A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 10 – Bluff noturno
A ascensão meteórica devia-se a duas razões: a sua posição e o
facto de ter eliminado uma boa parte da concorrência. Estava de pé a olhar o
mar. O último piso do edifício antigo, em Copacabana, no Rio de Janeiro,
conferia-lhe esse privilégio. Era a partir daí que comandava o seu novo
império. Nenhum dos homens o conhecia pessoalmente. Quando os recebia ativava a
camuflagem. Estava sempre do outro lado de um vidro, à prova de bala, na
penumbra e com a voz disfarçada. Adorava Bruce Springston, por isso se tinha
intitulado a si próprios de “O Boss”. As notícias não podiam ser piores.
«Os homens não conseguiram tirar nada dele.» Informou um dos
sicários.
«Como é possível? Nunca vi tanta incompetência num interrogatório?»
Disse num tom cortante.
«O homem devia ter algum problema. Morreu com a primeira
descarga elétrica.»
Silêncio. Os homens mexeram-se nervosos. Quando o chefe se
calava isso era mau augúrio para alguém. Desejaram, ardentemente, que não fosse
para eles.
«Podem sair todos, menos o Vitório.»
Os homens apressaram-se a sair, aliviados por terem sido
poupados. Vitório, apesar de ter ficado sozinho estava calmo. Isso era uma das
coisas que apreciava nele.
«Preciso que vás a Lisboa. O rei morreu, mas o jogo de xadrez
continua. Vamos cercar a rainha.» Disse pausadamente.
Vitório assentiu com a cabeça e aguardou, em silêncio, que ele
lhe desse instruções claras. Tomou, mentalmente, nota de todos os detalhes e
meia hora depois estava de saída. Partiria para a europa no voo da madrugada do
dia seguinte.
Perestrelo continuava doente. Não se lembrava de ter nunca
estado tantos dias com febre elevada e completamente prostrado. Mónica tinha
sido uma amiga incansável. Mudou-se lá para casa e durante a noite e o fim-de-semana
cuidava dele, com desvelo. Os últimos exames deixaram claro que a virose tinha
evoluído para uma pneumonia. Isso implicava cuidados especiais e obrigava-o a
ficar dentro de casa. Nunca tinha dado tanto uso à passadeira que até aí era
quase exclusivamente um elemento decorativo. Mónica e Perestrelo falavam pouco
sobre a investigação. Apesar disso, ela tinha-o informado de que ele era a única
pessoa a investigar a totalidade dos crimes. A polícia apenas estava a
investigar parte destes e Mónica não estava envolvida em todos.
«E a morte do Chef?»
«Foi atribuída ao americano.»
Perestrelo tinha uma perspetiva diferente, mas estava demasiado
debilitado para a apresentar.
Vitório desembarcou em
Roma, mas não chegou a sair do aeroporto. Comprou um bilhete para Lisboa e
passadas duas horas estava a levantar voo. Entrou em Lisboa sem passar pelo
controlo de passaportes pois o seu era Italiano. Vitório tinha dupla
nacionalidade, mas tinha escolhido não entrar em Portugal como cidadão
Brasileiro. Hospedou-se no Hotel Alif Campo Pequeno, onde tinha uma reserva,
para três noites. Tinha passado o dia todo a viajar por isso aproveitou para
dormir algumas horas. Às vinte e três saiu do hotel para jantar. Depois de uma
volta completa à praça de touros, decidiu-se por uma carne grelhada, que
acompanhou com um bom vinho. Estava pronto para o passeio noturno. Tinha que
fazer um reconhecimento do alvo antes de o abordar. Faria o reconhecimento
noturno e diurno e logo decidiria qual a melhor abordagem. A casa era uma
moradia, mas, tal como as restantes, tinha vizinhos muito próximos por isso não
podia arriscar. Tinha que entrar sem que ninguém percebesse e evitar que os residentes dessem o alarme. Essa parte era, provavelmente, a mais fácil. Não contava encontrar
lá mais do que uma pessoa.
Quando se aproximou da casa teve a sua primeira surpresa: esta
estava sob proteção policial. Não podia existir outra razão para o agente da
polícia patrulhar a rua, mesmo em frente à casa. Tinha de encontrar outra
entrada. Deu a volta ao quarteirão e percebeu que não iria ser fácil. Teria de
entrar no jardim da moradia que ficava nas traseiras e saltar o muro que
existia entre as duas. Felizmente estavam ambos parcialmente cobertos de uma
trepadeira, que era uma autêntica escada. Inspecionou o logradouro das duas
moradias demoradamente. Primeiro com vista nua e depois com óculos de visão
noturna. Depois de definido o percurso regressou ao hotel.
No dia seguinte apresentou-se na empresa de instalação e
manutenção de cablagens usando um disfarce: Era brasileiro e chamava-se Alair.
Graças ao contacto feito no dia anterior, pela organização, foi aceite de
imediato. A avaria foi provocada de forma localizada o que deu oportunidade ao
Vitório de visitar as duas moradias e inspecionar o interior e exterior
detalhadamente. A seguir ao almoço as ligações foram restabelecidas e ele
abandonou o local. A tarde serviu para desenhar um mapa, quer do percurso, quer
do interior da moradia. Para isso foi muito útil o vídeo que tinha feito com a
câmara escondida. Ao fim do dia o hotel foi invadido por vários agentes da
polícia judiciária. Vitório ainda pensou em sair rapidamente do bar, mas isso
iria denunciá-lo. Agora mais do que nunca era importante manter o seu
personagem verossímil.
«É aquele!» Disse uma mulher apontando Vitório.
«Boa tarde. A sua identificação por favor.» Disse o agente
identificando-se
Vitório dirigiu-se a ele num italiano perfeito.
«Mi dispiace, pero non parlo portoghese.»
O agente ficou baralhado. Felizmente falava bastante bem o
italiano e conseguiu fazer-se entender. A identificação comprovava que o homem
era italiano e o bilhete de avião provava que tinha vindo de Roma. Procuravam
um brasileiro e embora as semelhanças físicas fossem muitas, estavam perante
outra pessoa. Vitório passou o resto da tarde a passear e depois de jantar
regressou ao hotel. A mulher que o tinha reconhecido estava sentada na zona
entre o bar e a receção. Cumprimentou-a com um aceno de cabeça e percebeu que
isso a incomodou. Ficou no bar algum tempo e depois retirou-se.
Quando eram três da manhã acordou com o despertador. Saiu do
hotel com a chave que tinha obtido na noite anterior, depois de seduzir uma
empregada. Quando deu a volta ao hotel percebeu que a mulher vigiava a entrada,
agora posicionada no exterior. Chegou rapidamente ao seu destino e entrou na
moradia. A forma como trepava pelas paredes fazia lembrar um gato. Entrou pela
janela onde tinha colocado o mecanismo de abertura e inspecionou a casa.
Movia-se cosido com as paredes e de forma silenciosa. As divisões estavam todas
vazias, com a exceção do quarto do casal. A mulher dormia profundamente. Tinha
jogado o lençol para trás e a combinação estava subida, mostrando umas pernas e
ancas perfeitas. Os seios, redondos e volumosos, espreitavam pelo decote
generoso evidenciando a sua firmeza. O rosto, apesar de não se muito belo,
tinha traços elegantes e distintos. Aos quarenta e cinco anos de idade Maria
Eduarda estava no seu auge. Vitório não conseguiu evitar o entusiasmo que o
corpo evidenciou, através de manifestação física. Parou por alguns segundos,
respirou fundo e afastou o pensamento que lhe acudiu. Lentamente aproximou-se
da mulher e acordou-a, tapando-lhe a boca. Maria Eduarda arregalou os olhos,
apavorada. Pensou de imediato que tinha chegado a sua hora. No entanto, à
medido que os segundos passaram percebeu que não era a vida que aquele homem queria
de si. Ela sobreviveria.
«O seu marido estava na posse de um conjunto de documentos
importantes para nós.»
«Eu já entreguei à polícia todos os documentos que tinha sobre o
meu marido.»
«Os documentos em causa estão num banco. Queremos que procure
essa informação e nos entregue a mesma.»
«Mas eu não tenho informação nenhuma!» Protestou Maria Eduarda.
O homem mascarado ficou em silêncio durante alguns segundos e
depois disse num tom frio e cortante.
«Procure os documentos. Seja rápida e prepare-se para receber um
telefonema nos próximos dias.»
«Quem me vai telefonar?»
«Jerónimo!»
Ela olhou-o nos olhos e viu uma frieza assassina. Naquele momento
teve a certeza que tinha que lhes entregar os documentos. Embora isso fosse
inevitável ela não resistia a saber o que estes continham. Essa foi a razão
porque não entregou de imediato o envelope que tinha encontrado.
«Agora vire-se e vai contar até cem, em voz alta e de forma
pausada.»
Maria Eduarda obedeceu mas ao fim de vinte começou a virar-se. A
palmada nas nádegas foi dada com violência produzindo um estalido estranho. A
dor causou-lhe uma sensação estranha. Ficou simultaneamente, com medo e excitada.
O melhor era não provocar o homem.
«Quieta. Eu disse para contar até cem. Agora vai começar outra
vez do zero.»
Quando chegou a cem voltou-se devagarinho, com receio de ser
novamente agredida. Quando viu que estava sozinha começou a gritar.
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