O
AMIGO
A amizade não tem
preço nem obedece a uma contabilidade a não ser a dos afetos!
A distância que os separa continua
a ser a mesma que era há dez anos atrás. A relação, essa sofreu a erosão do
tempo e dos factos!
Estávamos em 2007. Portugal
vivia um momento eufórico. A sensação geral era de que existia dinheiro para
tudo. Foi uma sensação que saiu cara a muitos portugueses! Patrick era um gestor
bem sucedido, com uma formação sólida e uma carreira estável. O telefonema foi
uma agradável surpresa. Ao ver o nome associado ao número a sua memória recuou
ao final dos anos setenta.
Patrick e Faustino eram os
melhores amigos. Conheceram-se em Viseu, terra natal dos dois, no nono ano e
apenas se separaram quando Patrick foi estudar para Lisboa. Faustino seguiu o
seu exemplo no ano seguinte, tendo ido para o Porto, depois de um ano a
melhorar a média. Apesar da distância a sua amizade manteve-se forte e sempre
que podiam estavam juntos. Inevitavelmente, nas férias, em alguns fins-de-semana
em Viseu e nos grandes eventos, como o casamento de um e outro. Apesar da
distância bastava um telefonema para os ligar de imediato, embora estes fossem
cada vez mais raros, depois de Patrick ter sido o único amigo a discordar do
negócio. Faustino era casado com uma professora primária que estava habituada a
ter um nível de vida muito acima dos seus rendimentos, mas sobretudo entendia
que ser dona de um negócio significava viver sem trabalhar. Sim porque
trabalhar como professora ela nunca quis. Faustino foi alimentando essa ilusão.
Era um homem apaixonado e Rita era uma mulher fabulosa: linda, elegante e dez
anos mais nova que ele. Enquanto o custo necessário para sustentar os sonhos de
empresária de Rita não colocou em risco o património dos dois, Patrick
absteve-se de qualquer comentário. O novo projeto era megalómano. O
investimento inicial implicava a hipoteca das duas casas e o custo do franchise
exigia um volume de negócios mensal na ordem do vinte mil euros. O valor era difícil
de atingir, mas com Rita ao leme era totalmente inalcançável! Patrick foi o
único amigo que não apoiou a ideia. Aliás Patrick foi mais longe e manifestou
abertamente a sua discordância. Rita nunca lhe perdoou e isso arrefeceu a
relação com o amigo.
«Faustino.
Há quanto tempo! Nos últimos dois anos não tens respondido às minhas chamadas…»
Silêncio.
«Faustino
estás aí?»
O som de um soluço abafado
causou-lhe um aperto no peito. Patrick respirou fundo antes de voltar a falar.
«O
que se passa Faustino?».
«A
minha vida está um caos.» Disse Faustino, entre soluços.
Patrick manteve-se em silêncio
e deixou que fosse o amigo a falar.
«Preciso
de ajuda. Toda a gente me abandonou. Todos os que me apoiaram e até
beneficiaram de descontos ou ofertas deixaram de me atender o telefone.»
Patrick pensou muitas
coisas. Todas elas pouco agradáveis mas puras verdades. «Não. Não é o momento
para o criticar. Neste momento tenho de o apoiar.» Disse para com os seus
botões. Respirou fundo para tentar disfarçar o embargo na voz.
«Qual
é a ajuda que precisas?»
«O
meu negócio está falido e no local onde está nunca vai ter sucesso. A marca
está a dar-me a possibilidade de mudar o negócio para o Porto. É a minha oportunidade
de recuperar.»
«Quem
vai gerir o negócio?»
«Sou
eu. Essa é uma das razões porque tem de ser no Porto. Eu tenho de estar perto
do negócio?»
«Tens
consciência que, por um lado, tu não vais ter tempo para gerir o negócio e, por
outro, as condições que a marca te dá não te permitem ser rentável?»
«As
condições foram ligeiramente melhoradas e a marca vai perdoar uma parte dos
fees em dívida»
«Mesmo
assim não é melhor saíres agora?»
«Não
possa sair agora. Se sair não perco só o negócio. Perco também a mulher. Eu não
posso perder a Rita» Disse Faustino, num grito de desespero.
Patrick sabia que estava tudo
errado. Não era daquela forma que Faustino iria recuperar a mulher. Alias se a mulher
colocava essa condição sobre a mesa então ele já a tinha perdido. Mais uma vez
não era o momento para recriminações, era o momento para ser solidário.
«O
que precisas em termos muito concretos?»
«Preciso
que uses os teus contactos para me conseguir um financiamento de quinze mil
euros e preciso que sejas meu fiador.»
Aquilo era completamente
absurdo. Nenhum banco financiaria o amigo ou talvez financiasse, mas com ele
como fiador. Aquilo era tudo o que Patrick não queria.
«Envia-me
o teu plano de negócios e as contas dos últimos três anos da sociedade. Vou
analisá-las e falo contigo amanhã.»
«Tu
vais mesmo ajudar-me?» Perguntou Faustino, pois sabia o que o amigo pensava do negócio,
bem como o afastamento a que o tinha votado nos últimos anos.
«Falamos
amanhã.» Disse Patrick.
O plano de negócios não era
credível e as contas dos últimos anos eram uma desgraça. Só existia uma solução:
Era ele emprestar o dinheiro ao amigo. Na verdade seria dar o dinheiro ao
amigo. Patrick partilhou o assunto com a sua mulher.
«Depois
de tu teres sido contra o negócio e do que a Rita te fez tu ainda queres ajudar
o Faustino?» Perguntou a mulher.
«Sim»
«Tu
és um homem admirável. Ele não sabe a sorte que tem em ter-te como amigo. É por
isso que eu te amo tanto. Tens o meu apoio.»
No dia seguinte Patrick
ligou ao amigo.
«Olha
o teu negócio não tem pernas para andar. Nenhum banco te vai financiar isto e
na minha opinião apenas te vais afundar ainda mais»
«Eu
já sabia…»
Patrick interrompeu o amigo.
«Ouve-me
até ao fim. Apesar de tudo o que te disse e de achar que a postura da Rita não te
ajuda em nada, vou-te emprestar o dinheiro»
«Vais
emprestar-me o dinheiro?» Disse, Faustino, não acreditando nas palavras que ouvia.
«Sim.»
«A
Tereza sabe disso?»
«A
Tereza não só sabe como me apoia incondicionalmente.»
«A
tua mulher é fora de série!»
«Eu
sei». Respondeu Patrick, plenamente consciente dessa realidade.
«Olha
eu não sei quando te vou conseguir pagar.» Disse Faustino.
«Pagas
quando puderes e se puderes. Na verdade eu e a Tereza assumimos esse dinheiro
como perdido.»
«Obrigado
Patrick. Depois de todos me abandonarem nunca pensei que me ajudasses. Pensando
bem faz sentido. Tu estiveste sempre lá quando eu precisei.»
«O
que é importante é que endireites a tua vida, sobretudo que clarifiques as
coisas com a Rita.»
Patrick não sabia mais o que
dizer. E depois das despedidas ficou a remoer o assunto. Ele não se importava
de fazer o sacrifico que estava a fazer para ajudar o amigo. O que o corroía era
saber que na verdade não estava a ajudá-lo a resolver o problema, mas apenas a
adiar o mesmo. Ele teria preferido que o amigo fechasse o negócio, liquidasse
as contas e usasse o empréstimo para recompor a vida, mas esse tipo de solução
não era possível com a Rita envolvida.
Depois de feito o empréstimo
Patrick não mais conseguiu contactar o amigo. O telefone deixou de funcionar e os
emails ficaram sem resposta. Um pouco mais de um ano depois, recebeu um
telefonema do amigo, agora de um número diferente, informando que a Rita o
tinha deixado e que os credores tinham ficado com tudo. Esteve inclusive à
beira de perder o emprego. Patrick deu-lhe a força possível e durante algum
tempo foram muitos os telefonemas trocados. De um dia para o outro o telefone
de Faustino emudeceu. Patrick não esqueceu o amigo e a Tereza diz-lhe muitas
vezes.
«Aposto
que se ele te telefonar a pedir ajuda tu não vai hesitar em ajudar»
Patrick sorriu evitando uma
resposta. «Eu sou amigo dele!» Pensou.
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