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A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 7


 A JORNALISTA | PARTE VI | CAPÍTULO 7 - Maria Eduarda

Mónica colocou-se deliberadamente no caminho dele. Era importante que a iniciativa do contacto fosse do segurança.  Quando o miúdo desatou a correr ela viu a sua oportunidade e agiu. O choque foi inevitável. Mónica Fonseca colocou-se de costas para o segurança enquanto esfregava a canela. A pancada tinha sido com mais força do que antecipara. O segurança chamou o filho e repreendeu-o.
«Boa tarde inspetora Mónica. Pede desculpa à senhora inspetora.»
«A criança não teve culpa. Eu é que me coloquei no caminho dela.»
A esposa do segurança entrou na loja com o filho enquanto eles ficaram ali à conversa. Ela bem tentou tirar nabos da púcara, mas não obteve qualquer informação relevante. Pelas bandas do palacete da Lapa existia uma revolução em curso, mas quanto aos mistérios da casa, nada.
«Como já lhe tinha dito a mulher tinha o rosto tapado, mas pelo reflexo de um ou outro cabelo solto eu diria que talvez seja loira.»
«Tem a certeza?»
«Bom, eu não vi o cabelo dela mas os cabelos soltos eram loiros. Disso tenho a certeza.»
A Anne era morena por isso a mulher do palacete não podia ser a Anne.
«Isso não quer dizer nada.» Disse Perestrelo do outro lado do telefone.
«O que queres dizer com isso?»
«Ela pode muito bem ter pintado os cabelos. O segurança apenas viu o reflexo de dois ou três cabelos.»
Apesar da informação não ser clara Mónica estava convicta de que a mulher do palacete não era a Anne.
Depois da última visita de Jair, Maria Eduarda tinha decidido desaparecer. O seu advogado arranjou-lhe um pequeno apartamento alugado onde ela ficou escondida durante algum tempo, enquanto procedia à recolha dos documentos necessários para expor o marido.
«Podemos marcar a reunião com a inspetora.» Disse ao advogado.
Mónica Fonseca foi acompanhada de dois colegas. A verdade é que não confiava muito naquela gente. A sua desconfiança tinha fundamento, embora o alvo dos seus atos não fosse a polícia. Maria Eduarda apenas queria expor o marido, para ganhar vantagem no processo de divórcio. Apesar disso, as autoridades portuguesas não podiam ignorar a quantidade de provas que lhes estavam a ser entregues, de forma legal e com um formalismo que os condicionava. Havia ali material para condenar Jair dez vezes. Os crimes mais graves tinham sido todos cometidos no Brasil.
«Isto é matéria, sobretudo, para a polícia brasileira. Porque não entregaram isto no Brasil.» Questionou Mónica Fonseca.
Nessa altura o advogado apresentou a prova de entrada em Portugal de uns milhões de euros cuja origem não tinha sido devidamente justificada, podendo configurar um crime de branqueamento de capitais. Mónica Fonseca entregou os documentos na Unidade de Informação financeira da Policia Judiciária e os restantes foram enviados para as autoridades Brasileiras, ao abrigo do protocolo de cooperação entre os dois países. O caso foi parar às mãos do inspetor Marcus Vinícius, que tratou de construir um caso sólido, o que não foi difícil, dada a informação que já tinha na sua posse. A troca de documentação entre as duas autoridades tinha facilitado o contato direto com Mónica Fonseca e ele tinha-o utilizado diversas vezes. Mas a informação oficial circulava por canais próprios. Isso não impediu que ele ficasse a saber informalmente que Jair iria ser preso em Portugal, sob a acusação de branqueamento de capitais. Estava na altura de preparar o processo de pedido de extradição. As autoridades do Brasil prepararam tudo para ele ser acusado no Brasil durante o período em que iria estar preso em Portugal de forma a evitar a sua fuga para outro país. Isso iria dar-lhes tempo para obter a aprovação do pedido de extradição. Jair tinha que ser julgado no Brasil.
Com Jair preso, Maria Eduarda passou a mover-se livremente. Precisava de fazer um levantamento de tudo o que o marido possuía, para isso tinha que conseguir aceder ao cofre dele. Mudou-se para a casa deles, deixando o apartamento alugado. Afinal ela era a esposa dele e aquela era a residência oficial do casal. Se existia algum cofre ou esconderijo na casa ela ia descobri-lo. Tinha começado a caça ao tesouro! Foi uma busca inglória. A casa não escondia nenhum segredo. Tanto melhor. Ela tinha a certeza que ele tinha acesso a dinheiro em contas só dele ou em cofres, onde poderia também guardar documentos, mas essa informação não estava ali.
Sentou-se no sofá da sala e pôs-se a admirar a serigrafia do Cargaleiro que o marido tanto gostava. Por alguma razão ela estava meio torta. Tentou endireitá-la, mas ela teimava em retornar à mesma posição. Retirou a tela da parede e reparou que os pernos metálicos que seguravam o revestimento das costas do quadro não estavam direitos. Virou o quadro para os ajeitar e sentiu que algo se tinha movimentado no interior deste. Abanou-o com algum cuidado. Definitivamente existia algo que estava entre a serigrafia e o revestimento traseiro. Abriu-o e encontrou um envelope. Afinal a casa sempre guardava um segredo. O envelope continha uma chave e um papel. O papel indicava o nome do banco, onde estava o cofre e a palavra-chave.
Maria Eduarda guardou o documento e a chave na bolsa secreta da sua carteira e enterrou a informação na sua memória. Por agora ninguém podia saber que aquele cofre existia, seja o que for que ele contenha, e muito menos que ela sabe da sua existência. Depois do divórcio concluído tratará do assunto.
Entretanto os Badour e os Kodiat retiraram “as tropas” do terreno. Aparentemente, ninguém acreditava que a polícia portuguesa conseguisse concluir a investigação de forma a encontrar os responsáveis pelas várias mortes. A isso acrescia o facto da morte de Scott Taylor ter deixado a polícia sem pistas sobre os verdadeiros mandantes do tráfico de armas. Ele era o único elo de ligação com a rede internacional e os seus homens nada sabiam. Por seu lado, as armas pareciam ter “nascido” em Leira, no armazém onde foram encontradas.

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