A JORNALISTA |PARTE III |CAPÍTULO 4 – O Rapto
Mónica tinha vencido a resistência inicial em aceitar a
investigação do novo caso. Isso iria dar-lhe oportunidade de provar que os
casos estavam ligados. Talvez ao investigar o segundo assassinato encontrasse o verdadeiro
culpado pelo primeiro, uma vez que estava convencida da inocência do Chef
Walker. Dada a total ausência de pistas, no local do crime e a pobreza dos
testemunhos recolhidos, decidiu focar parte da atenção no detetive Perestrelo. A
facilidade com que este se movia fora de Portugal era uma vantagem que ela não
tinha. A relevância desse aspeto prendia-se com o facto de ela acreditar que os
dois crimes estavam de alguma forma ligados a factos que tinham acontecido na
Austrália, alguns anos atrás. Ela tinha a certeza que ele e Anabela lhe escondiam
informação. Isso tinha ficado claro quando lhes mostrou a pista no conto do
Eça. Eles tinham percebido, tal como ela, que a assassina era uma loira, mas
calaram-se.
Perestrelo e a advogada acharam a informação sobre as origens da
presumível assassinada da advogada muito interessantes, sobretudo porque eram
coincidentes com as de Anne Kodiat. Eka Kodiat tinha casado com Laura Kearey,
uma inglesa, alta, loira de olhos verdes. Tinha um rosto bonito, mas um corpo
algo desproporcionado. Não havia nada de especial sobre ela: era uma dondoca. Perestrelo continuou a ler o dossier sobre a família Kodiat. A
participação maioritária na LBTCK representava uma parte ínfima da sua fortuna
que estava ancorada no transporte marítimo. Os rumores de que fazia algumas
transações menos legais nunca tinham sido provados e o seu estatuto social era
muito elevado. Restava Anne que era uma personagem misteriosa. Existiam
períodos da sua vida em que desaparecia da circulação. O curso de medicina,
tirado no Estados Unidos, não lhe tinha sido útil pois não exercia a não ser
pontualmente num ou noutra missão humanitária. O seu estilo de vida era
suportado por um fundo constituído pelo pai. O valor era absurdamente elevado
pelo que não o conseguiria gastar, muito menos com o estilo de via que levava.
Estava cansado. Arrumou os papéis no cofre e saiu.
O dia estava muito agradável. Decidiu ir a pé até ao café da
praça. Estava animado como de costume. Sentou-se na esplanada e arregalou os
olhos. A nova empregada era muito vistosa. A saia ligeiramente acima do joelho
mostrava um par de pernas bem torneadas. O resto do corpo não ficava atrás.
Bunda de mulata, cinturinha de modelo, seios salientes, e um rosto bonito. O
sorriso que dispensava aos clientes era quente e acolhedor.
«Boa
tarde.» Disse com um sotaque brasileiro e um sorriso rasgado.
Perestrelo ficou uns instantes calado, preso naquele sorriso
antes de devolver o cumprimento. Pediu um café e um copo de água. Não conseguiu
tirar os olhos das nádegas bamboleantes que pareciam dançar só para ele. Quando
ela se dobrou ligeiramente para recolher a loiça de uma das mesas ele mordeu o
lábio inferior e sentiu um arrepio de prazer. Quando ela chegou com o café
ficaram instantes a conversar. Aline tinha começado a trabalhar há dois dias.
Queria ser modelo na Europa, mas enquanto isso não acontecia tinha de
sobreviver. A empregada era de uma simpatia extrema. Durante a conversa ela
própria lhe colocou o açúcar no café. Perestrelo estava embasbacado! Ela foi
atender outros clientes e ele ficou a observá-la de longe. Era tempo de
regressar. Ao dobrar a esquina da praça começou a sentir-se tonto. Encostou o
braço à parede para se suster, mas o chão fugia-lhe dos pés. A princípio
agradeceu mentalmente a ajuda dos dois homens, pois não conseguia falar. Depois
apercebeu-se que o colocavam numa carrinha e partiam. Antes de se apagar
totalmente teve a clara noção de que tinha sido raptado.
A primeira sensação que teve foi que tinha levado uma surra.
Manteve a cabeça pendente e entreabriu os olhos. Doía-lhe a cabeça e o corpo e
tinha alguma dificuldade em concentrar-se. Percebeu que estava amarrado a uma
cadeira de costas altas. As mãos estavam presas atrás das costas e estas estavam coladas à cadeira por uma corda, que lhe apertava o peito. Os pés estavam
amarrados lateralmente às pernas da cadeira. Isso forçava-o a manter uma
posição firme, pendendo a cabeça para a frente. Os três homens aproximaram-se
dele. Sem dar a entender que tinha despertado tentou perceber o que diziam.
«O nosso amigo detetive deve estar a acordar.» Disse um.
«Com os solavancos que deu deve estar todo dolorido. Podias ter
tido mais cuidado!» disse outro.
«Querias que acolchoasse a chão da carrinha? A dor vai servir
para o manter focado. O pior vai ser a dor de cabeça que a droga que ela lhe
deu vai provocar.» Disse o primeiro.
«Deixem-se de tretas e despertem o homem. Precisamos de saber
tudo o que ele e a advogada sabem antes que a polícia desate à procura dele.» disse
uma voz feminina.
Quando um dos homens o segurou pelos cabelos para o levantar ele
estremeceu.
«Afinal o nosso herói já acordou. Estava apenas a fingir.»
A mulher aproximou-se dele lentamente. A estalada apanhou-o de
surpresa e a dor também. Tinha sido dada sobre o ouvido provocando uma explosão
dentro da cabeça. A mulher era uma profissional. Os seus carrascos vestiam
roupa preta e usavam máscara de ski e calçavam botas militares. Ele percebeu o
sarilho em que estava metido. Eles estavam a espera que Perestrelo lhes fizesse
grandes revelações, mas ele não tinha nada para lhes dizer porque nada sabia. O
problema é que eles nunca iriam acreditar nisso.
A primeira pancada surgiu de forma inesperada. Eles não tinham
gostado das respostas. A toalha encharcada bateu-lhe no rosto com uma violência
surpreendente. Ficou meio atordoado. O queixo estava quase sobre o ombro
direito quando recebeu a outra pancada. A dor era tão intensa que as lágrimas
brotaram dos olhos involuntariamente. Respirou fundo para controlar a dor, mas
eles não lhe deram descanso. Cada um do seu lado, revezaram-se e agrediram-lhe
o estômago com os nós das toalhas, como quem malha uma pilha de milho. Quando a
dor se tornou insuportável ele desmaiou.
«Eu acho que ele não sabe mais do que aquilo que contou.» Disse
um dos homens.
«Pode ser que assim seja, mas não podemos arriscar.
Administra-lhe o soro.» Disse a mulher.
Estava feito. Quando acordasse estava pronto para ser
“trabalhado”. Os carrascos afastaram-se. O soro iria demorar aproximadamente
trinta minutos, a fazer efeito. Quando regressaram despejaram-lhe vários baldes
de água sobre a cabeça. Despertou novamente. As primeiras perguntas foram
inócuas. Eles estavam a testar se ele dizia ou não a verdade, apenas para
perceber se o soro já estava a fazer efeito.
«Diz-nos que informação obtiveste na Austrália.»
«Já disse que apenas trouxe a morada da advogada que foi
encontrada morta antes de poder falar com ela.»
O soco atingiu-o na boca do estômago fazendo-o deitar cá para
fora tudo o que tinha ingerido na última hora. O cheiro a vomitado invadiu a
sala.
«Merda!» Disse um dos homens, ao ver as botas todas salpicadas.
«Que cheiro nauseabundo! Limpem essa porcaria.» Disse a mulher
dirigindo-se para o exterior.
«Quieta!»
Ela não fazia ideia de quem segurava a pistola cujo cano
pressiona a sua têmpora esquerda, mas só podia se da polícia. Assim sendo não
iriam disparar a sangue frio.
«Policia!» Gritou ao mesmo tempo que dava uma cambalhota para
trás.
Uma chuva de balas cobriu a retirada da raptora. Mónica Fonseca
e os dois colegas buscaram abrigo e depois avançaram com cuidado. Quando
ouviram as motos perceberam que os raptores fugiam. Entraram de rompante na
casa em ruínas que os raptores tinham escolhido e encontraram o detetive
amarrado à cadeira. Eles estavam de carro e não tinha como perseguir os raptores
através do pinhal
Logo em seguida chegou a ambulância, ao mesmo tempo que a
Anabela e Perestrelo foi assistido no local. Estava bastante machucado e foi
levado para fazer uma série de exames. Antes de partir quis saber como o tinham
encontrado.
«Um dos meus agentes estava por perto quando o detetive foi
raptado. Felizmente, teve tempo de colocar um GPS na carrinha, antes deles
fugirem.»
«Quer dizer que anda a seguir o detetive?» Perguntou a advogada
num tom imperativo.
«Deixa estar…» disse Perestrelo, colocando-lhe gentilmente a mão
no braço.
Mónica Fonseca deu-lhes espaço.
«Voltarei para recolher o seu depoimento.» Disse, afastando-se
com uma expressão preocupada.
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