Avançar para o conteúdo principal

A JORNALISTA |PARTE II | CAPÍTULO 1- Sadismo




A JORNALISTA | PARTE II | CAPÍTULO 1 -  Sadismo

O suor tinha-lhe encharcado a t-shirt e os calções. Todas as manhãs se levantava bem cedo e fazia o circuito de manutenção, no ginásio ou ao ar livre. A necessidade de estar em forma e o prazer do exercício combinavam-se para garantir a força de vontade necessária. Entrou a correr em casa, arranjou-se, tomou o pequeno almoço e foi trabalhar. Ligou o rádio, na estação do costume. A mixórdia de temáticas estava no ar. Colocou um CD, precisava de relaxar e para isso nada como um bom clássico. Este caso estava a deixá-lo numa posição complicada. As pontas soltas eram demasiadas e encontrar o fio à meada parecia uma missão impossível.
«Senhor Perestrelo deixaram aqui este envelope para lhe ser entregue.» Disse a rececionista.
Ele pegou no envelope e analisou-o. Não tinha remetente, mas ele já estava habituado a receber esse tipo de correspondência.
«Sabe quem deixou aqui o envelope?»
«Foi um estafeta. Eles não divulgam o nome dos clientes.»
Perestrelo sorriu. Também já estava à espera, depois tentaria obter mais informação. Abriu a porta do escritório e depois de entrar abriu o envelope. Continha uma pen.  Ligou o computador fez um scan do periférico e acedeu. Tratava-se de um vídeo com a duração de uma hora. Tinha sido gravado entre as vinte e trinta e as vinte e uma e trinta, do dia em que Karen tinha sido assassinada. Isso era visível pelo relógio de parede. Era uma cena sado-masoquista em que um homem entrevistava uma mulher e depois a submetia a um conjunto de situações dolorosas das quais não se percebia se conseguiam tirar prazer. Durante os primeiros dez minutos ela explicava a razão de estar ali. Fazia muitos anos tinha sido drogada e violada por cinco homens. Ao invés de sentir apenas repulsa, dor e nojo, sentiu prazer com todos eles, mesmo quando eles preencheram, em simultâneo, todos os seus orifícios. Todos os dias se penalizava por se ter permitido gostar de estar em tal situação. Mas o sentimento de culpa convivia com uma necessidade de satisfazer o seu apetite sexual, recorrendo a formas cada vez mais estranhas para o efeito. Não conseguia ser fiel a um homem e o sexo tanto podia ser com um homem como com uma mulher, de preferência com mais de um parceiro de cada vez. 
«Um dia vou vingar-me deles todos!»
Terminada a confissão começava o castigo. O homem para além do castigo físico procedia à penetração e à sodomização, com os mais variados instrumentos. A jovem não se incomodava com o castigo, mas também não manifestava ter prazer no mesmo. A sessão tinha terminado. O homem algemava a jovem e entrava em cena uma terceira pessoa. A grande novidade é que ao contrário das primeiras duas a última não usava máscara. Perestrelo abriu a boca e arregalou os olhos quando a reconheceu. Era a governanta do palacete de S. Domingos! Primeiro a confissão: tinha tido duas horas de sexo com o seu amante, um brasileiro casado e pai de três filhos. Isso dava lugar a meia hora de castigo. O homem explorou-lhe os orifícios todos, colocando-a em posições estranhas e utilizando didlos de dimensão considerável. Ela gemeu, mas não foi de dor. Para ela não era seguramente um castigo mas um momento de prazer.
Perestrelo era um homem conservador. Apesar disso, não era a primeira vez que via esse tipo de vídeos, no entanto ver uma pessoa conhecida associada ao mesmo fez-lhe alguma impressão. Partilhou a informação com a advogada.
«Gostava de falar com a governanta e questioná-la sobre este vídeo.»
«Temos de entregar o vídeo à polícia judiciária. Esse vídeo põe em causa o testemunho dela e como tal faz parte da prova no caso.»
A entrega foi feita pela advogada que exigiu algum formalismo. Isso deu tempo ao detetive para ter uma conversa com a governanta como se ainda estivesse na posse do vídeo. A governanta ficou constrangida, envergonhada e revoltada.
«Vou processá-lo por uso indevido de informação de caráter pessoal!»
Depois percebeu que a responsabilidade do detetive nesse campo era inexistente e também que o vídeo iria parar às mãos da polícia.
«Eu só queria proteger-me. Não queria impedir que se soubesse a verdade!»
«Entendo. Isso pode ter consequências ao nível pessoa e ao nível profissional.»
«Ao nível profissional? Pois claro… sim, é verdade.»
Perestrelo foi assaltado por um conjunto de dúvidas. «Porque será que ela não tem receio dos impactos a nível profissional? Estranho!» Pensou.
«Sabe quem é a mulher que está a seu lado nas filmagens?»
«Não. A verdade é que nem sequer sei se é uma mulher.»
Perestrelo não tinha colocado essa hipótese sobre a mesa, mas ficou a pensar no assunto. A verdade é que as vozes estavam distorcidas, o que não permitia concluir nada relativamente ao sexo dos intervenientes. Depois de muita insistência e alguma pressão sobre a governanta, conseguiu obter a morada do local onde as filmagens foram feitas e partiu. Depois de muitas tentativas conseguiu chegar à fala com o homem das filmagens. Também ele desconhecia a identidade da mulher pois a condição dela era aparecer sempre de máscara. Na verdade apenas tirava a máscara no exterior do edifício não existindo nenhum registo do rosto dela. Mais um beco sem saída.
A governanta ficou a ver o detetive partir. Levantou-se do sofá e andou pela sala ao acaso. Finalmente tomou uma decisão.
«Alguém divulgou um vídeo do género daquele que me mostrou. Já não tenho nada a perder.»
Silêncio. A pessoa do outro lado do telefone não se pronunciou.
«Este vídeo para além de mim tem outra mulher. O interessante é que as semelhanças com a sua amiga são enormes.»
Desligou sem esperar resposta.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O SEMÁFORO

O SEMÁFORO Na cidade do Porto, numa rua íngreme, como tantas outras, daquelas que parecem não ter fim, há-de encontrar-se um cruzamento de esquinas vincadas por serigrafias azuis, abertas sobre azulejos quadrados, encimadas por beirais negros de ardósias, que alinham, em escama, até ao cume e enfeitadas de peitoris de pedra, sobre os quais cai a guilhotina. Estreita e banal, sem razões para alguém perambular, esta rua, inaudita, é possuidora de um dispositivo extraordinário, mas conhecido de muito poucos: Um semáforo a pedal, que sobreviveu, ao contrário dos “primos”, tão em voga na década de sessenta, na América Latina. No início do século XX, o jovem engenheiro, François Mercier, de génio inventivo, mudou-se para o Porto. Apesar do fracasso em França e na capital, convenceu um autarca de que dispunha de um dispositivo elétrico e económico, bem capaz de regular o trânsito dos solípedes de carga, carroças, carros de bois a caleches, dos ilustres senhores. O autarca

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL

CARTAS DE AMOR - AMOR IMPOSSÍVEL As palavras não me ocorrem perante a imensidão do sentimento que me invade o peito. Digo-te aquilo que adivinhas pois os meus olhos e os meus gestos não o conseguem esconder. Amo-te! Amo-te desde o primeiro dia em que entrei na empresa e tu me abriste a porta. Os nossos olhares cruzaram-se e, por instantes, olhamo-nos sem pestanejar. Senti que tinha encontrado a minha alma gémea. O meu coração acelerou quando me estendeste a mão e te apresentas-te. Apenas uma semana depois soube que eras casada. Chorei a noite toda. Não conseguia aceitar que não fosses livre para poder aceitar o meu amor e retribuí-lo como eu tanto desejava. Desde esse dia vivo em conflito: amo-te e por isso quero estar a teu lado, mas não suporto estar a teu lado, sem poder manifestar-te o meu amor. Quero fugir dessa empresa, não quero mais ver-te se não te posso ter, mas não consigo suportar a ideia de não te ver todos os dias. Tu és o sol que ilumina o meu dia, mas és

O BILHETE

O BILHETE Com os cadernos debaixo do braço ele subiu a escadaria do Liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real. Vivia numa aldeia próxima e tinha vindo a pé. Tinha vários irmãos e como estavam todos a estudar, tinham de poupar em tudo o que era humanamente possível. Já estava com saudades das aulas! Era irónico que tal fosse possível pois os jovens preferem as férias. Não era o seu caso. Tinha vindo de Angola e, por falta de documentos, tinha ficado um ano sem estudar, trabalhando na quinta, ao lado do pai, enquanto os irmãos iam para as aulas. Estudar era, portanto, a parte fácil. Procurou a sala onde a sua turma tinha aulas: Ala este, piso zero, sala seis. Filipe era um aluno acima da média, mas a sua atitude era de grande humildade: esperava sempre encontrar alguém melhor que ele. Dado que tinha ficado um ano afastado da escola estava com alguma expectativa em relação à sua adaptação, mas confiante nas suas capacidades. Não tardou em destacar-se e no fim do primeiro tri