O
APARO
Os falhanços são degraus
da escada da vida. Cada um decide como os enfrenta.
Um aparo tinha acabado de
nascer. Ainda na linha de montagem, enquanto ganhava forma, já prestava atenção
a tudo o que o rodeava. Foi aí que nasceram os primeiros sonhos. Ele queria ser
escritor! Uma caneta, alvíssaras por uma caneta! O aparo bem protestava mas
teve que esperar, teve de aprender, teve de estudar, até dominar a técnica de
se acoplar a uma caneta. O jovem e impulsivo aparo mal podia esperar por esse
dia. Devorara todo o conhecimento, dominava todas as teorias, era um As!
Certa manhã, sem aviso prévio,
foi acoplado a uma caneta: jovem, elegante, brilhante, os dois formavam um
conjunto imponente. À sua frente estava uma folha de papel em branco. Nesse
momento ele reviu os grandes escritos, desde o tempo dos papiros até à atualidade.
Mentalmente, recordou todos os grandes artistas. Ele seria como eles! A concretização
dos seus sonhos estava a dois passos de distância. Com sofreguidão, mergulhou no tinteiro e dirigiu-se
para a folha de papel. Caiu. Tropeçou e caiu sobre a folha de papel, deixando apenas
um enorme borrão de tinta.
Chorou. Desanimado, triste e
desiludido consigo próprio. Afinal não tinha vocação para escritor. Ao seu lado
vivia um velho aparo, já gasto de tanto uso. Vivia de forma tão recatada que ninguém
dava por ele.
«Que
se passa meu jovem?»
«Eu
queria ser escritor, mas nem uma letra fui capaz de escrever, borrei logo a folha
de papel. Sou um falhado!»
«Tens
ainda muito que aprender. Olha à tua volta. Repara em todos os escritos com
mais ou menos valor literário. Quantas folhas achas que foram borradas para
eles serem produzidos? Quantos aparos, famosos pela escrita, não foram ajudados
por muitos outros que ficaram no anonimato?»
«Quer
dizer que existem aparos que só dão o nome aos seus escritos?»
«Não
é bem assim, mas em muitos casos, entre aquilo que eles realmente escrevem e o produto final publicado existe muita ”composição".»
«Quer
dizer que devo encontrar alguém que escreva por mim?»
«NÃO.
Nunca!»
«Então?»
«Por
trás de um escrito de qualidade está muito trabalho. Estão muitas tentativas,
muitos falhanços. É isso que precisas de saber.»
«Quer
dizer que devo focar-me não nas vezes que falho mas sim em ter sucesso?»
«Só
tu podes responder a essa pergunta.» Disse o velho aparo, afastando-se com um
zorongo.
O jovem ficou a vê-lo
afastar-se. «Meu Deus, é exatamente o estilo do escrito que acabei de ler. Será
possível?» Pensou.
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