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A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 8


A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 8 - A Fuga

Mónica Fonseca terminou de escrever as suas notas sobre o caso e recostou-se. Ela estava convencida que se tratava de um único caso e que existia uma ligação entre os dois assassinatos. Para além disso, sempre suspeitara do envolvimento dos sócios da Sociedade de Capital de Risco. Os últimos acontecimentos vinham reforçar essa convicção. O americano comportava-se de forma estranha, o brasileiro parecia esconder alguma coisa mais do que as suas relações extraconjugais e os filhos dos dois maiores acionistas eram amantes. Este era um caso que evoluía à contrária: Cada dia a sua complexidade aumentava! A revelação feita pelo filho do Badour, apesar de ser aparentemente esclarecedora, tinha vindo lançar algumas dúvidas. «Será que o Chef Walker matou a jornalista por ciúmes?» Interrogou-se.
O toque do telefone sobressaltou-a.
«Sim.»
«O americano vai abandonar o hotel.»
«Deixa-o o ir. Vamos fingir que encerramos o assunto.»
Mónica fez uma chamada para uma agente da sua equipa e deu-lhe instruções claras. Eles tinham conseguido colocar um GPS nos dois carros do grupo. Ela devia segui-los à distância de forma a não ser vista. O sexto sentido dizia-lhe que algo estava prestes a acontecer. Pegou no telefone fixo e lançou o pedido de alerta. Precisava de uma equipa do Grupo de Operações Espaciais (GOE), embora não soubesse ainda como justificar a sua requisição. A equipa foi colocada de prevenção, mas só atuaria com a confirmação da sua necessidade efetiva.
A agente manteve-se à distância e comunicou a sua posição quando as viaturas que seguia pararam, na Quinta da Fonte da Prata, em Alhos Vedros. A parte habitacional da urbanização permitiu-lhe colocar-se numa posição perto dos homens, colocados entre a urbanização e o rio, sem ser vista. Estacionou o carro fora da estrada e escolheu um posto de observação com boa visão do local. Os quatro homens, que seguiam no carro da frente, dispersaram-se pelos arredores, enquanto o outro carro parava um pouco mais à frente. Os dois homens da frente saíram para fora e ficaram encostados ao carro. O americano não estava à vista, mas devia estar dentro do segundo carro. Durante alguns minutos não aconteceu nada, depois aproximaram-se duas Toyota Hiace, pretas e pararam a alguma distância do segundo carro. De uma delas saiu uma equipa de seis homens, protegidos com coletes anti bala e pesadamente armados, que se colocaram à volta da carrinha. Mais uma vez existiu um momento de espera. O acompanhante do condutor da outra carrinha saiu para a rua e todos os homens convergiram para a mesma. Os coletes anti bala e as metralhadoras foram retiradas de dentro da carrinha e distribuídos a todos os homens. Depois disso entraram todos nas carrinhas e partiram. Cada carrinha levava seis homens escondidos e pesadamente armados. O condutor e o acompanhante tinham colocado coletes por baixo dos casacos, de forma a não dar nas vistas. Um dos acompanhantes era o americano e o outro, o homem que parecia chefiar o segundo grupo. A agente reportou a situação e a equipa dos GOE foi acionada. A agente seguia as carrinhas a uma distância prudente, apesar disso, conseguiu segui-los até entrarem na A33. Nessa altura foi substituída por um colega.
O plano de Mónica era intercetá-los numa zona de pouco tráfego, o que estava difícil de alcançar pois eles entraram na ponte Vasco da Gama e depois na A1, em direção ao Norte. Apesar do inconveniente do percurso não foi necessário o acionamento do plano de emergência para impedir a entrada em Lisboa. Para evitar que o grupo armado percebesse que tinha sido identificado, os agentes da judiciária ficaram um pouco para trás e o helicóptero dos GOE passou a segui-los do ar. Quando eles saíram para a Nacional 113, em direção a Pousos, foi decidido bloqueá-los entre duas rotundas da estrada nacional, mesmo junto à zona de armazéns de Pousos. Os helicópteros baixaram a grande velocidade e cada um deles largou os dez homens numa rotunda. Os arranjos das rotundas incluíam grandes pedras, o que era uma proteção ótima para o GOE.
Scott Taylor percebeu de imediato o que se estava a passar e antes do GOE estarem todos no terreno ele deu ordens para que as carrinhas se atravessassem na estrada criando uma zona de proteção para os homens, entre as duas. Protegidos dessa forma eles abriram fogo sobre os militares. Juntamente com o braço direito fez o diagnóstico: eles não tinham saída. Apesar disso deu indicação aos homens para resistirem, poupando as balas. O tempo jogava a seu favor.
Ao fim de algum tempo era óbvio que para conquistar a posição do grupo armado os militares precisavam de armamento pesado. O comandante do grupo dos GOE, um capitão, reuniu com Monica Fonseca e em conjunto delinearam uma estratégia. Entretanto, o dia foi avançando sem que houvesse nenhum desenlace.
«Se os seus homens não chegam, entretanto, a noite vai proporcionar-lhes forma de escaparem.» Disse Mónica.
«Não se preocupe doutora que eles chegam muito antes de anoitecer.» Respondeu o capitão.
Fazia mais de uma hora que reinava a calma, apenas interrompida por um ou outro tiro, esporádico, apenas para lembrar os militares que não se deveram expor. A barragem de fogo que de repente se abateu sobre eles era completamente inesperada. Os tiros choviam por todos os lados o que fez com que os homens se encolhessem atrás das pedras durante mais de um minuto. Lentamente, os GOE, começaram a reagir respondendo ao fogo e obrigando alguns dos homens do grupo armado a interromper o fogo. Era preciso alguma coragem para fazer fogo pois tinham de se expor para ter linha de tiro antes de obrigar o adversário a recolher-se. Finalmente conseguiram calar o adversário.
«Esta ação não foi em vão. Eles devem estar a preparar alguma coisa.» Disse Mónica.
O capitão deu indicação aos helicópteros e estes sobrevoaram o local à procura de vestígios de alguém em fuga. Depois de várias voltas retiraram-se sem ter encontrado vestígios de pessoas.
«Pensei que pudessem ter aproveitado a manobra para fugir, mas está tudo calmo nos arredores.» Disse o capitão.
Mónica não estava tão segura disso, mas enquanto não chegasse a artilharia não havia nada que pudessem fazer. O helicóptero com a artilharia pesada anunciou a sua presença e os militares utilizaram o megafone para avisar o grupo armado. Só a rendição lhes pouparia a vida. Ninguém se mexeu. A primeira rajada foi ensurdecedora, mas nem assim os homens se renderam.
O ruído das granadas e da metralhadora devoraram o espaço. Os gritos e a confusão que se seguiu era algo a que os agentes da judiciária não estavam acostumados. Mesmo os homens dos GOE ficaram impressionados. Depois do ribombar das máquinas de guerra sobreveio o silêncio. Os GOE prepararam-se para avançar com todos os cuidados. Apesar das precauções não encontraram resistência. A maioria dos homens estavam mortos, sendo que só dois deles estavam apenas feridos. Um com ferimentos não muito graves e provavelmente sobreviveria, o outro estava às portas da morte. O ferido menos grave, foi tratado de imediato e levado para o Hospital. Mónica sentou-se ao lado do que não sobreviveria e colocou-lhe a cabeça no colo, acariciando-lhes os cabelos. Era o conforto possível para os últimos instantes de um ser humano, ainda que este fosse um criminoso. O homem chorou, não de dor, mas de agradecimento. Antes de dar o último suspiro informou Mónica que o americano tinha fugido e que seguia num camião que transportava armas, a caminho do Porto de Sines, onde estas deviam ser entregues essa noite. Foi nessa altura que perceberam que o americano e o outro chefe do grupo armado não estavam entre os mortos. Nem eles nem os dois motoristas. Era urgente encontrá-los!

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