UMA TARDE NO PARQUE
Era
domingo e íamos almoçar a casa do avô Chico. O avô Chico e a avó Francisca são
os pais da minha mãe. São dois velhinhos de quem gosto muito e que me fazem
todas as vontades. Isso é muito bom mas nem sempre me agrada: por vezes sinto
que abuso! Eu estava pronta. Liguei a televisão e coloquei o vídeo de uma das
minhas músicas preferidas. Estava divertida a cantar e a dançar quando fui
interrompida.
«Luís!»
O
grito veio da cozinha. Assustada, fui a correr ver o que se passava com a minha
mãe. Ela não me deixou entrar. A cozinha estava cheia de água. A minha mãe
estava aborrecida porque não podia lavar a roupa: a máquina tinha avariado. Já
não fomos almoçar com os avós. A mãe ligou à minha madrinha e combinou
deixar-me lá ao início da tarde para os pais poderem tratar da máquina.
Eu
gosto muito de ir a casa dos padrinhos e de brincar com eles, mas eles têm regras
que eu não entendo: não me deixam ver vídeos quando estou a comer e o padrinho
faz cara feia quando não presto atenção ao que me diz ou quando não respeito
uma ordem. Eu costumava pensar que o padrinho era mau, mas agora percebo que
ele gosta muito de mim e por isso me está a ensinar as regras do mundo dos
adultos. Eu fico dividida. As regras, como as que aprendo na escola, fazem-me
sentir segura pois são a garantia de que existe uma determinada ordem no mundo.
Mas, ao mesmo tempo são aborrecidas e não me permitem ter aquilo que quero e
quando quero.
Quando
cheguei a casa dos padrinhos carregava orgulhosamente o pacote de amêndoas que
a mãe tinha comprado para eles. Que abraços e beijos deliciosos! A mãe ficou um
pouco, depois foi-se embora e os padrinhos levaram-me ao parque. Foi uma longa
caminhada mas eu já sei que não vale a pena pedir colo.
O
parque tinha vários brinquedos mas os que eu mais gostei foi o baloiço e os
castelos, ligados com uma rede de cordas. Cavalguei atrás do padrinho, sem sair
do sítio, imaginando que ia campo fora, nos dinossauros de madeira. É sempre
engraçado usar a nossa imaginação. Ela faz com que eu viaje para sítios
diferentes daquele onde estou e o melhor de tudo é que posso escolher o sítio.
A
subida para o castelo foi difícil. O padrinho ensinou-me e depois deixou-me
livre para subir, mas apenas o fiz sentido nas costas o conforto do peito dele.
Nas vezes seguintes ele orientou-me os movimentos das pernas e dos braços e
ganhei mais confiança, mas continuei a precisar do seu apoio. Lá no alto,
protegida pelas paredes de madeira do castelo, eu era a princesa. Os meninos e
os adultos que estavam no parque eram os meus defensores! Depois veio o desafio
de atravessar de um castelo para o outro, agarrada às cordas. O facto de poder
utilizar os pés era bom, mas as cordas abanavam fazendo as pernas tremer. Cansada,
encolhi as pernas. Não conseguia aguentar o peso do meu corpo com os braços. O
Padrinho estava lá para me segurar e explicou-me que era mais fácil se ficasse
com as pernas esticadas e mantivesse o peso do corpo sobre estas. Consegui.
Chegar ao outro lado foi uma vitória. A madrinha juntou-se ao padrinho e
incentivaram-me a fazer nova travessia. Apesar do medo e das pernas tremerem o
tempo todo, passar de um lado para o outro tornou-se cada vez mais fácil.
Quando
senti os pés no chão corri para o baloiço. Era um baloiço para bebés por isso
não existia o risco de cair. O padrinho fez-me voar nas alturas. Fechei os
olhos e imaginei que tinha asas. Era bom voar! Os padrinhos estavam sempre
atentos e sentia-me segura a brincar com eles por perto. Quando chegou a outra
menina tudo foi diferente. Eu só queria brincar com ela, mas ela apenas queria
imitar o que o irmão mais velho fazia. Juntei-me a ela e ao bebé que tinha
chegado e brincamos durante algum tempo. A menina e o bebé partiram e o parque
ficou só para mim. Bebi mais o gole de água que a madrinha tinha comprado para
mim e voltei a subir ao castelo, agora com a ajuda da madrinha. Subi mais umas
vezes até que fiquei cansada do parque.
Regressamos.
De mãos dadas com os dois fomos até ao café. O gelado soube-me muito bem. Ainda
bem que tinham o meu preferido. O padrinho obrigou-me a lavar as mãos antes de
comer. São as regras dele, mas eu gostei. Voltamos para casa pelo sol: à sombra
estava frio e eu comecei a cantar baixinho.
«O
que estás a cantar? Canta alto que eu quero ouvir.» Disse a madrinha.
Calei-me.
Preferia cantar quando ninguém me pedia. Depois comecei a falar da cozinha
cheia de água.
«Qual
foi o problema com a máquina?» Perguntou o padrinho.
«É
preciso usar a cabeça e pensar…» Disse.
O
padrinho disse:
«Muito
bem!»
Em
seguida repetiu as expressões “usar a cabeça” e “pensar”. Fiquei a olhar para
ele. «Os adultos não entendem nada!» Pensei. Eu a dizer que era preciso usar a
cabeça e pensar e ele apenas elogiou o facto de eu usar as palavras, sem sequer
pensar!
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