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LINHAS TROCADAS




LINHAS TROCADAS

Ciúme: o veneno do amor

Luísa e Madalena eram duas gémeas, filhas de um coronel militar de temperamento austero. Apenas aos dezoito anos ganharam alguma liberdade para sair, mas mesmo assim sentido o controle apertado do pai. Madalena era a mais bonita, mas as ambas tinham o cabelo castanho claro, olhos azuis e um corpo de guitarra. O que lhes faltava em perfeição física era compensado em jovialidade e boa disposição. Onde elas estivessem não tinha lugar a tristeza.
Fazia algum tempo que Madalena namorava com o Jorge, embora Federico disputasse também o seu coração. Jorge era um rapaz simples e de origens humildes, que subestimava quer o seu aspeto físico, quer as suas capacidades. Por sua vez, Frederico era um jovem nascido numa família abastada, jogador de rugby, baixo e entroncado, com espírito conflituoso, mas convencido que era o maior. Apenas graças à arte do Jorge, em evitar conflitos, não tinham ainda chegado a vias de facto. Apesar de tudo isto, Madalena era amiga de Frederico e ele tinha sido o seu primeiro namorado. Frederico vivia despeitado por Madalena o ter trocado por outro. Jorge vivia atormentado pelos ciúmes, com receio que ela voltasse para o Frederico.
Jorge desabafava muitas vezes com a Luísa que não se cansava de lhe dizer o quanto a irmã o amava.
«Tens de te livrar desse ciúme doentio. Olha que isso pode dar cabo da relação.» Dizia-lhe Luísa.
«Eu sei, mas amo-a tanto!» Dizia de forma invariável o Jorge.
Naquele dia tinham combinado encontrar-se na Choupana, na Av da República. Jorge vinha pela João Crisóstomo quando os vislumbrou lá ao fundo. Luísa estava encostada à esquina e Frederico colocou-lhe a mão no pescoço. Luísa levantou a mão direita como para o acariciar. Jorge não quis ver mais nada e deu meia volta. A dor que sentia no peito era dilacerante. Voltou para casa, na Elias Garcia e fechou-se no quarto. Chorou a sua dor como se fosse o fim do mundo. Era o fim do seu mundo!
Aquilo era um pesadelo. Era o pesadelo que ele mais temia. «Como é que ela fora capaz, depois de tantas juras de amor?» Pensou. O telefone tocou pela vigésima vez e ele rejeitou a chamada. «Se ela pensa que fez aquilo que fez e depois volta para mim está enganada.» Pensou. A sua mente não parava de pensar naquela cena, de pensar nela. Estava completamente perdido. Dilacerado pela dor, começava a ter dúvida se não devia responder às chamadas. O telefone tocou mais uma vez. Era a Luísa. Atendeu.
«Estou?» Disse ele, cauteloso.
«Jorge preciso da tua ajuda.» Disse ela.
Não queria que o assunto fosse a Luísa, mas elas eram gémeas... por isso tudo podia acontecer.
«Está tudo bem contigo e com a tua irmã?» perguntou.
«Claro que está tudo bem. Que raio de pergunta é essa. É sobre um rapaz.»
Combinaram encontrar-se na Versalhes. Jorge ia ajudar a amiga, mas antecipando a possibilidade de a irmã também lá estar ia ensaiando o discurso. Não lhe iria perdoaria por muito que lhe custasse. Ela iria ouvir umas quantas verdades. Na esquina com a Av da República ouviu distintamente a voz das duas irmãs. Luísa estava completamente fora de si e explicava à irmã que o Frederico tinha tentado beijá-la e que ela fora obrigada a esbofeteá-lo. Tinham ficado de relações cortadas.
«Para agravar a situação, tinha ficado de me encontrar com o Jorge na Choupana e o parvo não apareceu, nem atende o telefone.»
Luísa ia começar a dizer que tinha combinado encontrar-se com o Jorge, mas, como que por encanto, ele estava ali ao aldo delas. Jorge explicou a Madalena o que se tinha passado. Silêncio. Ele ficou à espera de uma reprimenda e de a ver dar meia volta.
«Tens que aprender a ter confiança em mim meu amor.» Disse ela, abraçando-o com carinho.
Ele retribuiu o abraço e cobriu-a de beijos. Ficaram assim alguns instantes depois a Madalena partiu. Tinha ginástica e não podia ficar. Jorge seguiu com Luísa para a Versalhes. «Quem ama tem de confiar. Mais do que confiar, eu não posso desconfiar!» Pensou.



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