A QUEDA
Cabelo: Um enfeite
ou parte de nós?
Um cabelo despontou. Olhou à
sua volta e arregalou os olhos. Estava só, na imensidão daquela superfície lisa
e calva que se assemelhava a um deserto. Ligado para a vida, à superfície que lhe deu vida, estava preso. Era essa a sua natureza. «Que agitação! Será que não consigo descansar
um pouco?» Interrogou-se. Com o embalo adormeceu e não se apercebeu da acalmia
que acompanhou o seu sono. Acordou. À sua volta muitos outros cabelos haviam
despontado. Não tardou que fossem milhares encostados uns aos outros, com uma tonalidade
castanha e um brilho e vivacidade invejáveis.
Desde muito novo que se
habituou a suportar os banhos de água quente, a ser esfregado, amassado,
friccionado. Enfim, sujeito a todo o tipo de tratamentos, apenas para gáudio e embelezamento
da cabeça onde estava condenado a viver. Fazia parte do crescimento, da sua
educação! A tesoura avançava inexorável. Afiada e veloz cortava todos os
cabelos. «Porque é que tinham que ter todos o mesmo tamanho? Porque não podiam
ser grandes?» Eram perguntas sem resposta. Até aos cortes periódicos ele se acostumou.
Virava-se para a esquerda, para trás, para a frente. Umas vezes seco, outras,
molhado, sujo ou lavado e perfumado. Todo suportou sem se queixar e sem uma
palavra de apreço. Bem disposto, forte, viçoso e brilhante. Um comportamento e
performance exemplares!
A sua vida não melhorou, mesmo
quando ficou branco e perdeu o brilho. A intensidade dos tratamentos aumentou.
Foi enxertado, pintado, passou por uma autêntica reciclagem. Nada resultou. O brilho
e o viço tinham desaparecido. Agora ouvia reclamações, desaforos e uma
constante reprovação. Ele era o responsável por tudo o que estava mal, quando nada
podia fazer para alterar a situação. O cabelo simplesmente estava velho. Um dia
ao acordar sentiu-se livre e, esvoaçando, suavemente, caiu no chão. «O meu
cabelo!» Gritou o homem. Antes de repousar no chão ele ainda viu a lágrima que
brotou no canto do olho. Era o fim. «Foi preciso partir para ter valor e ser chorado!»
Pensou. Essa era a sina da vida.
Comentários
Enviar um comentário