A JORNALISTA |PARTE II | CAPÍTULO 4 – Golden Coast
Desde
o início da investigação que Mónica Fonseca sentia um grande desconforto com o total
desconhecimento em relação ao passado de Roger Walker. Uma boa parte do
comportamento presente e futuro das pessoas podia ser explicado pelo seu
passado e quando se tratava de julgar um caso de assassinato isso era
preponderante. O comportamento passado permitia desenhar um perfil e estabelecer
um caráter que era determinante no momento de ajuizar a intenção de cada ato,
bem como a capacidade de o levar a cabo. Os pedidos de informação aos
congéneres Australianos não tinham dado qualquer resultado. Continuavam a
aguardar uma resposta. A polícia judiciária autorizou uma diligência
extraordinária e Mónica Fonseca estava a caminho da Austrália.
Os
dois australianos eram enormes. Sentados nos lugares da janela e da coxia,
ocupavam completamente os três lugares. Ela ficou parada junto ao número
dezoito. O seu olhar oscilava entre o lugar onde deveria sentar-se e o bilhete.
«Como é que eu vou caber ali?» Pensou. Uma hospedeira aproximou-se dela e sem
necessidade de palavras percebeu o seu problema.
«Pode mostrar-me o seu bilhete e
identificação?»
Quando
percebeu que ela era da policia judiciária levantou a cabeça e olhou-a com
surpresa.
«Pode aguardar um pouco?» Disse
gentilmente.
Quando
regressou conduziu-a até à primeira classe. A situação acabou por ser resolvida
em seu benefício.
Oficialmente
ela era uma turista. Isso não iria facilitar-lhe a vida mas não seria
impeditivo de conseguir as informações que necessitava. Durante uma semana ela falou com várias
pessoas do passado de Roger. Percorreu a Golden Coast, Brisbane e Sidney e um
conjunto de outras localidades por onde Roger havia passado. Fosse qual fosse a
atividade desenvolvida ou o local onde ela tinha sido exercida o Chefe tinha
deixado marcas profundas e duradouras. Quando Mónica Fonseca se deparou com o
assassinato das duas turistas, que tinham frequentado a escola de surf de Byron
Bay, decidiu que tinha de aprofundar a investigação. Isso acabou por a levar a
um detetive particular que se recusou a dar-lhe as informações que pretendia.
Numa tentativa vã de o forçar a falar ela identificou-se como membro da polícia
judiciária Portuguesa. Esse deslize viria a custar-lhe caro.
Os
três homens ladearam-na assim que ela se encostou ao balcão da receção.
«Boa tarde.» Disse um deles.
Ela
respondeu, ao mesmo tempo que tentou colocar-se numa posição que lhe permitisse
defender-se e isso apanhou os homens de surpresa. Eles reagiram e voltaram a ladeá-la.
As costas estavam protegidas pela parede mas a linha de fuga estava cortada
pelos homens. Só havia uma solução era partir para o ataque. Um dos homens
mostrou a identificação. Eles pertenciam à congénere australiana da polícia
judiciária.
«A senhora, na qualidade de CSCI da Polícia
Judiciária Portuguesa, está a conduzir uma investigação não autorizada na
Austrália.» Disse o responsável.
«Estão enganados eu sou apenas uma turista.
Que eu saiba não existe lei nenhuma que me impeça de fazer as perguntas que
entender. » Respondeu ela, na defensiva.
«Temos uma acusação, suportada por um vídeo,
em que a Mónica Fonseca recorre à sua qualidade de CSCI para obter
informações.»
Nesse
momento ela percebeu que tinha cometido um erro. Iria ter um problema! Olhou para o
agente hesitante.
«O estado australiano não quer fazer disto
nenhum incidente diplomático, nem sequer iremos reportar a situação, a qualquer
nível, desde que a CSCI Mónica Fonseca parta no próximo avião para Portugal.»
Não lhe restava outra alternativa. Fez as
malas e foi escoltada até ao aeroporto.
Mónica Fonseca elaborou dois relatórios referentes à sua viagem à Austrália. Um curto
e genérico onde falava do incidente com a policia australiana. O outro extenso
e detalhado onde relatava as suas descobertas. Apesar de interrompida de forma
abrupta a viagem tinha sido proveitosa. Ainda antes de embarcar tinha dado
início a todos os procedimentos para poder interrogar o Chefe Roger.
Mónica
Fonseca e a sua equipa estavam sentados frente a frente com a advogada do
arguido. Roger surpreendeu-se pelo facto de não encontrar a sala vazia como das
outras vezes. A CSCI Mónica Fonseca foi direta ao assunto.
«Conte-nos o que se passou com a empresa
aulas de surf, onde era sócio e instrutor, em Byron Bay.»
Roger
olhou para ela com expressão de surpresa. Ela manteve o rosto impassível e
aguardou pela resposta.
«Não tenho nada a acrescentar aquilo que já
é do conhecimento público.»
«Está a referir-se ao seu julgamento?»
«Sim.»
«O que tem a dizer sobre a morte das duas
turistas que foram aliciadas pela vossa empresa para uma das festas.»
«Nada.»
A
advogada de Roger apanhou um choque. Embora soubesse do julgamento, ela
desconhecia os detalhes sobre quais o seu cliente estava a ser questionado.
Apesar disso não deixou transparecer esse desconhecimento. Por seu lado a CSCI
Mónica Fonseca percebeu que não ia conseguir nada do seu interlocutor pelo que
apelou para a advogada.
«Preciso de falar a sós com o meu cliente.»
Disse a advogada.
Quando
ficaram a sós ela quis primeiro conhecer toda a história. Depois de ouvir Roger
convenceu-o a dizer tudo o que sabia desde que essa colaboração fosse tomada em
consideração no seu julgamento. Na verdade a polícia já conhecia os factos que
fragilizavam o seu caráter por isso não tinha nada a perder.
Roger
explicou detalhadamente o esquema. Os empresários patrocinavam as festas e a
empresa com publicidade e com isso ganhavam acesso às jovens turistas. Ele
apenas ficou a saber do esquema no tribunal. As jovens que se recusavam a
acompanhar os homens, mesmo depois de ingerirem algum álcool, eram drogadas e
levadas por eles. A primeira noite de sexo era filmada para que apenas as
jovens fossem identificadas, permitindo a chantagem que se seguia. Tinha ficado
provado em tribunal que ele não conhecia o esquema, sendo um instrumento na mão
dos dois irmão.
«O que sabe da morte das duas turistas?»
Roger
não sabia nada. As jovens tinham estado na festa mas saíram sozinhas da mesma e
apareceram mortas de overdose na manhã seguinte. À saída da festa tinham sido
paradas num barreira policial e o nível de alcoolémia era nulo. Isso tinha
ficado registado pelas câmaras da estação televisiva local. Nunca se tinha
descoberto se a sua morte resultara de uma injeção voluntária de drogas ou se
tinham sido assassinadas. Perante a falta de provas e o facto de elas serem
consumidoras habituais fez com que a polícia encerrasse o caso, descartando a
hipótese de assassinato.
No
fim do interrogatório estavam todos insatisfeitos. Roger por ter sido obrigado
a abrir o livro do passado. A advogada por perceber que o cliente lhe escondia
assuntos que podiam influenciar o resultado do julgamento. E a CSCI Mónica Fonseca porque não tinha conseguido mais do que criar algumas dúvidas sobre o
caráter do arguido.
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