A JORNALISTA | PARTE II | CAPITULO 2 – O Concurso
Anabela
Correia desligou o telefone e quedou-se numa posição pensativa. O olhar pousava
sobre a marina e o rio, que se estendiam à sua frente. Tinha ido almoçar a um
dos restaurantes das Docas, com uns amigos. No fim da refeição recebeu um
telefonema e estes partiram deixando-a sozinha. Ela deixou-se ficar sentada
na mesa. O dia estava muito agradável, apesar de já se estar no Outono. Uma
aragem suave balançava os cabos metálicos de encontro aos mastros, produzindo
um ruído característico das marinas. O rio crescia com a maré alta e os peixes
da marina tornavam-se menos visíveis à medida que o nível da água aumentava.
Apesar do encantamento do local ela estava alheia a tudo isso. Parecia estar
noutro planeta. O caso adensava-se e o telefonema de Perestrelo confirmava isso
mesmo. Neste caso, as notícias eram boas para o seu constituinte. A
credibilidade da testemunha ocular acabava de ser colocada em causa. O toque do
telefone sobressaltou-a. Olhou para o número que aparecia no ecrã. O indicativo
era australiano. «Mau! Queres ver que vêm ai más notícias?» Pensou.
A
qualidade sonora era muito má e o sotaque australiano não ajudava muito. O
telefonema tinha origem na estação de televisão Network Ten e quem estava do
outro lado era uma secretária. A chamada foi entretanto encaminhada para a
diretora de programas. A voz feminina era doce e simpática. Num tom afável explicou
quem era e como conhecia Roger: aparentemente de uma forma muito íntima.
«Como não consigo falar com o Roger,
preciso que lhe diga que a nossa relação está a ser investigada no contexto do
concurso de Masterchef.»
«Isso significa o que?» Perguntou Anabela.
«Ele sabe o que isso significa.»
«Quer dar-me a sua versão dos factos?»
«Isso não é relevante. Diga-lhe também que
o caso do escândalo sexual de Byron Bay voltou a estar na atualidade.»
«A senhora tem alguma coisa a dizer sobre
isso?» Perguntou Anabela.
«Não.»
Depois
da resposta seca ouviram-se agradecimentos e a chamada foi desligada. Anabela Correia
não conseguiu evitar uma ruga de preocupação. Tinha que descobrir exatamente
aquilo que se tinha passado na Austrália, pois isso poderia ser muito
prejudicial, se viesse ao de cima no tribunal, de forma descontrolada. Tinha
que falar com o seu cliente.
Roger
não tinha vontade de falar sobre o assunto e no princípio recusou-se a fazê-lo.
«Não sei qual a relevância que um conjunto
de factos, que tiveram lugar há quase dez anos, pode ter para o caso presente.»
Disse Roger.
«Só posso pronunciar-me sobre a relevância
depois de conhecer os factos.»
Roger continuou em silêncio.
«Nada do que me possas dizer pode ser usado
contra ti, por isso não percebo a tua resistência.»
Ele
não queria reviver o passado. Existiam factos que eram públicos e outros que
não. Ele não queria tornar tudo público e para isso tinha de mentir. Anabela continuou
a insistir e ele acabou por ceder.
«Quando era instrutor de surf, em Byron
Bay, a empresa da qual era sócio e onde era instrutor, esteve envolvida num escândalo
de exploração sexual. Isso custou-me a carreira de instrutor de surf.»
«Foste julgado e condenado?»
«Sim.»
«Nesse caso isso é um assunto encerrado.
Vou pedir ao detetive Perestrelo que obtenha todos os detalhes do processo.»
«É o que estou a dizer-te desde o
princípio.»
Anabela
fez uma pausa para ponderar todos os aspetos da questão e depois mudou de
assunto
«O que pode resultar da investigação do
concurso de Master Chef?»
Roger
olhou para ela espantado. Aquela pergunta trazia água no bico. Ele nunca tinha
mencionado o assunto.
«A que propósito vem
essa pergunta»
«Recebi uma chamada da
diretora de programas da Network Ten.»
A
Advogada não acrescentou mais nada e aguardou a resposta. Roger percebeu que
ela sabia alguma coisa e que o melhor seria contar tudo.
«Eu e a diretora de programas conhecemo-nos
numa viagem pelo interior da austrália. Primeiro descobrimos que existia entre
nós uma atração, depois que gostávamos muito de sexo: éramos insaciáveis e,
finalmente, que gostávamos de sexo de uma forma pouco comum e em locais pouco
usuais.»
«Isso não tem nada de anormal.»
«O problema é que fomos filmados em vários
locais e a fazer coisas pouco ortodoxas, pelo menos para algumas mentalidades.»
A
narrativa mexeu com ela. No que dizia respeito a sexo também guardava alguns
segredos. Imaginou-os seminus, deitados na cama, beijando-se e acariciam-se
mutuamente. Instintivamente juntou as duas pernas, pressionando uma contra a
outra. Um estremecimento de prazer percorreu-lhe o corpo. «Bolas! Preciso de me
controlar!» Pensou.
«Isso poderia e ainda pode vir a ser um
problema. O vídeo alguma vez foi divulgado?»
«Não. Conseguimos evitar isso, mas não
evitamos a publicação da notícia de que tínhamos um romance.»
«Não estou a perceber o problema.»
«Os jornais exploraram a questão do
conflito de interesses. Como podia o namorado da diretora de programas ser
candidato num deles? Algumas alegações de favorecimento tiveram eco na opinião pública.»
Anabela
ficou mais tranquila quando tomou conhecimento dos detalhes, pois não lhe
pareciam muito relevantes. Apesar disso, o facto de Roger ter escondido aquela
informação, nas várias conversas quer tinha tido com ele, deixaram-na
preocupada. «Será que posso confiar?» Pensou.
«Veja se me está a contar tudo. A pior
coisa que podia acontecer era a acusação descobrir algo sobre o Roger e divulgá-lo
apenas no julgamento. Isso pode ser catastrófico!»
Roger
protestou ter contado tudo e apenas a verdade. Ela olhou para ele e decidiu,
naquele momento, que Perestrelo teria de aprofundar o caso. Ali não havia mais
nada a fazer.
Quando
abandonou as instalações prisionais cruzou-se com a Mónica Fonseca.
Cumprimentaram-se de forma cortês. O sorriso da advogada era meio trocista e a
CSCI percebeu o porquê.
«O vídeo não tem validade nenhuma como
prova.» Disse Mónica Fonseca.
«Não é necessário. Mesmo sem esse efeito
formal cumprirá o seu objetivo.»
A
advogada levantou a cabeça e seguiu em frente. Ela tinha conseguido uma arma
para esgrimir, mas estava preocupada com as armas que a acusação poderia obter.
A história do passado do Roger podia ser um problema.
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