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ISSO É AMOR MIÚDA




ISSO É AMOR MIÚDA!

A espera tinha sido mortificante. Os cinco minutos pareceram-lhe uma eternidade. «Como é que ele vai reagir» Pensou. Quando o vislumbrou ao longe a sua inquietação aumentou. Era o momento de colocar um fim àquela situação.

Laura era uma mulher possuidora de um corpo escultural com uma figura que beneficiava muito dos cento e setenta e três centímetros de altura. O conjunto formado pelos cabelos e olhos castanhos e pela face apresentava um certo desequilíbrio. Não era uma mulher bonita. No entanto, quando sorria tudo o resto se tornava irrelevante. Ficávamos presos, encantados, completamente rendidos. Nascida numa família rica e com ascendentes nobres, possuía uma inteligência mediana, mas era dona de uma personalidade vincada e escondia as suas fragilidades atrás de uma atitude superior, que condenava ao fracasso a maior parte das suas relações.

O dia em que conheceu Manuel ficou gravado na sua memória de forma indelével. A indiferença cortês com que ele a tratou despertou nela um misto de aversão e interesse que nem ela própria conseguia explicar. Conquistar aquele homem, para depois o humilhar e rejeitar, tornou-se uma obsessão. Na sua cabeça imaginou milhares de formas de o colocar a seus pés rendido, para depois lhe virar as costas. A única amiga com quem partilhou o assunto teceu os maiores elogios a Manuel.

 «Ele é um homem fantástico. Embora não seja bonito, tem um charme e um humor extraordinários. É inteligente, um homem de sucesso e ainda por cima poeta!»

«Não sei como vês isso tudo no baixote!» Respondeu Laura despeitada ao ver o entusiasmo da amiga.

«Se eu não te conhecesse diria que está apaixonada!» Respondeu a amiga.

«Estás parva!» Disse Laura com desdém.

A verdade é que cada vez que ela julgava tê-lo sob seu domínio ele encontrava uma saída airosa e, sempre com um grande humor, dava a volta à situação, deixando no ar: um interesse implícito, numa brincadeira explícita. «Ele é demasiado inteligente para mim.» Pensou Laura. Passaram-se semanas e depois meses e Laura não conseguia os seus intentos, mas também não conseguia libertar-se daquele homem. Ele ocupava constantemente os seus pensamentos. Ela estava confusa e irritada! Não conseguia perceber a razão de tudo aquilo. «Já não suporto mais isto. Se não consigo dar-lhe uma lição o melhor é cortar relações de uma vez por todas!» Pensou.

O encontro foi marcado para um café. A resolução dela era inabalável. Iria dizer-lhe o que pensava dele e depois disso ele seguramente partiria para sempre. Quando ele se sentou na sua frente, naquele dia quente de verão, o sol começava a pôr-se  e a magia do crepúsculo invadia o local. Ela queria falar, mas subitamente faltavam-lhe as palavras.

«Pedi-te para nos encontrarmos porque percebi que querias falar comigo.» Disse ele.

Silencio. Laura revolveu as mãos. Nervosa. Insegura.

«Que raiva! Tinha que ser ele a ter a primeira palavra. Que estranho nunca tinha percebido que ele era tão interessante. Tonta. Deixa-te disso e acaba com o assunto de uma vez por todas.» Pensou. Ficaram alguns instantes a olhar um para o outro. Ela sentia-se perdida no olhar dele. Era como se o seus olhos fossem um oceano no qual ela mergulhava e se afundava, mas ao invés de se afogar sentia um conforto e um bem estar indescritíveis. De forma instintiva aproximou a mão das dele e tocou-lhe. A descarga elétrica foi sentida no mais profundo do seu âmago. As pernas tremiam-lhe e ela não sabia o que fazer. Manuel não disse nada e, de forma gentil e suave, segurou-lhe a mão. Os tremores aumentaram de forma exponencial, mas ao fim de alguns segundos ela acalmou-se e retribuiu o carinho. O beijo surgiu de forma natural. Primeiro muito suave e superficial, depois intenso e devorador. Os seus corpos ardiam num fogo sem chama que os consumia.

«Vamos sair daqui.» Disse ele com uma voz rouca de desejo.

«Sim. Os meus pais estão fora. Podemos subir.» Disse Laura.

O tom da sua voz soava de forma estranha, como se fosse uma desconhecida. Um estremecimento percorreu-lhe o corpo num arrepio de frio e prazer. Laura vivia no terceiro andar. Saíram do café pendurados um no outro e dirigiram-se para lá. O mundo tinha deixado de existir. Apenas eles importavam. Apenas eles existiam. Cada beijo, cada toque, tinha um sabor novo e provocava sensações maravilhosas. Ela explorava terreno virgem. Descobria um mundo novo. Mas o que não imaginava era que ele partilhava exatamente os mesmos sentimentos. Caminhavam pois de mãos dadas à descoberta do maravilhoso mundo novo da paixão. Sem reservas nem acanhos exploraram o corpo do parceiro. O contacto físico era eletrizante! Cada toque, cada beijo, cada gesto desencadeava um novo mar de sensações. Quando se entregaram finalmente um ao outro os seus corpos explodiram de prazer, fazendo a terra tremer. Saciados, mas sedentos de amor abraçaram-se.

«Consegues explicar porque é que eu achava que te tinha tanta aversão?» Perguntou Laura.

«Isso era amor, miúda.» Disse ele com aquele sorriso carinhoso e brincalhão.


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