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A JORNALISTA | PARTE II CAPÍTULO 7

A JORNALISTA | PARTE II CAPÍTULO 7 – A Conferência


Perestrelo estava satisfeito consigo próprio. Tinha conseguido iludir os seus perseguidores e isso tinha-lhe permitido obter um conjunto de informações que podiam vir a ser muito úteis, sem que eles suspeitassem de alguma coisa. O regresso a Sidney foi tranquilo. O amigo estava irrequieto. Ficar quase dois dias fechado num quarto não era coisa que lhe agradasse. Tinha-se vingado no serviço de quartos. Perestrelo percebeu isso da pior forma quando teve de pagar a conta.
Quando entrou no hotel ostentava um sorriso trocista e uma expressão de superioridade ostensiva. Os três homens estavam espalhados pelo extenso lobby e entreolharam-se estupefactos. As expressões faciais eram elucidativas: Se o detetive não tinha saído do quarto, como era possível estar a entrar no hotel? Havia ali algo de muito errado! Ele observou-os de soslaio, gesto que não lhes passou despercebido. Não tardou muito para perceberem que tinham sido enganados.
Os dois amigos riram-se da cara dos homens que os seguiam ao mesmo tempo que faziam desaparecer os microfones. Depois disso Perestrelo ficou sozinho.
«Preciso que descubras quem mora na seguinte morada. Toma nota.»
Perestrelo forneceu a Anabela a morada que o detetive de Brisbane lhe tinha dado. Quando regressasse iria fazer-lhe uma visita. Agora era altura de se dedicar à conferência. Era um dos oradores por isso tratou de rever a apresentação tomando algumas notas nos slides, para servirem de orientação na sua exposição. Quando desceu para jantar percebeu que nenhum dos homens se encontrava no lobby. Na verdade o espaço estava completamente vazio. Por momentos isso pareceu-lhe estranho depois sorriu e gozou em silêncio o seu triunfo. «Desistiram de me vigiar dentro do hotel o que significa que devo ter alguém a seguir-me na rua. Isso deixou de ser relevante. Aquilo que vai acontecer nos próximos dias nada tem a ver com a investigação. Por isso, boa sorte!» Pensou. Jantou no hotel e passou o serão a ver notícias e a fazer o relatório do trabalho de campo.
A excelente noite de sono e o formidável pequeno almoço, deixaram-no bem disposto e cheio de energia. A caminho do centro de conferências não conseguiu identificar se alguém o seguia. Foram vários os carros que saíram do parque do hotel, logo atrás de si embora, nem todos tivessem seguido na sua direção. Quando estava a chegar ao centro de congressos três dos carros ainda seguiam na sua peugada. Todos eles seguiram em frente. Mais uma vez isso pareceu-lhe estranho. Começava a ter dúvidas se estava a ser seguido. A sua apresentação foi muito aplaudida e o painel de comentadores teceu os maiores elogios. A temática de recolher dados sobre terceiros no enquadramento da nova lei de proteção de dados tinha sido apresentada de forma brilhante e as técnicas que propunha eram definitivamente revolucionárias.
Como orador tinha um lugar reservado ao almoço pelo que não teve de se dar ao trabalho de escolher uma mesa. Na mesa à sua direita, sentada de costas, estava uma ruiva que tinha suscitado a admiração e os comentários dos comensais que se sentavam a seu lado. A saia, embora fosse longa, deixava adivinhar umas pernas bem torneadas. A blusa branca, com folhos, não sendo demasiado justa, evidenciava um corpo elegante e uns seios redondos que teimavam em espreitar pelo generoso decote. Os cabelos ruivos emolduravam um rosto que sem ser bonito prendia a atenção. Quando ela se levantou para se dirigir ao buffet, olhou na sua direção e lançou-lhe um sorriso. Ele ficou imóvel na cadeira, derretido, como um monte de neve perante a intensidade do brilho do astro solar. O sorriso para além de lindo era magnético. O rosto dela adquiriu uma luminosidade tal que a tornou numa mulher realmente bonita. Era incrível a transformação que um sorriso consegue operar num rosto! Debruçado sobre as saladas ele sentiu os seios dela roçar-lhe o ombro. Estava habituado a esse tipo de contacto que era muitas vezes casual, outras uma abordagem premeditada. Na dúvida, ignorou-o. A voz, sensual, soou como um sussurro voluptuoso ao seu ouvido.
«Gostei muito da sua apresentação. Gostava de ter oportunidade de trocar algumas impressões sobre o tema.»
Virou-se com avidez buscando a dona daquela voz. Era ela. Era a ruiva da mesa ao lado. As pernas tremeram-se e emudeceu. Ultrapassada a hesitação inicial, ele sorriu. Tinha aprendido a utilizar o sorriso como forma de recuperar o fôlego, quando as circunstâncias lho roubavam. Funcionou. Ela sorriu de volta e aguardou que ele falasse.
«Será um prazer. Com quem tenho a honra de estar a falar.»
«Mil perdões! Que indelicadeza a minha. O meu nome é Lucy e sou de Nova Iorque.» Disse ela estendendo a mão.
Perestrelo segurou-lhe a mão e puxou-a ligeiramente para si. Após uma suave resistência inicial ela avançou um paço e correspondeu ao ósculo facial.
«Muito prazer. O meu nome é Norberto Perestrelo mas isso já é do seu conhecimento.»
Ela assentiu com a cabeça brindando-o com mais um sorriso.
«É um nome complicado para mim. Posso chamar-lhe Beto?»
Perestrelo não gostava de diminutivos, mas não conseguiu dizer que não. Aquele sorriso tinha-o hipnotizado.
 A partir das dezassete e trinta eles tinham a tarde livre. Lucy colou-se de imediato e ele e foram para o bar. Ela era uma mulher muito interessante em termos físicos mas Perestrelo descobriu que o encantava ainda mais em termos intelectuais. Para além de possuidora uma cultura geral extraordinária ela tinha um conhecimento profundo da atividade de investigador particular. Foi uma conversa tão interessante que lhe encheu a alma. Estava empolgado e excitado intelectual e fisicamente. O convite para jantar saiu-lhe de forma natural. Ela aceitou.
Quando regressaram ao hotel estavam os dois bem animados. Já dentro do elevador ele tomou-lhe a mão e beijou-a ela dirigiu-lhe um olhar sedutor e encostou o corpo dela ao dele, pressionando-o contra a parede do elevador. Ao sentir a intumescência dele sorriu e piscou-lhe o olho. Aquela cumplicidade ainda o deixou mais excitado. Beijaram-se. Os lábios semiabertos cruzaram-se num beijo suave. Os olhos dela eram um mar onde ele naufragava e os seus ferviam de desejo. Engalfinharam-se um no outro de forma selvagem. As bocas pareciam querer devorar o parceiro e os corpos enroscados estavam prestes a tombar no chão do elevador. Ele não se recordava como chegaram ao quarto dela. Sem pensarem em mais nada fizeram voar as roupas e mergulharam no colchão da cama de casal. Ele parecia possuído e ela possuía-o com a mesma intensidade. Ao fim de uma hora e de vários clímax estavam os dois exaustos. Ela adormeceu ao lado dele com a cabeça deitada no seu ombro. Ele passou pelas brasas mas manteve-se desperto. Não queria pernoitar no quarto dela por isso o melhor era manter-se alerta.
«Vou-me refrescar.» Disse ele quando ela despertou.
Mal tinha entrado na casa de banho abriu a porta para lhe dizer algo. Aquilo que viu calou-lhe a voz. Ela acabava de servir dois copos de champanhe e num deles colocou uma droga que ele conhecia muito bem. Ela queria uma confissão. Fechou novamente a porta sem fazer ruído e ficou sentado na casa de banho. Tinha de pensar rapidamente numa estratégia de saída. Afinal os seus perseguidores eram mais espertos do que ele tinha pensado. Saiu da casa de banho e agarrou-a por trás beijando-lhe o pescoço. Ela estava de copo na mão bebericando. Baixou-se para pegar no como dele. Perestrelo fingindo que não tinha percebido rodou-lhe o corpo para ficar de frente para ela. O copo de champanhe foi parar ao meio do chão. De forma lesta ele baixou-se a apanhou o copo e mergulhou-o no balde do gele enchendo-o em seguida.
«Servido num copo gelado é muito melhor.» Disse ele brindando.
O trejeito suave do rosto dela foi a única demonstração de contrariedade que ela evidenciou. «Estou a lidar com uma verdadeira profissional!» Pensou ele. Ela foi refrescar o rosto e Perestrelo aproveitou para enviar um SMS ao Levi: “liga-me dentro de dez minutos”. Quando ela regressou algo tinha mudado. O andar perdeu a sensualidade e tornou-se felino. Ele tinha-se vestido o que pareceu ser uma contrariedade. Perestrelo estava de pé, encostado à parede, de copo na mão. Levantou o copo numa saudação enquanto os seus olhos perscrutavam o rosto da mulher. Definitivamente o romance tinha desaparecido. Eles eram apenas dois adversários que se avaliavam mutuamente. A pequena pistola que estivera presa na canela estava agora à cintura. O telefone tocou.
«Sim? De acordo já desço.»
«Tenho que ir. Foi bom conhecer-te e seria interessante voltar a encontrar-te.» Disse ele com um sorriso trocista.
Lucy apressou o passo em direção à sua bolsa que estava poisada num sofá ao lado da cama. Perestrelo retirou a pistola da cintura e travou-lhe o movimento.
«Aconselho-te a dares meia volta e regressares à casa de banho.»
O olhar dela chispava de raiva e o rosto duro avaliou a situação. Ela pareceu ponderar se deveria ou não obedecer. A distância a que ela se encontrava poderia ser facilmente ultrapassada e se ela se mexesse ele não tinha a certeza de que iria disparar. O seu coração bateu de forma descontrolada, embora nada transparecesse no seu rosto. A tensão era elevada e ele não sabia quanto tempo conseguiria manter aquela expressão. Ainda bem que estava encostado à parede. O ar descontraído e o sorriso irónico dele convenceram-na. Ele fechou a porta da casa de banho, embora sem a trancar, deixando-a lá dentro. Saiu do quarto rapidamente e dirigiu-se para o seu. Passado quinze minutos o Levi batia-lha à porta acompanhado de dois amigos da policia australiana. Quando foram procurar a ruiva esta já tinha abandonado o hotel.

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