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PROMESSAS DE FIM DE ANO


PROMESSAS DE FIM DE ANO

A história repete-se de forma inexorável! Aproxima-se um novo ano e somos invadidos por um fôlego renovado. Uma vontade rejuvenescida de mudar algumas das coisas da nossa vida. Promessas de mudança que fervorosamente fazemos e que, de forma ingénua mas genuína, nos propomos colocar em prática. Queremos deixar de fumar. Queremos fazer dieta. Queremos ter mais regras. Queremos quebrar as regras. Queremos deixar de beber café. Queremos levantar-nos mais cedo. Queremos estudar mais e ter melhores notas. Queremos ser melhores profissionais. Fazemos promessas relacionadas com uma grande variedade de coisas, com objectivos diversos e pelas razões mais díspares. Fazemos promessas porque queremos mudar. Queremos mudar coisas que entendemos não estarem bem, seja qual for a razão! Trata-se de uma lógica inquestionável. Assim, a razoabilidade e coerência deste raciocínio legitimam a questão.
«Porque razão a maioria das promessas não são cumpridas?»
Antes de avançar para o novo ano e, de forma voluntariosa, prometer mudar uma série de coisas, analisemos a razão porque as promessas dos anos anteriores falharam ou, se for esse o caso, porque tiveram sucesso. Não vou dar-vos receitas porque as desconheço. Cada um deve fazer a sua própria análise e chegar às suas próprias conclusões. Pessoalmente não sou muito dado a esse tipo de promessas por ocasião do ano novo. Tomo as decisões de mudança quando identifico essa necessidade, mas, ocasionalmente, aproveitei a data para tomar algumas resoluções. Independentemente do momento em que tomei decisões de mudança, o sucesso das mesmas esteve sempre ligado à mesma razão: acreditar. Assim, apesar da excepcionalidade de cada caso partilho convosco a minha perspectiva sobre o assunto. Numa análise retrospectiva, quer pessoal, quer das pessoas que me rodeiam, concluo que as promessas de fim de ano são, na maior parte das vezes, meras manifestações de intenção. Todos nós temos uma capacidade intrínseca de mudar e de nos adaptarmos, seja esta maior ou menor. Portanto, a questão do sucesso das promessas não está na existência dessa capacidade, nem na sua dimensão.
Mudar implica em primeiro lugar concluir que essa é uma necessidade vital para a nossa existência, ou seja: acreditar na mudança. Regra geral, a nossa existência é colocada em causa a dois níveis: o imediato e o mediato. No imediato, que enquadra um ciclo da vida, temos todas as questões associadas ao nosso ser físico: a saúde, a alimentação ou o bem-estar e com o nosso ser social/espiritual: o comportamento individual (em termos pessoais, sociais ou profissionais) e a pertença a um grupo (uma religião, um clube de futebol ou uma outra organização, quer esta tenha um caráter permanente ou efémero). No mediato, falo da percepção genética de que determinada mudança é vital para a sobrevivência futura da espécie. Assim, quer falemos de coisas profundas como a mudança genética que fez do homem aquilo que é hoje, com mudanças verificadas ao longo de milhões de anos, ou da simples decisão de deixar de tomar café, temos em primeiro lugar de reconhecer que essa mudança é vital para a nossa existência. A ausência deste reconhecimento prévio nas “decisões” de mudar, tomadas no fim do ano, são a razão fundamental do seu insucesso.
«Então porque as tomamos?»
Na maior parte dos casos trata-se de uma incorreta interpretação dos sinais recebidos do meio que nos rodeia e que determina, em última instância, o nosso comportamento. Ou seja, decidimos mudar porque percebemos que algo ou alguém nos está a solicitar essa mudança, independentemente de acreditarmos ou não nela. Quando o sucesso da mudança não está dependente, nem da vontade de terceiros, nem da bondade de mudança em si mesmo ou ainda do seu efeito benéfico para a nossa vida, mas antes de acreditarmos nela ou não. Ou seja, antes de interiorizar-mos que essa mudança é vital para a nossa existência. «O médico disse que eu devia deixar de tomar café.» Assumindo que o médico possui um conhecimento técnico profundo da questão e que fez uma recomendação fundamentada, essa decisão será benéfica para a pessoa em causa. Mas não basta o médico dizer, apesar da credibilidade que a opinião da classe tem na nossa sociedade. Nós temos de acreditar, de estar convencidos da bondade dos argumentos e, se assim for, deixamos mesmo de tomar café. Caso contrário, independentemente de fazermos uma promessa de mudança, de final de ano ou não, nada irá acontecer, pelo menos com caráter permanente.
Assim, será seguramente mais eficaz se analisarmos as mudanças que queremos fazer e selecionarmos aquelas em que acreditamos, focando nestas a nossa atenção e aí sim podemos prometer que vamos mudar, pois é isso que verdadeiramente queremos. Poupamos tempo e energia e garantimos o sucesso que é, em si próprio, um catalisador de energia positiva, garantindo por si só uma maior satisfação com as nossas decisões e consequentemente connosco.
No fim de ano que se aproxima esta é a minha sugestão. Não vamos deixar de fumar porque isso incomoda o parceiro ou a parceira e passar a gostar de futebol porque o marido gosta, ou passar a ver novelas porque isso agrada à mulher. Vamos fazer uma reflexão profunda, colocando sobre a mesa todas as mudanças que resultam de toda e qualquer solicitação, interna ou externa a nós próprios e tentar identificar as que  são importantes para nós e dessas, aquelas que acreditamos serem vitais para a nossa sobrevivência física e social. Apostemos nessas e a probabilidade de sucesso irá aumentar de forma exponencial.
Se não quer mudar nada na sua vida: parabéns, continue a ser como é e Bom Ano.

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