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A SALA DE EMBARQUE


A SALA DE EMBARQUE

A viagem tinha surgido de forma inesperada. A delegação de Camberra necessitava de um membro com a sua especialização e só existiam cinco em todo o mundo, estando todos os outros ocupados.
«Tens que ir três meses para a Austrália.» Tinha dito o chefe sem rodeios.
Provavelmente não existia uma boa altura para este tipo de deslocação quando se está casado, sobretudo durante os primeiros anos. No entanto, esta era, sem margem para dúvidas, a pior altura. Bruno ficou a olhar para o chefe sem dizer nada. Ele também sabia as dificuldades porque o seu casamento estava a passar. O facto de ter um filho com um ano de idade e de ir a casa apenas para dormir, quando ia, estava a por em causa a sua relação. A mulher já lhe tinha dado um ultimato. «Ou abrandas o ritmo e te dedicas um pouco à família ou não precisas de voltar para casa, nunca mais!» Aquela ausência significava uma promoção que traria consigo não só uma melhoria substancial em termos financeiros, mas também a possibilidade de dedicar mais tempo à família. Tudo isso era muito bonito mas estava dependente da compreensão e aceitação dela.
Sentado no banco do aeroporto ele refletia sobre a conversa com a mulher. A coisa não tinha corrido bem. Apesar de terem acordado que a ausência dele não significava uma separação definitiva, esta era a sua última oportunidade. Para além disso ela tinha-o ignorado desde o dia em que a conversa tinha tido lugar. Absorvido com os seus pensamentos não notou que estava a ser observado desde que se tinha sentado. A sua aparência dava nas vistas com facilidade. O corpo atlético e a estatura elevada eram só por si argumentos suficientes, mas os cabelos castanhos e os olhos verdes funcionavam para a mulheres como as lâmpadas para os insetos. Não era um homem bonito e até era ligeiramente desengonçado, mas tinha um charme que era um autêntico íman.
Levantou a cabeça procurando identificar onde era a casa de banho. Foi a primeira vez que os seus olhares se cruzaram. Bruno foi atingido por um raio! A intensidade do olhar dela era tal que parecia lançar dardos que o penetravam profundamente. Tão profundamente que lhe atingiam o coração. Ficou preso naquele olhar durante alguns instantes. O magnetismo dela era poderoso e ela exercia-o de forma ostensiva. A única forma de evitar ir ao seu encontro sem delongas era desviar o olhar. Dirigiu-se à casa de banho. Molhou o rosto, como quem lava o pensamento, tentando afastar aquela imagem perturbadora. O olhar dela tinha-lhe cativado toda a atenção. Apesar disso, a imagem com que tinha ficado era a de uma mulher bonita e elegante. Quando regressou, fê-lo por um caminho distinto. Queria ter oportunidade de a observar sem ser fulminado pelo olhar dela. Vista de trás ela era uma mulher com um corpo perfeito. A anca redonda e a bunda arrebitada denunciavam uma mulher latina. Os cabelos loiros caiam sobre os ombros e as costas, espalhando um brilho sedoso. Tão desejável que tornavam o ímpeto de os acariciar quase irresistível. O melhor era regressar. A sua bagagem tinha ficado ao cuidado do casal que estava sentado a seu ado e eles poderiam querer ausentar-se. Quando deu a volta à coluna teve a oportunidade de a observar de frente. Ela estava concentrada no telemóvel e não se apercebeu da sua aproximação. Era definitivamente uma mulher bonita e elegante. O rosto branco e sardento e os olhos azuis, denunciavam uma ascendência nórdica. Os seios, que teimavam em querer libertar-se da camisa branca, saltando pelo generoso decote, punham em evidência a sua presença, sem serem demasiado grandes. Deviam encher-lhe a mão. Exatamente como ele gostava! Parecendo adivinhar que estava a ser observada ela levantou o rosto e olhou-o de forma direta. Ele sorriu, meio sem jeito, num misto de desculpa e cumprimento. Ela correspondeu-lhe com uma piscadela de olho. Bruno sentou-se e o casal que ocupava os lugares do lado libertou o espaço. Ela, que se já dirigia em direção a ele, sentou-se a seu lado.
«Olá. O meu nome é Sílvia.»
Ele virou-se para ela e Silvia aproximou o rosto para o cumprimentar com dois beijos. Bruno não estava à espera do movimento e hesitou. A confusão momentânea que se gerou fez com que os lábios deles se tocassem. Foi um contacto muito ligeiro mas que produziu uma intensa descarga elétrica, sentida pelos dois. Por seu lado, o contacto dos lábios de um com a face do outro foi escaldante. Os corpos deles pareciam possuídos e instintivamente deram as mãos. Depois, como que realizando o que estava a acontecer, afastaram-se com alguma brusquidão. Bruno tinha as pernas a tremer. Não conseguia perceber aquilo que se estava a passar. Nunca tinha experimentado tal sensação. Olhou para o lado e percebeu que Sílvia sentia o mesmo. Olharam-se novamente. Um olhar pleno de desejo. Os seus joelhos tocaram-se. As pernas aproximaram-se uma da outra e acariciaram-se mutuamente. Ela segurou-lhe na mão e puxou-o para si com delicadeza. Os rostos aproximaram-se lenta e perigosamente. Estavam tão perto um do outro que os hálitos se fundiram. Por alguns instantes devoraram-se com o olhar, depois trocaram um beijo suave. A última barreira tinha sido ultrapassada. As bocas fundiram-se num beijo quente, húmido e selvagem. Os corpos tremiam de paixão e de desejo.
«Eu quero possuir-te agora!» Disse ele, com voz rouca.
«Segue-me!» Disse ela.
Ele seguiu-a como um cachorrinho. Mas a vontade de a possuir, uma e outra vez, davam-lhe uma emergia que o fazia sentir-se um super-homem. Olhou-a. As ancas, bamboleado na sua frente, de forma sensual, eram uma revelação. Iria sodomizá-la! Pararam em frente da porta de uma área reservada. Ela retirou uma chave do bolso e abriu-a. O espaço era mínimo e a única mobília era uma cama individual. Bruno estava verdadeiramente surpreendido, mas o desejo que sentia levou-o a ignorar os sinais de alerta que soaram no seu cérebro. Sem qualquer necessidade de palavras eles beijaram-se, de forma impetuosa e libertaram-se da roupa com sofreguidão. Ele penetrou-a de várias formas e em várias posições e ela demonstrou-lhe o quanto gostava disso. Quando a sodomizou e lhe bateu, deixando marcas momentâneas no corpo dela, ela correspondeu-lhe com manifestações de prazer ainda mais intensas. Nessa altura ela substituiu o inglês pelo árabe e gozou como ele vira poucas mulheres gozar, apesar da sua vasta experiência ao longo dos trinta e cinco anos de vida. Estavam os dois exaustos e ficaram deitados lado a lado. Como a cama era estreita ela rolou para cima dele. De forma lenta e carinhosa cobriu-o de beijos. Ele fechou os olhos gozando o momento. Ela estendeu-lhe os braços e fazendo pressão com os dedos massajou-o. Encolhendo-se, colocou-lhe as mãos o sobre o peito e esticando-se, num movimento de remador, massajou-lhe, repetidamente, o peito e os braços. Bruno ficou completamente relaxado. Tão relaxado que só se apercebeu das algemas quando ela parou de o massajar. Abriu os olhos para perceber o que se passava e deu de caras com o seu sorriso trocista. Nesse momento ele percebeu tudo e o seu olhar disse isso mesmo. Ela abanou a cabeça afirmativamente dando-lhe a entender que sabia que ele tinha percebido. Bruno estava algemado aos dois ferros que serviam de suporte à cama e que estavam fixados na parede. O pânico invadiu-o quando ela começou a revirar a mochila dele. Ela levou consigo o dinheiro, os documentos o bording pass e o telemóvel. Estava perdido! O pânico tinha-lhe tolhido os movimentos. Quando se preparava para fechar a porta ela lançou-se um último olhar. Ele estava com os olhos esbugalhados de medo e ela sorriu divertida. Depois dela sair ele concentrou-se e procurou recordar todas as lições que tinha recebido para aprender a libertar-se de situações como aquela. Depois de algum esforço conseguiu sentar-se com as costas encostadas à parede. Agarrou os ferros onde as algemas estavam presas e testou a sua resistência. Percebeu que se fizesse a força adequada eles iam ceder. Conseguiu pôr-se de joelhos e colocando os pés conta a parede fez força. Passado algum tempo conseguiu arrancá-los. Escondido no rebordo do fecho da mochila encontrou o instrumento que precisava para abrir as algemas. Por sorte ela não lhe tinha levado as roupas e não tardou muito estava de volta à sala de embarque. O embarque já tinha começado e não teve que procurar muito para encontrar o casal a quem tinha confiado a mochila.
«Como correu a operação?» Perguntou o homem.
«Sem problemas. Aqui está a mochila que ela revistou. Devem conseguir impressões digitais suficientes para a identificar.» Disse Bruno.
Ela tinha levado todos os papéis do projeto, com informações importantíssimas e comprometedoras. O que ela não sabia era que Bruno não era apenas um executivo altamente qualificado, que ela acabava de roubar, mas era também um agente que trabalhava para a secreta portuguesa. Quase Tudo o que ela tinha levado de relevante era falso, embora as coisas de importância menor fossem verdadeiras para tornar os documentos verosímeis. Mais uma missão cumprida.

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