Amor rejeitado: Take 3
Lurdes,
A
tua carta apanhou-me desprevenido. Olhei para o envelope atordoado e com raiva.
Fazia quase um ano que te procurava esquecer e a carta que tinha nas mãos
reavivava memórias muito dolorosas. Era como uma segunda traição. A fogueira do
amor, que durante muitos meses me consumiu e que tinha conseguido transformar
em apenas brasas, reacendia-se e a labareda toldava-me o espírito. Depois de
muitos minutos de contemplação e de experienciar os sentimentos mais diversos,
coloquei o envelope na gaveta do criado mudo. Como podia voltar a confiar em
ti? Tal como combinado fui ter com uma amiga.
Era
suposto ser uma noite especial, mas tudo correu mal. O meu coração sangrava por
ti. Essa era uma ferida que só tu tinhas o poder de sarar. A noite terminou
cedo e nenhum dos dois ficou feliz com o desfecho, mas gostava demasiado da
minha amiga para a enganar. Tinha decidido que não iria ler a tua carta e nem
sabia muito bem porque não a tinha destruído. A cama de casal, na qual me aconchegava
todas as noites, pareceu-me enorme. Num movimento não pensado, estiquei os
braços, como se esperasse encontrar alguém ao meu lado, mas o vazio foi a
resposta ao meu apelo mudo! Não consegui dormir. Aquele pequeno envelope,
fechado dentro da gaveta, agigantou-se e tomou conta do quarto e de mim.
Levantei-me e, sem conseguir controlar mais o impulso, rasguei o envelope e li
a carta com sofreguidão.
Entrei
em choque. Estendi-me na cama e fiquei a olhar o infinito. Estava perdido. A
tua carta era portadora da mensagem com que tinha sonhado desde que tinhas
partido. Mas tinha passado muito tempo. Demasiado tempo. A dúvida tinha-se
instalado dentro de mim e eu não sabia se confiava em ti o suficiente para me
voltar a entregar. «Mas tu ama-la!» gritava o meu coração. Claro que eu te
amava, na verdade, nunca tinha deixado de te amar. A dormir ou acordado, tinha
sonhado centenas de vezes que tu voltavas para mim. Quantas vezes eu imaginei
que regressavas para mim, confessando o teu amor e eu te aceitava de braços
abertos, para em seguida viver a frustração da tua ausência da minha vida.
Foram tantas as vezes, que deixei de acreditar que isso fosse possível. Apesar
disso, tu continuaste a povoar os meus sonhos, pelo menos aqueles que eu não
controlava. Nesses, eu continuei a passear na praia contigo, de mãos dadas.
Continuei a contar as estrelas, sob um luar prateado, enquanto os nossos
corpos, enroscados, se protegiam do fresco da noite. Continuei a dormir
abraçado a ti, com os nossos corpos encaixados e até cheguei ao extremo de
fazer amor contigo, apenas para acordar encharcado e viver mais uma vez a frustração
da solidão e do abandono. Claro que eu
te amava. Claro que eu te amo. E como eu te amo!
Apesar
disso, não é claro o caminho que devo seguir. Dentro de mim ardem dois fogos: o do amor, que
me consome o coração e o da dúvida que me consome a razão. Amar ou não amar,
essa não é a questão. A questão é confiar. É poder entregar-me novamente a ti
sem reservas. O cansaço tomou conta de mim e adormeci.
Os
dias que se seguiram foram muito difíceis. No entanto, o grau de exigência do
trabalho fazia com que o meu pensamento conseguisse resistir aos teus assaltos.
Mas as noites foram todas tuas e apenas quando o cansaço me vencia eu conseguia
adormecer. A tua carta passou a ser uma companhia inseparável e a sua leitura
obrigatória, várias vezes ao dia. Apesar disso, não conseguia tomar uma
decisão.
Hoje
decidi responder-te. Passaram dois meses desde que recebi a tua carta e muita
coisa mudou desde essa altura. Estou convencido da sinceridade das tuas
palavras e quero dar-te uma segunda oportunidade. Na verdade, quero dar-nos uma
segunda oportunidade. Agora, acredito que posso confiar em ti e que quero entregar-me
a ti. Não podemos nem devemos ignorar o passado. Ele existe e faz parte das
nossas vidas, mas temos de viver no futuro e para o futuro. Por isso a minha proposta é: vamos dar uma
nova oportunidade ao amor!
Com
carinho.
Tiago
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