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A JORNALISTA | PARTE III | CAPÍTULO 7



3.7 - O Confronto

Sidney tinha para ele um encanto especial. Foi na sua primeira viagem àquela cidade que a conheceu, embora o primeiro encontro tenha sido casual. Instalou-se no hotel e saiu de imediato. Byron Bay não era muito longe e a Cottage onde ela se devia encontrar ficava quase em cima praia. A sua memória recuou uns anos. Tinha passado noites maravilhosas no alpendre da casa depois de um dia de surf ou apenas de uns quantos mergulhos no mar. O por do sol era algo divinal. O sol não poisava sobre o mar, mas escondia-se nas montanhas de forma longitudinal à praia, o que lhe dava um colorido muito especial. O lado do mar escurecia mais depressa que o lado da terra, transformado o azul cristalino num negro profundo que invocava dimensões desconhecidas. Era exatamente o oposto do que acontecia do outro lado da ilha. Em contrapartida o nascer do sol era um espetáculo de luz que a água do mar multiplicava em mim reflexos.
Tocou à campainha de forma insistente, mas não obteve resposta. Ligou para a agência que tratava do arrendamento da casa quando esta não estava ocupada. A resposta foi lacónica
«A casa está fechada há algum tempo e não temos indicação para a arrendar.»
Maud ficou triste e confuso. Estava tão convencido de que a encontraria ali que não sabia o que havia de fazer. Estava completamente desorientado! Ficou ali um pouco a ver o por do sol e as memórias invadiram-no sem pedir licença. Quando regressou ao hotel estava nostálgico e mal-humorado. Estendeu-se sobre a cama, sem vontade de fazer nada. O telefone tremeu em cima do criado mudo. Pegou nele com movimentos lentos e sem grande vontade de se relacionar com o mundo. Deu um saldo na cama e num segundo estava de pé. Era uma mensagem dela a combinar um encontro para dai a três dias. Ligou para o aeroporto e marcou a viagem. Partiria no dia seguinte.
Chegou ao aeroporto com alguma antecedência e com muito entusiasmo. Estava tão concentrado no seu destino que nem se apercebeu que havia mais alguém interessado no mesmo, mas sobretudo interessado na sua pessoa. Aterrou em Lisboa dois dias depois, num voo que chegou às seis da tarde. O encontro seria no dia seguinte. Depois de instalado foi jantar à beira rio, uma refeição de peixe grelhado. Não existia nenhum sítio no mundo onde o peixe fosse cozinhado como em Portugal. Existiam outros países que também dispunham de peixe fresco, mas o grelhado Português era imbatível.
No dia seguinte dirigiu-se ao local de encontro. O código do portão de homem tinha sido alterado e ele viu os seus intentos frustrados. Era suposto ninguém saber que ele estava ali por isso não podia anunciar-se. Tinha de saltar o muro e isso comportava alguns riscos. Talvez ela já estivesse lá dentro. Ligou-lhe. Nada. O telefone foi de imediato para as mensagens. Ele conhecia bem o local e até sabia como entrar sem ser pelo portão. Deu uma volta ao edifício para se certificar de que não estava ninguém nos arredores e saltou o muro. Depois de passar o muro, entrar dentro no palacete foi tarefa fácil.
Mal tinha acabado de entrar na sala ouviu o ruído de uma porta a fechar-se e pensou que era ela. Ficou especado no meio da sala à espera de ouvir a voz dela.
«O que é que o Senhor Maud está aqui a fazer?»
A voz do segurança apanhou-o de surpresa.  Por breves instantes o corpo ficou tenso, depois virou-se.  Enquanto ele ali estivesse ela não se mostraria. Tinha de fazer com que ele se fosse embora.
«Vou ficar hospedado aqui por uns dias e preciso de alguma privacidade.»
«Este espaço está fechado. Não pode ficar aqui. Se não sair imediatamente serei forçado a chamar a polícia e acusá-lo de entrada forçada.»
Maud não podia sair dali sem falar com ela. Se obedecesse àquela ordem isso nunca iria acontecer. Sem pensar duas vezes desatou a correr. O segurança foi apanhado de surpresa. Estava a tentar ajudá-lo porque ele era filho de um dos patrões, mas não podia permitir que ele fugisse. Não tardou muito a apanhá-lo e a manietá-lo. A polícia foi chamada, mas apareceu acompanhada pela equipa da Mónica Fonseca que, depois de feita a identificação da ocorrência, tomou conta do processo.
Era estranho estar de volta ao palacete e ainda mais estanha era a razão por que estava ali. Tinha que ter algum cuidado com a forma como conduzia o interrogatório. Entretanto, eram dezenas as dúvidas que lhe surgiam na mente, sob a forma de perguntas, para as quais gostaria de ter resposta.
«O senhor Maud enfrenta uma acusação muito séria.»
«Eu faço parte do número de pessoas autorizadas a utilizar este espaço por isso não vejo o quão séria pode ser essa acusação.»
«O problema é que neste espaço aconteceu um crime. Acresce que você não acedeu ao espaço da forma que é expetável que seja feita por que tem direito de aceder ao mesmo. Você saltou o muro!»
«Isso é um pormenor. Desconhecia que o código tinha sido alterado e tinha pressa em entrar.»
«E essa pressa tem uma justificação?»
«Isso não lhe diz respeito!»
«Talvez sim e talvez não. Mas já pensou que o conhecimento desse razão pode representar a diferença entre eu deixá-lo em paz ou retê-lo durante vinte e quatro hora para averiguações?»
Maud pensou sobre o assunto. Ele precisava de liberdade de movimentos, por isso quanto mais depressa se livrasse deles melhor. Para além disso revelar o conteúdo da mensagem não iria prejudicá-la.
«Eu vim aqui a pedido da Karen. Ela marcou encontro comigo.»
«Não existe nenhum registo da presença da Anne Kodiat em Portugal.»
Maud não hesitou e mostrou a mensagem recebida.
«O que nos garante que esse número é dela?»
«Nada a não ser a minha palavra.»
«A vossa relação deveria ser muito profunda para o levar a atravessar meio mundo só para a ver.»
Silêncio.
«Sim nós eramos amantes até ela conhecer o Chef Walker. Ela tinha decidido acabar com ele e voltar para mim na véspera da morte da Karen.»
«Muito interessante. O Chef Walker sabia disso?»
«Não. No que diz respeito a mulheres o Walker é o maior ingénuo que conheço. Ele nunca percebeu a relação que existia entre a Anne e a Karen.»
«Qual era a relação. Também eram amantes?»
«Não me cabe a mim falar sobre isso!»
Mónica ficou pensativa. Ela não teria a certeza qual dos dois homens seria o mais ingénuo, mas o que tinha a certeza era que Anne Kodiat fazia deles uma marioneta. «Qual seria o jogo dela?» Interrogou-se. Ali não havia mais nada a fazer. Entretanto, Jair de Lins tinha aparecido e, com a concordância do segurança, informou que a queixa de invasão de propriedade iria ser retirada.
«Não existindo queixa o senhor Maud está livre não é verdade?» Perguntou Mónica, dirigindo-se ao subchefe da PSP.
Depois de todos partirem Maud pediu para ficar no palacete algumas horas. Não iria pernoitar lá, mas gostava de matar saudades. Nem Lins nem o segurança conheciam os seus motivos, pois não tinham assistido ao interrogatório. Lins acedeu sem hesitação. Afinal o pai dele era um dos maiores acionistas!

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