Pedro,
Quando
a minha amiga me disse que te tinha encontrado o meu coração disparou. As
poucas horas que passamos juntos deixaram em mim marcas profundas. Recebi, com
mãos trémulas a carta que ela me entregou. Guardei-a para ler quando estivesse
sozinha, pois tinha medo do que iria encontrar. Ao fim do dia, depois de
recolhida no meu quarto, estendi-me sobre a cama e li-a. Tive de interromper a
leitura várias vezes, pois as lágrimas não me permitiam continuar.
A
noite em que nos conhecemos foi simultaneamente a noite mais feliz e mais
horrível da minha vida. Estar contigo foi maravilhoso. Entreguei-me sem pensar,
deixando que o meu coração guiasse os meus passos, negando voz à razão. Nunca
me tinha entregado a um homem nessas circunstâncias, mas a verdade é que nunca
nenhum homem me tinha arrebatado dessa forma. Tu tinhas-te tornado dono do meu
coração e eu era tua, mesmo antes de me entregar a ti. Quando percebi que o meu
sentimento era correspondido deixei cair todas as barreiras. Foi a felicidade
total.
Quando
o fogo começou gritei por ti, mas tu não vieste. Em desespero tentei fugir
pelas traseiras mas fui apanhada pelo fogo. A minha amiga contou-me que não me
abandonaste, apenas era difícil chegar a mim, remando contra a maré de gente que
fugia em pânico. Quando chegaste era tarde e eu já não estava no sítio onde me
procuraste. Ias sufocando com o fumo só para me salvar, mas eu não sabia disso.
Nessa noite senti-me abandonada e traída pelo homem a quem me tinha entregue e
por quem eu daria a vida. Por ironia do destino, o homem que eu julgava que me
tinha traído, tinha corrido em meu auxílio, com risco da própria vida. Esse
homem és tu.
Durante
todo este tempo escondi-me, usando como escudo a desculpa de que me tinhas
abandonado e não me merecias. Tentei odiar-te, mas foi em vão, porque nunca
deixei de te amar. A verdade é que eu tinha medo de me apresentar, perante ti,
no estado em que estava. O meu pé esquerdo ficou preso numa porta e, para além
da lesão que isso provocou, sofreu queimaduras graves. A recuperação tem sido
lenta e a minha fé na mesma, inexistente. No entanto, tudo mudou no dia em que
recebi a tua carta. A vida voltou a sorrir para mim e eu voltei a sonhar a
cores. A minha amiga disse-te que eu estava ausente e só voltaria em Setembro e
que nessa altura responderia à tua carta. Estou na Suíça, num clínica de
recuperação do tornozelo. Pensei várias vezes em pedir-te para me vires ver, mas
não queria que me visses diminuída fisicamente.
Durante
os últimos três meses vivi de sonho e esperança. Juntei a força do amor que
sinto por ti à força do amor que vi na tua carta, por mim e usei-as para fazer
de mim uma mulher digna do teu amor. A recuperação física foi um sucesso,
embora carregue para sempre, no meu pé, a marca do fogo. Sonho com o nosso
encontro e, enquanto isso não acontece, o desejo consome-me o corpo e a alma.
Sonho estar a teu lado na intimidade do nosso quarto, ou no meio da multidão e
sinto o calor do teu abraço e a meiguice da tua carícia. Vivo passeios
imaginários, em cenários paradisíacos, sempre ligada a ti por uma mão que
aperta a minha, com firmeza, mas com carinho. Sinto que te pertenço e, apesar
de ter orgulho na minha individualidade, isso não me incomoda, antes me
conforta.
Quando
receberes esta carta já estarei em Portugal. Nada me daria mais prazer do que
estar contigo. Vem ver-me, por favor.
Com
amor
Ana
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