A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 5 – O negócio de armas
O rapto do detetive Perestrelo continuava a preocupá-la. Era um
sintoma de algo muito errado. Algo ligado à LCTBK. Cada vez estava mais
convencida de que a empresa estava no centro dos dois assassinatos. O
depoimento do detetive tinha trazido alguns dados novos. Ela já sabia que o
sócio Americano estava em Portugal e se movimentava na sombra, agora suspeitava
que o Brasileiro também tinha colocado a sua equipa em campo. A suspeita tinha
nascido pelo facto de os raptores falarem brasileiro. Se a ela estivesse
correta e a tendência se mantivesse não tardaria a ter um autêntico exército de
mercenários, com várias nacionalidades, a atuar em Lisboa. Pelos vistos a
cidade não era apenas um destino turístico na moda, também atraía outro tipo de
pessoas! Terminou o relatório e enviou-o para o chefe. Aquilo ia fazer soar algumas campainhas.
Anabela acabou o relatório sobre o caso do Chef Walker e guardou
a informação no cofre. A informação de que dispunha permitia descredibilizar a
tese de que ele era o assassino, mas não provava a sua inocência. Na verdade, a
única forma de o fazer era encontrar o verdadeiro culpado. O toque do telefone
interrompeu-lhe os pensamentos.
«Olá. Já estás recuperado do susto?»
Tinha reconhecido o número de telefone.
«Está tudo bem. Estou é preocupado contigo. Eles não olham a
meios, por isso tens que ter muito cuidado.»
Ficaram alguns instantes em silêncio. Um silêncio confrangedor.
Ela não gostava de assumir que estava em risco.
«Tens que investigar o Jair de Lins.»
«Já estou a tratar disso. Encontramo-nos hoje?»
«Hoje não posso.» Disse ela.
Despediram-se. Anabela fechou o escritório e foi para casa. A
conversa tinha-a deixado nervosa. Já na garagem um ruído metálico fê-la dar um
salto. Vinha do lado onde tinha o carro. Ficou parada, gelada de medo.
«Quem está aí?» Gritou.
O gato saiu disparado e ela riu-se. Afinal era apenas um gato.
Entrou no carro e partiu.
Do outro lado do mundo também existiam preocupações e receios.
Raj Badour ponderava as alternativas que tinha. O telefonema do filho tinha-o
deixado em sobressalto e a sua partida apenas serviu para acentuar o
sentimento. «Será que a jornalista estava a investigar a minha família?»
Interrogou-se. Ele não queria inventar problemas onde eles não existiam. No
entanto, caso a jornalista tivesse descoberto alguma coisa sobre os seus
negócios, era melhor que os seus clientes habituais estivesse a par do tema.
Eles não iriam reagir bem, mas reagiriam muito pior se algo viesse a acontecer
sem que ele os tivesse avisado. Pegou no telefone e marcou o encontro.
«Meus senhores, é importante que estejam preparados para lidar
com uma eventualidade grave.»
«Não me digas que a rota foi descoberta!»
«Neste momento não tenho a certeza de nada. Apenas quero que
estejam preparados para a eventualidade de a Jornalista, que morreu nas nossas
instalações, em Portugal, possa ter investigado a nossa atividade.»
«Nesse caso é crítico descobrirmos o que ela estava a
investigar.»
«Estou a tratar disso, mas não é um assunto fácil.»
«Não percebo com só agora é que nos avisaste. Até parece que
estiveste a tomar medidas para te defender a ti, deixando-nos na ignorância.»
Disse um dos clientes em tom desagradável.
Era aquilo que ele receava. Eles desconfiavam dele, na verdade
eles desconfiavam da própria sombra!
«Eu apenas comecei a suspeitar do teor da investigação ontem!»
Disse de forma brusca.
Os ânimos estavam exaltados e ele decidiu manter a cabeça fria.
Não lhes ia dar mais explicações. Raj ficou com a convicção que eles iriam
investigar por sua conta e risco e que não lhe dariam conhecimento dos
resultados que viessem a encontrar. Tinha de ser mais rápido que eles.
«Espero ter notícias em breve. Alguns meses deverão ser
suficientes.»
Os clientes assentiram com a cabeça, sem emitir qualquer
palavra, mas as suas expressões eram de discordância. Raj tinha de tomar
cuidado para não ganhar uma passagem grátis para o sono eterno. No ar tinha
ficado um ambiente de desconfiança que não era favorável à parceria que os unia. Quando Raj partiu o mais inconformado sugeriu.
«Penso que devíamos contratar alguém para tentar perceber o que
a tal jornalista sabia. Para nós está muita coisa em jogo»
Olhou em volta da mesa à procura de apoio, mas apenas encontrou
rostos hesitantes. Eles não eram do meio nem conheciam ninguém em Portugal.
Acreditavam que algo tinha de ser feito apenas não queriam decidir quem deveria fazê-lo. Decidiram vigiar o próprio sócio, bem como o filho. Aquilo que não podia
acontecer era ele atraiçoá-los. Se alguém descobrisse o que era o excesso de
peso de cada um daqueles contentores ele estava liquidado.
Raj Badour tinha cumprido a sua obrigação, mas não estava
convencido de ter sido a decisão mais sensata. Os homens tinham ficado
assustados e ele não sabia muito bem até onde poderiam ir para descobrir se o
seu negócio estava comprometido e o que eram capazes de fazer, para garantir a
sua continuidade. Este era um jogo perigoso. Avisou os seus homens da
possibilidade de entrar em cena mais um ator.
Walker estava sozinho na cela, tinha ficado temporariamente sem
parceiro. Fazia algum tempo que não tinha notícias da advogada. No último
encontro, a versão dos factos que ela tinha alinhado no papel não era muito
animadora para o seu caso. Estava cansado e desanimado. Apesar disso, aquilo
que o fazia ficar ali pensativo era o teor da carta que tinha recebido. Retirou
o envelope do bolso e leu a carta pela enésima vez. A carta não era assinada e
o seu conteúdo apontava para um determinado autor. O problema era que ele
conhecia bem essa pessoa e o seu estilo de escrita não era o apresentado pela carta.
Tratava-se de uma simulação, isso era claro. O que não era claro eram os
motivos da mesma e quem era o respetivo autor. Talvez fosse melhor falar sobre
a carta à advogada. Já lhe tinha escondido demasiadas coisas e isso não tinha
sido bom em nenhuma das ocasiões. Voltou a guardar a carta. Não precisava de
tomar a decisão naquele exato momento. Esperaria pela reunião para preparar a audiência.
Nessa altura ainda não era tarde e, ao mesmo tempo, dava-lhe tempo para refletir.
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