O
SORRISO
Desesperada bateu a porta e fugiu para a rua. O
marido e a sua melhor amiga estavam na cama deles. A traição acabou-lhe com a vida.
As palavras dele ajudaram a toldar-lhe o juízo «Metes-me nojo…» Dissera. Ela
sempre vivera para ele, em função dele. Sem ele nada fazia sentido, nem a sua
própria vida. Tinha tomado uma resolução.
Encostada
à coluna, na estação de metro aguardava como os restantes passageiros, embora
ligeiramente afastada destes. Tinha os cabelos em desalinho, o rosto sujo e as
roupas rasgadas, fruto da briga com ele. Tinha, portanto, um aspeto pouco
recomendável. Jovens e idosos passavam por ela, ignorando a sua dor, mas ela
não se importava. Era a sua dor. De costas contra a coluna, deixou-se
escorregar até ficar sentada no chão. O choro tornou-se convulsivo, fazendo o
ranho e a baba cair sobre a blusa. As pessoas afastaram-se ainda mais dela,
como se tivesse lepra.
Sentiu
a mochila poisar à sua frente, mas não levantou o rosto. Estava demasiado
ocupada a viver a sua dor. O homem sentou-se na sua frente, de pernas cruzadas,
sem dizer uma palavra. Ao fim de alguns instantes ela levantou o rosto, borrado
pelo rímel e olhou-o entre soluços.
«A menina precisa de ajuda?» Perguntou ele,
com voz doce.
O
sorriso do homem era simpático e tranquilo. Ele não tinha forçado o contacto
visual ou verbal, limitou-se a esperar que ela o olhasse. Ficou presa naquele
sorriso. A sensação de que o mundo a tinha abandonado desapareceu. A traição
doí-lha. Doía-lhe ao ponto de lhe cortar a respiração, trespassando-lhe o
peito, mas o desejo de acabar com a vida tinha desaparecido. Ela não tinha de
acabar com a vida, tinha de acabar com aquela relação. Aceitou a mão do homem,
que a conduziu até um banco. Ficaram sentados, lado a lado, sem dizer nada.
Quando conseguiu controlar o choro, limpou o rosto e falou.
«Obrigada. Eu já estou bem. Tenho de ir.»
O
desconhecido não disse nada, limitou-se a assentir com a cabeça e a sorrir. Um
sorriso que era vida.
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