduarda.»
Aquele rosto não lhe era estranho mas ela não conseguiu, de
imediato, associar-lhe um nome.
«Boa tarde. Em que posso ajudá-lo?»
«Eu sou o inspetor Marcus. Estou a investigar o assassinato da
sua família.»
«Marcus Vinicius?» Disse ela, recordando-se do jovem com quem brincava em criança.
Ele sorriu e assentiu com a cabeça. Maria Eduarda franqueou-lhe a
porta e os vizinhos aproveitaram para se despedir. Por alguns minutos eles
recordaram a infância. Houve uma época em que ele pensou que ela poderia ser a
sua esposa, mas o futuro encarregou-se de definir caminhos distintos para os
dois.
«Eu mantive o contacto com os teus pais e eles ajudaram-me muito
quando me divorciei, sobretudo porque já tinha perdido os meus pais também. Por
isso vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para encontrar o culpado.»
«Nunca imaginei que um assalto pudesse terminar desta forma.» Disse
ela.
«Assalto? Isto não foi um assalto. Isto foi uma execução. A
equipa que levou a cabo essa missão era composta por profissionais. O roubo foi
apenas para disfarçar o assassinato. Os executantes eram ótimos assassinos, mas
péssimos ladrões. Deixaram para trás coisas bem mais valiosas do que aquelas
que levaram com eles.»
«Quer dizer que a morte dos meus pais não foi um roubo que
correu mal?»
«Não.»
«Tens alguma ideia de quem possa ter ordenado a morte deles?»
«Não, pelo menos nada de concreto.»
«Não me escondas nada, ainda que sejam meras suspeitas.»
«Não me admirava que o teu marido estivesse por detrás disto.»
Houve alturas em que ela teria defendido Jair de Lins com unhas
e dentes, mas já tinha passado essa fase. Limitou-se a olhá-lo no fundo dos
olhos durante alguns instantes.
«Alguma razão específica para suspeitares dele?»
«Ela estava a pressionar os teus pais para eles intercederem no
vosso relacionamento. Aparentemente não tinha conhecimento de que o teu pai
tinha reconstruído a fortuna dele e já não dependia de qualquer ajuda.»
Marcus recebeu uma chamada e ausentou-se por alguns minutos. Ela
percebeu que falavam da morte dos pais, pela forma como ele a olhou enquanto
dizia: «Tens a certeza?» Finalmente desligou e veio ter com ela.
«Pendemos um dos homens que participou na morte dos teus pais. A
ordem veio da organização ligada ao Jair. Embora não se saiba se foi ele a
dá-la, é certo que ninguém se atreveria a fazê-lo sem a autorização dele.»
«Preciso que o meu marido não suspeite que eu sei de alguma
coisa.» Disse ela, colocando a mão sobre a dele.
«O que me pedes só é possível se o homem que prendemos morrer.
Eu não posso fazer isso.»
«Então vais ficar com a minha morte na consciência, pois vou
voltar a Portugal e confrontá-lo.»
Marcus ficou a olhar para ela. Maria Eduarda, tinha ficado mais
bonita com a idade e tinha adquirido um charme que lhe agradava muito. Ele não
tinha conseguido esquecê-la. Se ela soubesse que tinha sido a razão do seu
divórcio, então perceberia o poder que tinha sobre ele.
«Não sei se posso fazer alguma coisa, mas mesmo que o faça,
regressares a Portugal é muito perigoso.»
«Não te preocupes!» Disse ela com simplicidade, depositando um
selo nos lábios dele.
Maria Eduarda voltou para Portugal e chorou a morte dos pais no
ombro do marido e ele chorou com ela. «Tinha-a recuperado!» Pensou. A morte dos
sogros tinha acabado por os aproximar. No dia seguinte, Jair iria ausentar-se
por três dias e ficava feliz por ter a mulher de regresso a casa.
Perestrelo estava devastado. Decidiu tirar uns dias de férias
para colocar os pensamentos e os sentimentos em ordem. A morte de Anabela
tinha-o afetado muito, embora não da forma que ele esperava. Não sentia aquele
desespero que toma conta de um homem apaixonado, quando perde o amor da sua
vida. Sentia antes um remorso profundo por não ter estado ao lado da sócia
quando ela precisou dele. Talvez não a amasse tanto como pensava. Tinha que
repensar a sua vida em termos profissionais e sociais. O pensamento fugiu para
Mónica Fonseca. Ela poderia ser uma boa ajuda em termos profissionais e, apesar
de estarem muitas vezes de lados distintos da barricada, podia-se dizer que
eram amigos. Bom, talvez isso fosse um exagero. Refugiou-se no pequeno
apartamento que tinha em Sesimbra, por cima do Hotel do Mar. Arrumou as coisas
e sentou-se na varanda. Aquela vista do mar era um calmante poderoso. À
esquerda a serra da arrábida, em frente o mar sem fim e à sua direita a marina
e a doca de pesca, seguida de um braço de terra que penetrava o mar. Respirou
fundo, sentido a maresia encher-lhes os pulmões. Passeou pela vila a pé,
aproveitado a luz do fim do dia e acabou a jantar num dos restaurantes tão
típicos, que se multiplicam pelas vielas. O peixe grelhado estava divinal!
No dia seguinte saiu bem cedo, pegou no barco que tinha alugado
e foi dar um passeio pelo mar. A ideia era ir até Troia e almoçar por lá. Tinha
a carta de marinheiro e de patrão, por isso manobrar um barco era fácil para
ele. Mas o que tornava isso banal era a larga experiência que tinha em navegar,
em simples passeio ou em competitivas regatas. O mar era para ele como a
corrente elétrica para uma bateria de telemóvel. Deixou-se vaguear entrando mar
adentro. Estava um dia lumioso e o mar continuava calmo. Eram horas de
regressar, pois queria dar umas voltas no estuário do Sado, para ver os
golfinhos Roazes. Lá estavam eles: quatro a estibordo e dois a bombordo.
Em saltos coordenados pareciam querer marcar-lhe o caminho. Ele deixou-se
levar. Quando viu que se estava a afastar muito regressou e os golfinhos emitiram
um conjunto de estalidos e cliques, como se lhe dissessem adeus. Atracou.
Quando saiu da marina foi surpreendido pela presença de Mónica Fonseca.
«Boa tarde. Que surpresa!» Disse ele.
«Espero que seja uma surpresa agradável. Você não é um homem
fácil de encontrar.»
«Com as pistas que eu deixei isso deveria ser simples para uma
detetive.» Disse ele em tom brincalhão.
«Touché!»
Ele convidou-a para jantar e passaram umas horas bem divertidas.
Com o desaparecimento de Anabela o processo de colaboração com a judiciária
tinha de ser repensado. Mónica reiterou o interesse deles em colaborar com
Perestrelo e combinaram assinar a respetiva documentação quando ele regressasse
a Lisboa.
«Espero que saibas que
podes contar comigo para o que for necessário, em termos profissionais ou pessoais.»
A entoação que ela deu à última palavra fê-lo levantar a cabeça
e olhá-la nos olhos. Mónica era uma mulher bonita e elegante. Tinha uma forma
física invejável e, em simultâneo, uma feminilidade que a tornava quase
irresistível. Mas aquilo que mais gostava nela era o sorriso. Ela pareceu
adivinhar e sorriu. O rosto iluminou-se e a aura tornou-se intensamente
brilhante. Perestrelo sorriu também, mas foi um sorriso meio triste. Isso não
evitou que acontecesse, entre eles, um “momento”. Não foram necessárias
palavras para perceber que, ainda que por instantes, eles se tinham sentido
muito próximos.
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