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A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 4


A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 4 – A viagem

Perestrelo acordou de madrugada com um pesadelo que se repetiu várias vezes. Sem saber como, estava num avião que subitamente começava a cair. Quando estavam quase despenhar-se um desconhecido chegava junto dele e gritava, ao mesmo tempo que lhe dava um abraço
«Vem! O Amor Fraternal é a salvação.»
Quando o homem o libertava do abraço ele estava numa cidade desconhecida, onde todos o olhavam de forma estranha. Levantou-se lavou o rosto e foi até à cozinha. Eram seis da manhã, mas como não tinha sono decidiu ir até ao ginásio. Espreitou pela janela e pareceu-lhe que a rua estava livre. «Será que os “anjos da guarda” também dormem?» Pensou. Estava enganado. Mal virou a esquina ia chocando com um deles que ficou muito atrapalhado e se desculpou. Isso permitiu-lhe saber que era brasileiro. Não foi seguido até ao ginásio, mas quando regressou a guarda já tinha sido triplicada.
Tomou um pequeno-almoço reforçado e foi para o escritório. Pegou no papel com a charada e estremeceu com o pensamento. «O amor fraternal!» Disse em voz alta. No sonho, o estranho dizia que a salvação estava no Amor Fraternal e em seguida ele estava numa uma cidade. Perestrelo deu um salto na cadeira. A morada era em Filadelfia. Filadelfia era apelidada de “Philly ou City of Brotherly Love” o que em português significava “Cidade do Amor Fraternal”. Tinha dado um passo de gigante, mas ainda lhe faltava identificar a morada. Deu várias voltas ao papel, mas continuava sem soluções. Quando percebeu que sozinho não conseguia chegar à solução pediu ajuda.
«Bom dia Mónica.»
«Bom dia.»
«Ontem fiz uma descoberta interessante, mas dado o adiantado da hora apenas agora estou a partilhá-la.»
Mónica ficou calada por alguns instantes. Estava indecisa se devia ou não acreditar nele. Decidiu que iria acreditar. Não lhe agradava ficar de fora das descobertas, mas optou por não manifestar desagrado. A verdade é que não podia esperar que ele lhe ligasse a qualquer hora, do dia ou da noite, para lhe comunicar as descobertas em tempo real.
«Isso são boas notícias. O que descobriste?»
«Descobri um papel escondido o livro O Barão, mas preciso da tua ajuda para descobrir o significado da mensagem escrita.»
Passado meia hora ela estava à porta dele. Tinha ultrapassado a contrariedade inicial e estava bem disposta e animada. Tinham de decifrar o resto da charada.
«Colocar os pés em terra firme, significa que se deve aterrar em Filadélfia.» Disse Perestrelo.
 «Penso que isso, da forma como está escrito significa não apenas aterrar, mas que encontrarás o local mal o avião aterre. Isso significa que o local é perto do aeroporto...» Disse Mónica falando sozinha.
«Tens razão. Mas o que significam a Caixa e como identificamos o Item!» Disse Perestrelo.
«Não sei...»
«Penso que não se trata de uma caixa. O que o autor da charada pretende é que se encontre um lugar onde o Item possa ser entregue.» Disse Perestrelo
«Sim, mas o item tanto pode ser o que vais levantar como a carta que tens entre mão.»
«É isso. No entanto, o que é relevante é que precisamos de ir aos correios de Filadélfia, que devem ficar Perto do aeroporto, tal como dizes. Nota a expressão: Quando colocares os pés em terra firme procura a caixa”, isso só pode querer dizer que a tal caixa fica perto do aeroporto.»
«Para mim a expressão “caixa” que dizer correios.» Afirmou Mónica
Perestrelo recapitulou o que sabiam. Aquilo que a Anne pretendia era que eles fossem até ao aeroporto de Filadélfia, procurassem estação dos correios e pedissem para falar com o chefe. Seria ele que deveria revelar a localização do item.
Perestrelo partiu no primeiro avião que conseguiu. O voo para Filadelfia seria indireto, pelo que demoraria bastante tempo. No entanto, o que era relevante era que estava a caminho de mais uma descoberta. O chefe dos correios recebeu-o com sobranceria. Não estava à espera de ver chegar um português e isso fê-lo reagir de forma cautelosa. Aparentemente, ele era amigo da Anne e desde a sua morte que esperava o aparecimento de alguém a reclamar a mala. Depois de saber quem era Perestrelo e de tomar conhecimento dos desenvolvimentos da investigação, ficou mais tranquilo. Em qualquer caso ele tinha a obrigação de entregar a mala a quem lhe apresentasse o recibo, apenas queria ter a certeza que aquilo que estava dentro da mala ia contribuir para uma boa causa. O chefe dos correios informou-o de que deveria ir ter a casa dele, ao fim do dia e deu-lhe as instruções necessárias. Quando chegou a casa do americano percebeu que também este estava a ser vigiado. Depois de se encontrar dentro da casa, Perestrelo avaliou a situação, através da janela e percebeu que não tinham saída. Pensou rapidamente num plano para enganar os homens.
«Eu vou sair pela frente com uma mala e tu sais pelas traseiras com esta e vais despachá-la nos correios, endereçada a esta pessoa.» Disse Perestrelo, entregando-lhe um papel.
O americano achou o plano perfeito. Nenhum dos homens que o vigiavam percebeu o que se estava a passar, pelo que se deixaram ficar na parte da frente da casa, para isso contribuiu grandemente o facto de Perestrelo se mostrar, ostensivamente, junto à janela.
Perestrelo ora se mostrava visível, ora desaparecia. Manteve-se dez minutos no jogo do rato e do gato, levando os homens a camuflar a sua presença, depois abandonou a casa. Levava na mão uma mala preta. Eles viram-no sair e falaram entre eles. Perestrelo entrou no carro e partiu acelerado. Antes de chegar ao aeroporto foi intercetado pelos maus da fita e deixou que eles ficassem com a mala, fazendo grande alarido, mas sem oposição significativa. Entretanto os homens deixaram-no prosseguir viagem. Quando o chefe dos meliantes abriu a mala percebeu o erro deles. Entretanto, já o americano tinha despachado a mala verdadeira através dos correios americanos. Perestrelo já não saiu do aeroporto e aguardou pacientemente pelo seu avião. Aterrou em Lisboa, no dia seguinte e Mónica estava à espera dele.

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