O BILHETE
Com
os cadernos debaixo do braço ele subiu a escadaria do Liceu Camilo Castelo
Branco, em Vila Real. Vivia numa aldeia próxima e tinha vindo a pé. Tinha
vários irmãos e como estavam todos a estudar, tinham de poupar em tudo o que
era humanamente possível. Já estava com saudades das aulas! Era irónico que tal
fosse possível pois os jovens preferem as férias. Não era o seu caso. Tinha
vindo de Angola e, por falta de documentos, tinha ficado um ano sem estudar,
trabalhando na quinta, ao lado do pai, enquanto os irmãos iam para as aulas.
Estudar era, portanto, a parte fácil. Procurou a sala onde a sua turma tinha
aulas: Ala este, piso zero, sala seis.
Filipe
era um aluno acima da média, mas a sua atitude era de grande humildade:
esperava sempre encontrar alguém melhor que ele. Dado que tinha ficado um ano
afastado da escola estava com alguma expectativa em relação à sua adaptação,
mas confiante nas suas capacidades. Não tardou em destacar-se e no fim do
primeiro trimestre era não apenas o melhor aluno da turma mas também do ano.
Apesar da juventude o tempo passou muito rapidamente e quando se apercebeu, já
estava no nono ano de escolaridade.
Com
a chegada da primavera os alunos do liceu começaram a usufruir mais dos
intervalos ou dos furos do horário. O bom tempo a isso convidava. As raparigas
pareciam que ganhavam vida: desabrochavam como as flores! Ele já tinha reparado
na Maria do Loreto, mas nesse dia, ao olhar para ela, sentiu-se rendido. O
blusão de ganga, aberto mostrava a blusa branca que evidenciava uns seios
redondos e volumosos para a idade. Ela tinha ganho formas muito femininas desde
o início do ano! Os cabelos pareciam de ouro, devido à incidência do sol e o
rosto tinha uma luminosidade que a tornava ainda mais bela.
Maria
do Loreto tinha-se tornado mulher mais rápido que as colegas, sendo natural que
despertasse a atenção dos rapazes. Ele não era o único que olhava para ela e
sentia as pernas tremer e o coração a bater acelerado. Tinha de tomar coragem e
pedir-lhe namoro. Foi o que aconteceu a meio do terceiro período. Maria do
Loreto fez-se rogada.
«Não
sabia que sentias isso por mim... Vou pensar!» Disse de forma coquete, com um
sorriso pleno de promessas.
Filipe
ficou desarmado. Não percebia que ela não tomasse uma decisão imediata. Para
ele era muito simples: ou se gostava ou não se gostava! O irmão mais velhos
explicou-lhe que as mulheres pensam de uma forma diferente e que tudo era um
jogo. Para ele o amor não era um jogo, mas o que sabia ele do amor aos quinze
anos?
Passou-se
mais de uma semana e ela não disse nada. Para além disso passou a vê-la, com
frequência, na companhia de outros rapazes que ele sabia também estarem
interessados nela. A cumplicidade dos olhares e sorrisos trocados provocavam-lhe
dores de barriga e ele afastava-se, ignorando-a. O jogo prolongou-se durante
mais alguns dias para desespero de Filipe.
Começaram
os testes e logo no primeiro ele ficou
surpreendido quando percebeu que ela estava sentada atrás de si. Normalmente
sentava-se à sua frente e duas filas ao lado. A meio do teste sentiu um toque
nas costas e quando se virou ela entregou-lhe um bilhete.
“Meu
amor
Passa-me
a resposta à questão número cinco.
Falamos
a seguir ao teste”
Ele
leu o bilhete várias vezes. Aquela estranha declaração de amor era a resposta que
ele tanto ansiava, mas a forma como havia sido dada provocava-lhe náuseas.
Então ela andava há duas semanas a fazer jogo com ele e era durante um teste e
em troca de um reles copianço que ela lhe respondia. Não. Ele não cederia a tal
chantagem! Ao contrário do que ela esperava ele não lhe passou a resolução da
pergunta. A seguir ao teste eles tinham um furo de três horas e ele, logo à
saída convidou a Rita, uma colega muito simpática, para ir com ele andar nos
carrinhos de choque que estavam na Estação, em antecipação das festas de Santo
António. Os colegas estavam todos a meio do corredor a comentar o teste. Ele
chegou acompanhado da Rita e todos quiseram saber a opinião dele. Feitos os
comentários todos o grupo começou a dispersar.
«Vamos
falar?» Disse ela, com um ar meio triste e expressão de ansiedade.
«Não
posso. Convidei a Rita para ir andar nos carrinhos de choque.»
«A
Rita? Pensei que eu é que era a tua namorada.»
«Sobre
isso falamos depois. Agora vou com a Rita para a Estação.»
Foi
uma manhã muito divertida. A Rita era uma excelente companhia e parecia gostar
muito de estar com ele. Quando regressaram a Maria do Loreto estava de mão dada
com o Manuel Estrela. Filipe sabia do seu interesse por ela mas também sabia
que ela não gostava dele. Quando Filipe chegou ao pé deles dirigiu-lhes um
olhar interrogador.
«Eu e
a Loreto somos namorados.» Disse Manuel Estrela, num tom explicativo e
acabrunhado.
«Podes
esquecer-me!» Disse Maria do Loreto com altivez, desmentido com o olhar a
postura corporal.
Filipe
limitou-se a ouvir. O golpe foi duro mas ele estava preparado. Durante o tempo
que esteve com a Rita tinha tomado uma decisão: não queria namorar com uma
mulher que usava os sentimentos dele para o chantagear. No décimo ano eles
seguiram caminhos diferentes e Filipe acabou por esquecer aquele grande amor.
Passaram-se
vários anos e entretanto Filipe nunca mais voltou a ver a Maria do Loreto. No
ano em que terminou o Décimo Segundo, ele foi com o pai à procissão do Senhor
do Calvário, em Vila Real. Fazia parte de um grupo de catequistas da aldeia que
participavam na mesma. No fim da procissão encontrou a Rita. A jovem tinha-se
transformado numa mulher. Tinha formas esculturais e um rosto interessante, emoldurado por uns cabelos
castanhos. O que a fazia especial era o sorriso. Para além da luminosidade que
emprestava ao rosto fazia-lhes duas covinhas no rosto que lhe davam uma
sensualidade irresistível. Ela fez-lhe uma festa. Tinha arranjado emprego e
estava muito feliz. Quando lhe disse que ia para Lisboa para a faculdade ela
olhou-o com admiração e desejou-lhe felicidades.
«Esta
rapariga gosta de ti e é bem bonita.»
«Está
a ver coisas que não existem.»
O
pai de Filipe sorriu e não disse mais nada.
Ele
partiu para Lisboa e abraçou a nova vida com o seu caraterístico espírito de aventura.
Adaptou-se sem qualquer dificuldade, apesar de estar longe de casa e de apenas
visitar os pais no fim de cada trimestre. No fim do segundo ano estava de volta
a casa, como acontecia todas as férias. Utilizava a camioneta dos Transportes
Cabanelas por ser direta, mas mesmo assim
demorava sete horas a fazer o percurso.
Quando
se cruzaram ficaram alguns instantes sem saber o que dizer, a olhar um para o
outro. Fazia muitos anos que não se viam e as circunstâncias eram totalmente
distintas.
«Olá.
Não me digas que também estás em Lisboa?»
«Não.
Trabalho aqui.»
Ele
não percebeu o que ela quis dizer e o seu olhar refletiu isso mesmo.
«Sou
hospedeira do Cabanelas. Vou ser a tua assistente durante a viagem.»
Ele
sorriu de satisfação.
«Vai
ser a melhor viagem de sempre. Espero que tenhamos oportunidade de falar um
pouco.»
«Vou
ter contigo depois de estarem todos instalados.»
As
viagens eram normalmente uma seca. Estava realmente feliz com aquele
reencontro. Falaram muito durante todo o percurso e ele ficou a saber que ela
fazia aquelas viagens muitas vezes, sendo que ocasionalmente ficava em Lisboa
um fim de semana, pois ia na camioneta da sexta feira e regressava na da
segunda. Ele disse logo que quando regressasse em Setembro iria numa sexta
feira e depois fazia questão de a levar à praia no fim de semana. Ela aceitou.
Ele ainda insinuou que podiam encontrar-se durante as férias em Vila Real mas
ela não lhe deu nenhuma abertura para isso.
As
férias decorreram normalmente e ele não se lembrou mais dela. Apesar disso,
como combinado, regressou a Lisboa numa sexta feira. Lá estava ela. O conjunto
azul escuro realçava as suas formas. A saia pelo joelho mostrava umas pernas
grossas mas elegantes. O lenço colorido ao pescoço dava-lhe um toque de
elegância que prendia o olhar. A Rita tinha-se tonado uma mulher muito sensual.
A camioneta estava quase vazia e eles passaram o caminho quase todo sentados ao
lado um do outro. O primeiro toque foi involuntário. Ele poisou a mão de lado,
no assento, para se ajeitar e a mão dela estava lá. Ela deixou-a estar
suportando o peso dele. Filipe olhou-a nos olhos e ela correspondeu-lhe com um
olhar sensual. Gentilmente ele acariciou-lhe o rosto e beijaram-se.
«Temos
que nos conter porque eu estou a trabalhar.»
Filipe
acenou, confirmando que entendia e aceitava o argumento. No entanto, as mãos
não se largaram mais e ainda trocaram alguns beijos rápidos. Estavam
excitadíssimos e mal podiam esperar o momento de estar a sós. Foi o que
aconteceu quando a viagem terminou. Rita ficava normalmente na casa de um tio
que vivia em Odivelas, mas telefonou-lhe a dizer que ira passar o fim de semana
no hotel pois tinha um evento da empresa. O evento era real mas ela não foi
para o hotel. Filipe tinha um quarto na residência Alfredo Bensaúde, na Avenida
Estados Unidos da América e foram para lá. A residência estava praticamente
vazia e o colega de quarto dele ainda se encontrava de férias. Tinham o espaço
só para eles. Colocaram as malas no quarto e foram jantar. Foi um jantar
romântico e um prelúdio para o que viria a seguir.
Quando
chegaram ao quarto não contiveram mais o impulso. Libertaram-se das roupas com
rapidez e entregaram-se à arte de conhecer o parceiro. Era a primeira vez que
estavam juntos por isso fizeram da descoberta mútua uma aventura. Acariciaram
cada centímetro do corpo do parceiro, descobrindo novas e múltiplas sensações.
Foi um momento único! Beijaram-se. Primeiro suavemente, depois com intensidade
deixando que os lábios se devorassem e que as línguas se guerreassem numa
batalha ao som dos rufos de tambores até que, exaustas, se renderam ao prazer
do simples toque, roçando suavemente uma na outra. Os corpos entrelaçados recebiam
e davam prazer com a mesma intensidade. Amaram-se a noite toda, como se fossem
amantes desde sempre. Acordaram por volta das nove e amaram-se novamente.
Passaram o resto do dia na praia e sábado à noite voltaram a amar-se. Domingo
foi um dia especial e ele levou-a a Troia. Rita estava nas nuvens e Filipe
flutuava com ela. Domingo à noite foi a despedida. A forma como fizeram amor
foi mais selvagem que nos dias anteriores. Era como se os próprios corpos
adivinhassem que se iriam separar, agarrando-se desesperadamente um ao outro. A
paixão devorou-os até à exaustão.
Na
segunda feira ele foi levá-la ao Campo Grande, local de onde partia a camioneta
do Cabanelas.
«Aquilo
que aconteceu entre nós foi mágico. Eu gostava de fortalecer o sentimento que
nos uniu este fim de semana.»
«As
coisas não são assim tão simples. Eu sou uma mulher casada…»
«Como?
É agora que me dizes uma coisa dessas, depois do que se passou entre nós?»
«Eu
sempre te desejei e apesar de casada não te resisti. Agora o meu mundo está
virado do avesso.»
«Volta
para o teu marido. Eu não me sinto bem arruinando o teu casamento. A nossa
relação não tem futuro, pois não posso confiar em ti.»
Ela
olhou para ele com mágoa. Sabia que tinha de ser assim, mas secretamente tinha
esperado que ele lutasse por ela. No entanto, a expressão de desilusão no rosto
dele dizia tudo. A relação morria antes de ter verdadeiramente nascido!
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