A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 6 – Os Chineses
Li Cheng estava hesitante
sobre o momento adequado para a implementação da última alteração, que tinha
planeado. Ele não conhecia o negócio como o seu antecessor, pelo que precisava
de ter alguém de confiança a dirigir as operações, tal como acontecia com a
área financeira. No entanto, era crucial que fosse essa pessoa a sugerir e a
implementar algumas medidas sem perceber que estava a ser condicionado.
«À semelhança do que foi feito no Luxemburgo precisamos de rever
todos os contratos que temos. Não quero ser confrontado, em Portugal, com as
situações que tivemos no Luxemburgo.» Disse Li.
«Para além disso, precisamos de implementar um sistema de rotação
que nos garanta que não ficamos dependestes de determinado fornecedor ou
prestador de serviço.» Disse o diretor financeiro.
«No momento próprio eu já tinha manifestado as minhas
reticências a alguns contratos, pelo que estou completamente de acordo.» Disse
o administrador responsável pela operação.
Era o último ponto da agenda da reunião do conselho de
administração. Li viu no comentário do responsável pela operação a sua
oportunidade.
«Você conhece a empresa e a operação melhor que todos nós, por
isso fica encarregado do processo. Quando acha que pode trazer a este conselho
uma proposta?»
O responsável pela operação sentiu-se lisonjeado e mentalmente
tomou nota para considerar isso nas suas decisões pessoais. Entretanto, ficou
acordado que o assunto seria discutido dentro de um mês. Li ficou satisfeito
com o resultado. O objetivo de o substituir dentro de um mês tornou-se
perfeitamente possível.
Essa tarde teriam uma reunião com Jair de Lins. Ao contrário do
que tinha antecipado, a passagem de pasta estava a ser exemplar. O seu
antecessor fez um relatório muito esclarecedor sobre os negócios, tendo
levantado algumas preocupações sobre alguns contratos, nomeadamente com
entidades relacionadas com os acionistas maioritários. Li tinha aproveitado
isso para suportar a decisão de uma mudança radical, que iria inclinar a balança
a seu favor. Jair tinha feito a sua jogada, mas aparentemente o tiro iria
sair-lhe pela culatra. Os sócios maioritários solicitaram uma auditoria forense
à empresa e o resultado foi o esperado: Lins tinha que prestar contas sobre
alguns atos: a sua atuação no investimento negociado no Luxemburgo era uma
delas. Infelizmente para ele existiam várias situações semelhantes.
Quando foi confrontado com a situação Jair procurou revertê-la
usando a estrutura da própria empresa. Foi grande a surpresa quando percebeu que a fidelidade
destes era para com a empresa e não para com ele. Era irrelevante quão bem os
tinha tratado, ou as oportunidades que lhes tinha proporcionado. Nenhum deles
estava disposto a apostar a sua carreira para o defender. E aquele maldito
divórcio que não saía!
O desaparecimento do Chef Walker e do americano e o afastamento
de Jair de Lins fizeram com que os sócios maioritários redefinissem a
sua atividade em Portugal e isso levou ao afastamento dos seus homens do
terreno. Jair tinha que controlar as despesas pelo que reduziu a dimensão da
equipa. A simultaneidade destes acontecimentos fez com que os homens que
vigiavam Perestrelo se evaporassem. Infelizmente para ele, não se tinha
apercebido do facto porque não tinha saído de casa o dia todo. O telefone tinha
tocado de forma insistente, mas ele não o atendeu. Mónica Fonseca estava
irritadíssima! Ao fim do dia decidiu ir a casa dele. «Sempre quero ver a
justificação que me vai dar para não atender as minhas chamadas!» Dizia para
com os seus botões, com as mãos crispadas no volante. Ao fim de dez minutos a
tocar à porta começou a ficar preocupada, sobretudo quando a vizinha da frente
se manifestou.
«Ele nem sequer saiu à rua hoje. Deve estar envolvido em algum
caso muito especial…»
Depois da observação ficou à espera do comentário de Mónica, mas
esta limitou-se a acenar com a cabeça. A vizinha desapareceu por detrás da
porta, mas seguramente estaria a espreitar pelo monóculo. Cinco minutos depois
Perestrelo abriu-lhe a porta. Tinha vindo, desde o quarto, encostado à parede
para não cair e foi ela que o levou de volta para a cama. Estava com uma febre
altíssima e tinha dormido o dia quase todos sem se alimentar e sem se medicar.
Mónica esqueceu a sua irritação e tratou dele como uma boa enfermeira. Obrigou-o
a fazer uma chamada para a Multicare Online e foi diagnosticado e medicado. Depois
de aviar a medicação fez-lhe o jantar, obrigou-o a tomar um banho e a comer.
Apesar das olheiras profundas estava com um aspeto um pouco melhor. Ela
deixou-se ficar por ali até a toma seguinte da medicação e já passava da
meia-noite quando se foi embora.
«Volto amanhã de manhã.» Disse à laia de despedida.
«Obrigado.» Disse Perestrelo num tom sonolento.
Mónica sentia-se leve, parecia até estar feliz com a doença de
Perestrelo, mas na verdade o que a fazia feliz não era a doença, mas a
oportunidade de poder cuidar dele. Sorriu com esse pensamento. Perestrelo
deveria demorar alguns dias a recuperar pelo que a charada tinha de esperar por
melhores dias. Ela iria aproveitar para dedicar mais tempo aos outros casos. O
toque do telefone interrompeu-lhe os pensamentos. Olhou para o ecrã e franziu o
cenho.
«Estou sim, boa tarde»
«Boa tarde. Inspetora, desculpe estar a ligar-lhe, mas tenho uma
novidade para si.»
Mónica ficou em alerta. O chefe de segurança do palacete tinha
algo para lhe contar. O coração bateu mais acelerado na expetativa de que
aquela revelação pudesse representar um avanço na investigação.
«Os chineses estão a mudar toda a equipa e eu estou de saída da
empresa.»
«Obrigado pela informação. Já arranjou outro emprego?»
Ele disse-lhe para onde iria trabalhar e a chamada foi
desligada. A princípio ela não entendeu a relevância daquela informação. Ela
sempre suspeitara que ele não tinha contado a verdade toda sobre a mulher que
entrou no palacete pelo túnel subterrâneo. Este telefonema confirmava as suas
suspeitas. Tinha que voltar a conversar com ele.
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