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SÉRIE CARTAS DE AMOR - Resposta ao amor não desejado


Resposta a amor não desejado


Luísa,

A tua carta surpreendeu-me. Surpreendeu-me e chocou-me. Senti-me incomodado por ser alvo de um amor tão intenso e devotado. Libertei-me do incómodo, enfiando a carta no fundo de uma gaveta e ignorando-a. Não iria responder-te. Esqueci-me da carta mas as palavras que escreveste não me largaram. Elas eram a semente de algo muito poderoso, que eu não identifiquei na altura, mas que encontrou em mim terreno fértil.

A relação do momento passou de questionável a insuportável. Fiquei só. A decisão foi minha mas eu próprio não conseguia perceber porquê. Sentia-me ansioso. Tinha a sensação de que me faltava algo que estava mesmo ali ao meu lado. Precisei de um documento e fui remexer na gaveta. Ali estava ela. A tua carta saltou-me para as mãos como se tivesse vida. De forma automática abri-a e li-a. Foi como se tivesse sido atingido por um raio. Não vou dizer-te que fiquei loucamente apaixonado por ti, mas as tuas palavras deram-me um conforto que não sentia, fazia algum tempo. A ansiedade desapareceu e nesse dia adormeci a pensar em ti.

Quando acordei senti que algo me picava o abdómen. Era a tua carta. Sentei-me na cama e li-a outra vez. Senti um desejo enorme de estar contigo. Olhei para o passado e revivi os momentos que tínhamos passado juntos, a maioria deles em grupo. Vi o carinho com que me olhavas e a expressão de prazer e admiração no teu rosto. O meu coração ficou apertado e tive saudade desses tempos. Senti uma vontade enorme de te telefonar, mas tive medo. Tu tinhas desaparecido sem dizer nada. Agora eu percebia porquê.

Desculpa por não ter tido por ti o respeito que merecias. Tu abriste-me o coração e eu ignorei por completo o valor do sacrifício que essa exposição representava. Deixei que o orgulho falasse mais alto, sem perceber a mesquinhez do meu comportamento. Permite-me corrigir esse erro. Nada pode alterar ou eliminar o passado, mas cabe-nos a nós decidir que futuro queremos viver.

Passaram três meses desde que voltei a ler a tua carta. Optei por não te responder logo porque não queria corrigir um erro do passado, cometendo outro no presente. Eu queria ter a certeza que queria estar contigo, para isso precisava de distanciamento do meu último relacionamento. Precisava de saber se o sentimento que crescia dento de mim não era apenas o resultado de uma solidão tola ou um capricho de um homem só.

Não sei qualificar aquilo que sinto por ti, mas sei que é genuíno e puro. Sei que tenho uma imensa vontade de te conhecer de verdade. Tenho vontade de me sentar a teu lado e partilhar contigo o passado e os desejos para o futuro, de ambos. Tenho vontade de correr contigo na areia e mergulhar na água fria do oceano, para emergir a teu lado, purificado dos erros do passado, entregando-me todo a ti. Tenho vontade de me sentar a teu lado a ver o pôr-do-sol, só nós dois, como se ele brilhasse só para nós. Tenho vontade de passear contigo, de mãos dadas, junto ao rio e ouvir as gaivotas gritar, anunciando ao mundo o novo casal de namorados.

Sim, eu quero namorar contigo. Não sei se continuas livre, não sei se continuas a sentir por mim o mesmo amor, não sei se me consegues perdoar a forma como te ignorei, só sei que quero namorar contigo. É a tua vez de me responder. Compreenderei e aceitarei se me ignorares, pois estou consciente de que é isso que mereço. Mas se também tu queres tentar construiu um futuro a meu lado, então vem namorar comigo.

Com carinho e muito respeito,
Pedro

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