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A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 1


A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 1 – A Acusação

Anabela Correia ficou em silêncio procurando absorver o significado da informação que o detetive acabava de lhe dar.
«Achas que devemos partilhar a informação com a polícia?» Perguntou Perestrelo.
«Não somos obrigados a isso. O melhor é guardarmos a informação até se perceber como a situação vai evoluir.»
«Amanhã vou falar com a cabeleireira. Ela não prestou muita atenção à mulher misteriosa, mas vamos tentar obter as linhas gerais do rosto par ver se fazemos um retrato robot.»
A cabeleireira tinha mudado de ideias. Não queria envolver-se no processo e recusou-se a colaborar. A mudança radical de postura deixou-o desconfortável, sobretudo porque a mulher estava mesmo assustada. «Aqui há gato!» Pensou. Entretanto o caso estava prestes a sofrear desenvolvimentos que poderiam vir a alterar a forma como a advogada e o detetive conduziam a investigação.
Mónica Fonseca tinha estado a trabalhar no relatório o dia inteiro. Depois de o enviar para o chefe e para o procurador foi para casa. A reunião só teria lugar no dia seguinte às quinze horas. Durante a manhã foi fazer umas diligências, mas não conseguia tirar o relatório da cabeça. Era importante que o procurador aceitasse as suas conclusões.
Quando chegou à reunião com o seu parceiro perceberam que o chefe dela e o procurador já lá estavam e aparentemente já tinham tomado a decisão. Ela sentou-se em silêncio e esperou que um deles falasse.
«Vamos avançar com a acusação.» Disse o procurador.
«Temos um novo assassinato em mãos, dentro do mesmo caso. É possível quem matou as duas mulheres seja a mesma pessoa o que poderá ilibar o Chef Walker.» Disse Mónica.
«As provas contra o Chef Walker são suficientes para obter uma condenação. Isso só por si é a evidência de que os crimes não estão ligados. A ligação destes está suportada apenas por uma informação dada pela advogada de defesa ora isso pode muito bem se um estratagema deles.» Disse o procurador.
«Faço notar que se a Anabela Correia tiver uma prova só que seja, que ligue os dois crimes, ira conseguir ilibar o seu cliente na hora. Este é um jogo muito perigoso.» Argumentou Mónica.
«Na verdade, não existem riscos. Se o Walker for culpado e, portanto, condenado teremos cumprido a nossa missão relativamente ao crime do palacete. Se a defesa do Walker provar a sua inocência, fornecendo evidência da ligação entre os crimes e ilibando o Chef Walker, nós ficaremos com a informação de que necessitamos para prosseguir com a investigação.»
Visto desta forma a posição do ministério público fazia todo o sentido, mas Mónica não estava convencia.
«O risco que existe é o de a informação que a defesa divulgar se tornar pública, bem como a ligação entre os dois crimes, o que não aconteceria se alargássemos a investigação sem divulgar a verdadeira razão.»
«A exposição pública e a pressão nacional e internacional, sobre este caso, é demasiado grande para recorrermos a esse tipo de artifício. A única forma de alargarmos a investigação e não produzir uma acusação é ter provas sólidas da ligação entre os dois crimes. A Mónica possui essas provas ou no mínimo garante que as consegue obter tipo numa semana?»
Fez-se silêncio.
«Não.» Disse ela simplesmente.
Ela tinha ainda alguns dias antes de se cumprirem todos os formalismos para a produção da acusação. Iria fazer uma última tentativa. Dirigiu-se para o seu posto de trabalho e teclou o número.
«Boa tarde. Eu gostava de falar com a Dra. Anabela Correia.»
Ela sabia que o contacto podia não produzir nada de positivo e que a colocaria numa situação de desvantagem do ponto de vista meramente relacional. Mas conseguia viver com isso. Naturalmente que não poderia infringir nenhuma regra. Combinaram encontrar-se no escritório dela.  Perestrelo também estaria presente e ela levaria o seu parceiro.
«Vocês estão conscientes de que se existir uma ligação entre os dois assassinatos que possa ser suportada por provas sólidas, o Chef Wlaker pode nem sequer ir a julgamento?» Perguntou Mónica
Eles assentiram os dos com a cabeça sem pronunciar uma palavra. «Estes dois não me vão facilitar a vida.» Pensou
«Com base nesse princípio e dentro de um espírito de colaboração total faria sentido partilharem connosco as provas que têm sobre a ligação entre os crimes»
Silêncio. Anabela parecia refletir naquilo que Mónica tinha acabado de afirmar.
«Concordo consigo e como a Inspetora disse teríamos todos o interesse na partilha dessa informação. O problema é que não a possuímos.»
«No entanto estão convictos disso.»
Anabela acenou na direção de Perestrelo.
«Os testemunhos que obtivemos na Austrália indicam claramente que a segunda vítima, que também era advogada, estava ligada às mortes das duas jovens turistas de Byron Bay. Estamos convencidos que a morte da jornalista também está ligada a esse facto direta ou indiretamente. Isto é tudo o que temos.» Disse ele.
Como prova, os testemunhos recolhidos eram muito frágeis e embora aumentassem a convicção de Mónica nem por isso melhoravam o suporte factual da mesma. O procurador ponderou os novos factos. O testemunho do australiano reportado pelo detetive Perestrelo era um facto relevante, mas apenas se tivesse sido obtido pelas autoridades. Em termos substanciais tinha sido estabelecida uma ligação, infelizmente esta não tinha qualquer validade em termos formais.

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